Discurso durante a 146ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração, hoje, dos 94 anos de existência do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - DNOCS. Necessidade de viabilizar o fortalecimento e a reorganização do DNOCS.

Autor
Patrícia Saboya (PPS - CIDADANIA/CE)
Nome completo: Patrícia Lúcia Saboya Ferreira Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Comemoração, hoje, dos 94 anos de existência do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - DNOCS. Necessidade de viabilizar o fortalecimento e a reorganização do DNOCS.
Publicação
Publicação no DSF de 22/10/2003 - Página 33082
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS (DNOCS), COMENTARIO, HISTORIA, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, MELHORIA, SITUAÇÃO, SECA, REGIÃO NORDESTE.
  • REGISTRO, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, GARANTIA, FUNCIONAMENTO, DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS (DNOCS).

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (PPS - CE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não existe sequer um representante dos estados do Nordeste Brasileiro que não tenha, em algum momento de mandato, ocupado as tribunas deste Parlamento para falar da questão da seca.

De fato, todo o flagelo provocado por esse fenômeno natural está profundamente entranhado na vida e na alma do nordestino. Hoje, já há um bom conhecimento acumulado sobre esse processo, principalmente depois da descoberta dos mecanismos de funcionamento do El Niño, o aquecimento periódico das águas do Oceano Pacífico, que desloca massas de ar quente em direção ao interior do Continente Americano, estabelecendo mudanças no regime das chuvas em todo o nosso País.

Sabemos, também, que o fenômeno se tem caracterizado, ao longo dos tempos, por uma repetição mais freqüente com o passar dos séculos. No século dezesseis, a partir da nossa colonização, foram identificados 4 períodos de secas, seguidas de 6 no século dezessete, 7 no século dezoito, 12 no século dezenove e 15 no século vinte, terminado há pouco. Isso indica que deve existir um forte componente adicional de ação humana que amplia o fenômeno.

Mas, se o homem pode agravar problemas naturais, também está com ele a capacidade de mitigar seus efeitos e, quem sabe, reduzi-los a um nível tolerável para a população.

Hoje o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) completa noventa e quatro anos de existência. Durante a maior parte desse tempo, o órgão representou a única ação sistemática do Governo Brasileiro buscando reverter os perversos resultados dos ciclos climáticos.

Certamente, as cenas do cotidiano dos que lutam para sobreviver às secas não são nada agradáveis de se ver. A história do DNOCS tem suas raízes remotas na grande seca de 1877-79, especialmente cruel no meu Estado do Ceará. O escritor Rodolfo Teófilo narra com tintas bem realistas a tragédia, que chegou a comover profundamente o Imperador Pedro II: atos de antropofagia; flagelados buscando avidamente raízes, cozinhando solados de sapato e animais venenosos; rebeliões de famintos com atos de desobediência pública.

Já no primeiro ano de seca, foi instituída uma Comissão de Engenheiros para estudar o problema. Essa concluiu pela necessidade da construção de grandes açudes no Nordeste, sendo o Cedro, em Quixadá, Ceará, o primeiro deles. Também vêm dela as recomendações para a criação de canais de irrigação, a proposta de transposição do rio São Francisco e a sugestão de movimentar populações no sentido de fixá-las em regiões próximas aos reservatórios, onde poderiam ser mais facilmente atendidas.

A Proclamação da República e toda a reorganização política resultante interromperam as ações do Governo central, só retomadas, a partir de 1909, pelo Presidente Nilo Peçanha, que instituiu a Inspetoria de Obras Contra a Seca (IOCS) pelo Decreto nº 7.619, em 21 de outubro daquele ano, sob a direção do engenheiro Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa. O órgão foi tornado permanente em fins de 1911, pelo Decreto nº 9.256.

Para a condução do combate às secas, Arrojado Lisboa fez jus ao seu próprio nome: sabia da necessidade de, primeiramente, entender o fenômeno e sua região de abrangência. A Inspetoria foi, logo no início, o lugar de fixação de renomados cientistas e engenheiros, nacionais e estrangeiros, que iniciaram importantes estudos de cunho geográfico, geológico, climatérico, botânico, social e econômico. Entre os pioneiros, além do próprio Inspetor, podemos citar os geólogos Ralph Sopper, Gerald Warring, Horace Small, Roderic Crandall e Luciano Jacques de Moraes, e os botânicos Lofgren e Luetzelburg, que produziram estudos ainda hoje citados.

A Inspetoria, entretanto, não conseguiu permanecer alheia às influências políticas da época, que determinaram uma reorientação de suas importantes atividades a partir do Governo de Hermes da Fonseca. Menos estudos e mais obras, passou a ser a orientação do órgão, o que acabou determinando a demissão de Arrojado Lisboa, que só retornou ao órgão na presidência de Epitácio Pessoa, tarde demais para reverter a tendência de transformá-lo numa grande empreiteira.

Em 1919, pelo Decreto nº 13.687, a Inspetoria teve seu nome modificado para Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), nome que permaneceu até 1945, quando recebeu sua denominação definitiva, DNOCS, pelo Decreto-lei nº 8.846.

Até a criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), a antiga Inspetoria, transformada em Departamento, trabalhou em várias frentes.

Nos estudos preliminares, por exemplo, efetivou levantamentos cartográficos, incluindo, a partir da década de 1930, a aerofotogrametria. O mesmo se deu no estudo de solos, com mais de duzentos mil hectares aproveitáveis devidamente identificados e mapeados.

O destaque maior é no setor de obras. Especialmente depois da reestruturação determinada no período do Presidente Getúlio Vargas, sob a condução do Ministro José Américo de Almeida.

Na construção de reservatórios, hoje, contamos 291 açudes públicos construídos pelo DNOCS, armazenando mais de 15,3 bilhões de metros cúbicos de água. A maior parte deles foi construída, como era praxe até a década de 1960, sob o regime de administração direta, o que fez com que o Departamento fosse conhecido, durante muito tempo, como a maior empreiteira da América do Sul. Também é responsável pelo incentivo à implantação de 593 açudes em regime de cooperação, até 1988, representando 1,2 bilhão de metros cúbicos de água adicionais. Tudo isto é complementado pelos mais de 23 mil poços tubulares profundos instalados por toda a região sob sua responsabilidade, aproveitando o imenso manancial aqüífero que encontramos no rico subsolo nordestino.

O DNOCS construiu, antes da existência do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, mais de doze mil quilômetros de estradas, capeadas de terra, que atravessavam as regiões mais secas do nordeste. Foi responsável por 212 quilômetros de ramais ferroviários, além de pistas de pouso de aviões e, até, pequenas usinas hidrelétricas associadas a alguns açudes maiores. Bem antes da chegada da energia da Usina de Paulo Afonso, 30 cidades do interior da Paraíba e do Ceará já recebiam o benefício da luz elétrica.

Muito se criticou o DNOCS por não ter conseguido desenvolver, no mesmo nível das ações de construção, a irrigação e o desenvolvimento da agricultura. Por uma política deliberada do Governo Federal, os recursos mais polpudos foram para as obras. Ainda assim o Departamento alcançou marcas significativas na irrigação, só superadas depois da criação da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF) na década de 1970, cabendo a ele o papel adicional de assentar colonos nas áreas irrigadas e desenvolver a piscicultura e a pesca, especialmente nos seus grandes açudes.

A multiplicação dos órgãos relacionados com os problemas nordestinos na década de 1960, assim como a autarquização estabelecida pela Lei nº 4.229, de 1963, acabou tendo um efeito deletério no funcionamento do DNOCS, esvaziado em algumas de suas funções. A implantação do regime militar em 1964 resultou numa secessão de chefias de pequena expressão técnica, ao mesmo tempo em que as responsabilidades compartilhadas entre o Departamento e os outros órgãos, como a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), o Grupo Executivo de Irrigação para o Desenvolvimento Agrícola (GEIDA), a Superintendência do Vale do São Francisco (SUVALE), antecessora da já citada CODEVASF, e o Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS), geraram um embaraçamento de funções e o enfraquecimento do DNOCS.

A redemocratização do País encontrou o Departamento com inúmeros problemas, agravados pela insistente sinalização do Governo Federal no sentido de estabelecer o fechamento definitivo do órgão.

O fechamento só não aconteceu, no final da década de 1990 devido à intensa mobilização das autoridades nordestinas, acompanhada pelos Parlamentares.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o DNOCS constitui, assim como a SUDENE, um patrimônio do Nordeste. A Lei nº 10.204, de 2001, reafirmou suas atribuições de órgão eminentemente executor de políticas públicas relacionadas com recursos hídricos, em consonância com os princípios estabelecidos na Política Nacional de Recursos Hídricos. Retoma, assim, no Governo do nordestino Luiz Inácio Lula da Silva, seu papel histórico de promover o combate ao maior dos flagelos naturais brasileiros.

É necessário, entretanto, viabilizar o fortalecimento e a reorganização do Departamento, em bases gerenciais modernas, assentadas sobre sólidos princípios de transparência e competência técnica. Saúdo aqui os funcionários do órgão, na pessoa de seu Diretor-Geral Eudoro Walter de Santana, a quem cabe, atualmente, viabilizar a reformatação do DNOCS.

Encerro dizendo que a administração pública em um país carente como o nosso não pode se dar ao luxo de enveredar pelos caminhos do desperdício de recursos, de repetição inútil de ações, de desprezar as necessidades do cidadão ou virar as costas para a sociedade. O novo paradigma que devemos buscar é o do reconhecimento dos direitos dos cidadãos, em nosso País, de qualquer extrato social, em ser atendido em suas necessidades, especialmente as mais básicas. No Nordeste, água potável, saneamento, combate à seca ou recursos básicos para a lavoura de sobrevivência ainda são, em alguns lugares, privilégios.

Vamos deixar que o DNOCS volte a fazer sua parte, como foi sua tradição, relembrada nessa comemoração de seus 94 anos de serviços prestados.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/10/2003 - Página 33082