Discurso durante a 148ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração no dia 16 de outubro do Dia da Alimentação.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Comemoração no dia 16 de outubro do Dia da Alimentação.
Publicação
Publicação no DSF de 24/10/2003 - Página 33340
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, ALIMENTAÇÃO, GRAVIDADE, FOME, DESNUTRIÇÃO, MUNDO, CONTRADIÇÃO, INVESTIMENTO, RECURSOS, EQUIPAMENTOS, GUERRA.
  • COMENTARIO, DADOS, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), FOME, DESIGUALDADE SOCIAL, BRASIL, CONCENTRAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO, ALIMENTOS, NECESSIDADE, COMBATE, PERDA, TRANSPORTE, ARMAZENAGEM, COMERCIALIZAÇÃO, PRODUÇÃO AGROPECUARIA.
  • DEFESA, EXPANSÃO, PROGRAMA, COMBATE, FOME, AMBITO INTERNACIONAL.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste 16 de outubro, o mundo comemorou mais um Dia da Alimentação. Essa data deveria ser a mais festiva de todas. Muito mais que as outras, que se transformaram, na realidade, em verdadeiros motes para o comércio de mercadorias, e que ocuparam o lugar da justa homenagem às mães, aos pais, às vovós, às crianças ou, até mesmo, ao nascimento do Jesus menino. Como na festa pela boa colheita, quando os agricultores lançam mãos aos céus, para agradecer a boa semente e a chuva benfazeja, o mundo deveria comemorar, neste dia, o pão nosso de cada dia, repartido entre todos, sem distinção de cor, de credo, de sotaque, de geografia e de história.

Ao contrário, havia pouco a se comemorar. Aliás, ao invés de uma grande festa pela mesa farta, o 16 de outubro mais pareceu inspirar um daqueles dias cinzentos pela poluição das nossas consciências, por admitir que, enquanto o mundo comemorava o seu dia da alimentação, quase um bilhão de seres humanos ainda padeciam da dor da fome. E a dor da fome no mundo deveria calar mais fundo, porque os mundos e fundos que são gastos nos mísseis de última geração, responsáveis pelo provimento da morte, são os mesmos que seriam suficientes para propiciar o mantimento da vida.

São mais de duzentos milhões de crianças que sobreviveram à tal estatística do número de mortos por mil nascidos vivos, que continuam sofrendo de sintomas de desnutrição aguda ou crônica. Mas, 13 milhões por ano são deserdados pela sorte, e não encontram energias para alcançar, ao menos, o quinto aniversário. Morrem de fome e de seus derivados, além de outras doenças também plenamente evitáveis, como o sarampo, a malária, a diarréia e a pneumonia. Morte lenta e dolorosa, porque “de fome se morre um pouco por dia”.

O verdadeiro significado de comemorar tem que ser o de trazer à memória, lembrar, não esquecer. Então, hoje é, também, dia mundial da alimentação. Amanhã, idem. Não podemos esquecer, porque, enquanto o gemido da fome de milhões ecoar nos ouvidos do mundo, não há que se atribuir ao termo o significado de celebrar. Nem de festejar, porque a festa só deve começar, quando houver comida suficiente para todos os convidados à vida.

A fome está, principalmente, na Ásia e na África. Mas, ela está, também, nos nossos quintais, sob as nossas janelas. Aliás, também em relação à fome, o Brasil é um retrato do planeta. Há regiões brasileiras com estatísticas de primeiro mundo e outras comparáveis com as dos países mais pobres da Terra. O Mapa da Fome, elaborado pelo IPEA, mostra que, enquanto no Sul, os índices de desnutrição se assemelham aos dos países desenvolvidos, no Norte e no Nordeste eles são parecidos com os do grupo das nações mais pobres. A fome e a indigência mortificam 32 milhões de brasileiros, mas eles se concentram, principalmente, nestas duas regiões e, ainda com mais intensidade, nas periferias de suas cidades e no seu meio rural. Não é à toa que, mais da metade do que o Brasil produz vai para as mãos privilegiadas de um em cada dez brasileiros. O Brasil é um país rico, mas a riqueza brasileira não é distribuída. O Brasil é um país rico, de pobres.

Não há restrições maiores para o País produzir alimentos básicos para sua população faminta. A barreira das 100 milhões de toneladas de grãos, enfim ultrapassada, é, apenas, mais um passo numa caminhada de horizontes mais largos. A produção de alimentos é a que mais emprega, é a menos sensível a crises e a que menos demanda recursos para ser viabilizada. Portanto, produzir alimentos pode se constituir, não só na curetagem das feridas da fome, mas, principalmente, na pedra fundamental de uma sólida construção da cidadania.

Os números da produção, que acalentam, também podem escamotear uma cruel realidade, ao se constatar que muito do que se produz desvia-se da mesa da população para os ralos do lixo. Sem contar o desperdício doméstico, muitas vezes cartão de visitas da opulência e da gula, o País perde grande parte de seus alimentos a partir da porteira do produtor. Sem considerar as perdas diretas na produção, na safra 2001-2002, por exemplo, somente na comercialização de arroz, milho, soja, feijão, batata, tomate e banana, estima-se que se extraviaram 21,5 milhões de toneladas. A preços da época, isso significa algo como R$ 9,3 bilhões. Qualquer percentual que se aplique sobre esses números pode dar a dimensão do que se pode recuperar, em termos de alimentos e recursos, dependendo de ações, muitas vezes singelas, no sentido de diminuir tamanho desperdício. Para se ter uma idéia, os mais de 35%, de muitos produtos essenciais da cesta básica, que se perdem no Brasil, dariam para alimentar mais de dez milhões de pessoas que, hoje, morrem de fome.

É por isso que o Dia Mundial da Alimentação, antes de uma comemoração ou de uma celebração, tem que se transformar, primeiramente, em uma grande campanha, ou seja, num conjunto de ações e de esforços no sentido de criar condições para que tenham pão, os que têm fome. Se essa mesma campanha se inserir num grande projeto de erradicação da exclusão social, que responde pelo nome de cidadania, haverá, também, água, para quem tem sede; moradia, para quem resta, somente, o relento; luz, para quem vive na escuridão do analfabetismo; amanhã, para quem não sabe se o limite da amarga existência é hoje.

Que se decrete, então, que o dia da alimentação é todos os dias. E que, todos os dias, ele seja festejado, pelo menos, três vezes. Não há como negar que, em termos mundiais, algo se avançou, nos últimos anos, para diminuir a fome no mundo. Entretanto, pelos cálculos da FAO, Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, se mantido o ritmo de diminuição da desnutrição da última década, seriam necessários mais 60 anos para se alimentar, dignamente, a metade dos famintos de hoje. Isto é, seis décadas para se retirar da fome pouco mais de 400 milhões de pessoas. Ocorre que, sem nada mais efetivo, e se mantidas, também, as estatísticas de mortalidade infantil em que a desnutrição é uma das principais causas, 780 milhões de crianças menores de cinco anos já estarão mortas, neste mesmo período. Essa contabilidade macabra deve instigar corações e mentes para uma ampla reflexão sobre os destinos do Planeta. De que adiantará a tecnologia de última geração, a que modifica sementes, se ainda faltar, na mesa de tamanhos contingentes, os alimentos mais básicos, passíveis de serem produzidos pela ferramenta mais rudimentar, desde que seja mais bem distribuído o acesso às condições básicas de produção de alimentos.

É o que o Presidente Lula tem mostrado ao mundo, numa verdadeira peregrinação contra a fome. Aqui, instituiu o Programa Fome Zero, que se inicia com a semeadura da solidariedade, na busca da colheita da cidadania. Guarda sementes, e as lança em terras mais distantes, porque entende que a cidadania tem que se transformar, necessariamente, numa monocultura em escala mundial.

Como na parábola do semeador, sabemos que parte dessas sementes cairá entre as pedras e os espinhos da indiferença. E não brotará. Outra parte cairá sobre os (des)caminhos da ganância e serão palavras ao vento. E não frutificará. Outra parte, porém, cairá sobre a terra fértil da solidariedade. E dará bons frutos. E esses frutos gerarão novas sementes, que se multiplicarão e, com certeza, a colheita será farta e generosa. E, então, o Dia Mundial da Alimentação será, enfim, celebrado, diariamente, ao redor de uma grande mesa. De comunhão.

Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/10/2003 - Página 33340