Discurso durante a 147ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade de regulamentação e fiscalização financeira das ONGs. (como Líder)

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Necessidade de regulamentação e fiscalização financeira das ONGs. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 23/10/2003 - Página 33117
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, APLICAÇÃO, GOVERNO, RECURSOS FINANCEIROS, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), AUSENCIA, FISCALIZAÇÃO, UTILIZAÇÃO, DINHEIRO.
  • QUESTIONAMENTO, INFLUENCIA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), DECISÃO, POLITICA SOCIAL, GOVERNO FEDERAL.
  • REGISTRO, ATUAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), SENADO, DEFESA, NECESSIDADE, AGILIZAÇÃO, APRECIAÇÃO, PLENARIO, PROJETO DE LEI, REGULAMENTAÇÃO, FUNCIONAMENTO, FISCALIZAÇÃO, ORGANIZAÇÃO.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, os jornais, nos últimos dias, noticiaram um fato que, para mim, não é surpresa, tendo em vista que presidi a CPI das ONGs.

A Folha de S.Paulo, sob o título “Terceiro Setor”, diz: “Governo banca ONG’s, mas não fiscaliza os seus gastos”, de autoria de Raymundo Costa e Marta Salomon.

Não vou ler a matéria, que é bastante extensa. Peço a V. Exª que a considere como parte integrante do meu pronunciamento.

Da mesma forma, o site da FolhaOnline noticia: “ONGs temem ser cerceadas pelo governo”; “Terceiro setor se ligou ao Estado na década de 80” e “União financia de aeroclubes a escolas de samba”.

Sr. Presidente, preocupa-me esse tema, que, como falei, foi objeto de uma investigação da CPI das ONGs. A própria CPI produziu um anteprojeto de lei propondo a regulamentação do funcionamento e da fiscalização dessas organizações não-governamentais. O projeto veio ao Plenário, como manda o Regimento, sendo encaminhado à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, onde foi apensado a um projeto meu que já existia, e, até agora, esse projeto não foi votado. Portanto, requeiro, na forma regimental, que esse projeto possa vir à apreciação do Plenário, já que os prazos foram decorridos.

Sr. Presidente, friso que a pressão das ONGs sobre a condução das políticas sociais brasileiras é incontestável e vem contaminando todo o processo decisório do Governo. Há poucos dias, o próprio Presidente Lula abriu as portas do Palácio do Planalto à Associação Brasileira das ONG’s (Abong), atendendo ao apelo desta para uma visita de cortesia. Entre um protocolo e outro, as reivindicações não demoraram a surgir no ambiente palaciano. Para espanto de todos, as ONGs reivindicam, uma vez mais, a criação de regras que favoreçam seu acesso aos recursos públicos em programas sociais. Pedem, inclusive, Sr. Presidente, sejam eliminadas o que eles chamam de burocracias e sejam criadas facilidades de acesso aos recursos públicos, portanto, os governamentais, para aplicar nas organizações não-governamentais.

O que me estranha e pude comprovar é que, muitas vezes, esses recursos são colocados à disposição dessas ONG’s meramente por meio de convênios, sem licitação, sem nem um tipo de seleção entre as diversas organizações e sem uma prestação de contas adequada.

Portanto, diante dessa matéria que entendo muito importante, considerando, inclusive, a transparência que o Governo Lula pretende dar à aplicação dos recursos públicos, espero que essas instituições possam, efetivamente, ser regulamentadas, e que os recursos públicos canalizados para essas instituições possam ser melhor acompanhados, não só pelos ministérios, mas também pelo Tribunal de Contas da União e pelos tribunais de contas dos Estados. Assim, o povo que paga o imposto pode saber onde estão sendo colocados os seus recursos. Na verdade, muitas dessas organizações não poderiam mais ser chamadas de não-governamentais, porque vivem às custas dos recursos públicos e estão buscando ainda mais facilidades para poder atuar.

Peço a V. Exª que considere lido o restante do meu pronunciamento e solicito à Mesa, dentro do que dispõe o Regimento, a possibilidade de que venham à apreciação do Plenário os dois projetos que se encontram na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Caso seja necessário, encaminharei requerimento por escrito. Sou autor de um dos projeto e Relator do que trata da CPI das ONGs.

Muito obrigado.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI.

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O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a pressão das ONGs sobre a condução das políticas sociais brasileiras é incontestável e vem contaminando todo o processo decisório do novo Governo. Poucos dias atrás, o Presidente Lula abriu as portas do Palácio do Planalto à Associação Brasileira das ONGs (Abong), atendendo ao apelo desta para uma visita de cortesia. Entre um protocolo e outro, as reivindicações não demoraram a surgir no ambiente palaciano. Para espanto de todos, as ONGs reivindicam, uma vez mais, a criação de regras que favoreçam o acesso delas aos recursos públicos em programas sociais.

A resposta presidencial, ainda que protocolar e proteladora, sinaliza uma simpatia perigosa e bastante temerária. Naquela ocasião, o Presidente Lula disse que, por envolver diversos ministérios, a questão reivindicatória se centralizaria na Secretaria-Geral, nas mãos do próprio Ministro-Chefe, Luiz Dulci. Mais que isso, determinou-lhe a elaboração de uma proposta que reduzisse a burocracia e que facilitasse o acesso das organizações a verbas públicas. Tal delegação exclusiva de poderes não se sustenta à luz dos tempos democráticos em que vivemos, pois pressupõe uma centralização decisória descabida e, indiscutivelmente, arbitrária.

Convenhamos, a alegação do Presidente Lula de que sua decisão de atribuir exclusividade do estudo ao Ministro-Chefe se deve a razões de ordem estritamente "gerenciais" não convence nem as mentes mais infantis de nosso País. Na verdade, o motivo da decisão esconde uma deliberada intenção de tratar as organizações não-governamentais com uma reverência inteiramente desproporcional à posição que elas ocupam na estrutura de poder na sociedade brasileira. Para desmerecer ainda mais nossa frágil tradição democrática, o Presidente Lula justificou a decisão com a seguinte pérola: "É que cachorro que tem muito dono fica sem comer."

Senhor Presidente, longe dos olhos da lei, as ONGs transitam pelas esferas administrativas do Poder com uma folga política incomensurável. Na condição de organizações de natureza pública, mas de controle privado, atuam comodamente à margem de uma vigilância social mínima. Nacional ou internacionalmente constituídas, têm conquistado, nos últimos anos, espaços proeminentes nos eixos decisórios do País. Simpáticas em razão das causas que abraçam, aparentam ostentar uma cumplicidade popular automática, como se gozassem desde sempre de um poder natural à representação da vontade nacional.

Nesse jogo de aparências, as ONGs terminam por serpentear os recantos viscerais do Poder Público, exercendo influência inexorável sobre os destinos da Nação. Não por acaso, a Abong anunciou, em seus informes semanais de agosto, o lançamento de um manual de fundos públicos, dotado de ferramentas muito práticas de avanço sobre a estrutura de financiamento e administração de programas do Governo Federal. Mais que isso, fornece instruções detalhadas sobre a legislação para a assinatura de convênios com órgãos governamentais, sobre o registro no Conselho Nacional de Assistência Social e a obtenção do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social.

Em nome de uma suposta sociabilidade natural da pessoa humana e de seu direito de reunião e de associação, as ONGs buscam, no final das contas, o estabelecimento de uma nova ordem política, pela qual a sociedade poderá regular a convivência humana, a relação entre os cidadãos. Até aqui, nada de extraordinário, senão a sutil observação de que, para tal legitimidade, mister se faz consultar os demais cidadãos, sob pena de se cometer ato abusivo de discricionariedade. De nada adianta tanta boa vontade das ONGs, se o processo de instituição, gestão e execução de seus programas não se submete a critérios minimamente legais de acompanhamento.

Ainda que, do ponto de vista da globalização contemporânea, seja saudável, até indispensável, a constituição de uma rede de agremiações ou organismos intermediários a operar junto ao Estado, não se pode concordar com uma persistente prática de cooptação dos agentes do Governo, com o objetivo, muitas das vezes escuso, de defender determinadas causas conhecidas como "de universal interesse". Sem uma consulta explícita à população, as ONGs vagueiam pelo território brasileiro sustentando projetos de cuja verdadeira finalidade pouco se sabe. Desafortunadamente, o Brasil não dispõe, até o momento, de mecanismos legais suficientemente eficazes que controlem a atuação, tampouco o interesse delas em nossas terras. 

Sobre a perspectiva ideológica, as organizações não-governamentais argumentam que o resultado de suas ações exalta cabalmente a superioridade dos instrumentos da cidadania sobre os da velha política dos jogos de interesses "egoísticos e individuais", disfarçados de interesse público. Ora, levando tal declaração ao pé da letra, poderíamos aplicar a mesma crítica à atuação das ONGs em geral, pois delas não temos a menor transparência, seja de natureza funcional, seja de natureza financeira e política. Nesse ambiente competitivo pelo poder, não há espaço reservado para boas maneiras, muito menos para ingenuidades românticas. Tudo deve ser tratado com o rigor da lei, à luz de muita vigilância cívica.

Em 2001, segundo dados da própria Abong, as verbas federais disponíveis para políticas públicas de ONGs ultrapassaram dois bilhões de reais. Mas vale ressaltar que, em 2000, apenas cerca de 55% dos recursos autorizados foram efetivamente executados. Isso ocorre porque faltam informações disponíveis do Governo Federal que esclareçam a real destinação das verbas orçamentárias preliminarmente comprometidas com as ações das ONGs. De acordo com especialistas, as principais causas do desencontro entre recursos públicos e a utilização pelas organizações da sociedade civil seriam a ausência de transparência nas regras, o desconhecimento da existência dos programas e a demora na sua regularização.

Para concluir, Senhor Presidente, devemos deixar claro que não há discordâncias sobre o papel que as ONGs exercem em nossa sociedade. Pelo contrário, concordamos em que seu desempenho se orienta no sentido da valorização do público e da experiência cotidiana dos setores populares. No entanto, daí a reivindicar a condição de ator social no sistema político nacional há uma distância visivelmente enorme.

Enfim, por mais que se reconheçam mudanças significativas no papel exercido na esfera pública, devemos reiterar que ainda prevalece o entendimento segundo o qual as ONGs ocupam o lugar da mediação, da articulação de interesses, porém jamais de instituição estrutural no sistema político-democrático do País. Com isso em mente, a Nação aguarda um novo posicionamento do Presidente Lula a respeito da propalada reivindicação das ONGs em busca de mais recursos do Estado, na direção de condicionar o acesso financeiro à institucionalização de maior controle e fiscalização sobre sua atuação no Brasil.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.

 

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SEGUEM DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/10/2003 - Página 33117