Discurso durante a 149ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Questiona o resultado de viagem realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados a aldeias indígenas em Roraima.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA. DIREITOS HUMANOS.:
  • Questiona o resultado de viagem realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados a aldeias indígenas em Roraima.
Publicação
Publicação no DSF de 25/10/2003 - Página 33789
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, RESULTADO, VIAGEM, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, CAMARA DOS DEPUTADOS, TERRAS INDIGENAS, REGIÃO NORTE, ESTADO DE RORAIMA (RR), MOTIVO, ACUSAÇÃO, IMPRENSA, OCORRENCIA, FAVORECIMENTO, ENTIDADE, GRUPO INDIGENA, MANIPULAÇÃO, DOCUMENTAÇÃO, AMEAÇA, DENUNCIA, GOVERNO FEDERAL, ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA).
  • MANIFESTAÇÃO, PROTESTO, CONDUTA, DEPUTADO FEDERAL, EXCLUSÃO, ENTIDADE, DEFESA, INDIO, EXPECTATIVA, ESCLARECIMENTOS, CAMARA DOS DEPUTADOS, NECESSIDADE, IGUALDADE, ATENÇÃO, MINORIA, GARANTIA, DIREITOS HUMANOS.
  • CRITICA, AMEAÇA, DENUNCIA, GOVERNO FEDERAL, ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA), REGISTRO, POSIÇÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, GARANTIA, AUTONOMIA, COMUNIDADE INDIGENA, LEITURA, TEXTO, PUBLICAÇÃO, IMPRENSA, ESTADO DE RORAIMA (RR), ESCLARECIMENTOS, POLITICA, SECRETARIA, INDIO, AMBITO ESTADUAL, PRIORIDADE, INTEGRAÇÃO, GRUPO INDIGENA, SOCIEDADE, INCENTIVO, ATIVIDADE ECONOMICA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DOCUMENTO, REFERENCIA, VIAGEM, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, CAMARA DOS DEPUTADOS, DESTINAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a defesa dos direitos humanos é um assunto que sensibiliza todo mundo e que nele todos se engajam com tranqüilidade. Senador Mão Santa, V. Exª, que está presidindo, e eu, que ocupo esta tribuna, somos médicos e nos preocupamos mais ainda com este aspecto humano do indivíduo: os direitos todos, mesmo os mais elementares e principalmente aqueles das minorias. E quem se preocupa efetivamente com esses direitos e busca defendê-los deve ter, no meu entender, primeiramente, isenção de ânimo, deve ter capacidade de ouvir todas as partes envolvidas. Falando como médico, devemos ouvir o paciente, analisar os exames laboratoriais e confrontar a queixa com os exames para, assim, fazer um diagnóstico.

No que tange à defesa das minorias, há que se ouvir primeiramente as minorias, evidentemente, pois são aquelas cujos direitos estão sendo atingidos, mas, dentro dessas minorias, devemos ouvir as diversas facções envolvidas. Quando a discussão sobre direitos humanos envolve, por exemplo, a questão indígena, parece que é uma coisa só. Nós que vivemos na Amazônia temos contato permanente com os índios, seja na cidade, seja nas aldeias, seja nos hospitais, no dia-a-dia, mas quem está no Sul e no Sudeste tem uma visão algumas vezes romântica, outras vezes manipulada da realidade.

Quero aqui, Sr. Presidente, abordar um tema que me deixou profundamente chocado e, ao mesmo tempo, decepcionado. A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados programou uma viagem a vários locais do Brasil para visitar aldeias indígenas, e, entre essas localidades, estava o meu Estado. Mas, Sr. Presidente, em vez de fazerem a apuração ou uma ausculta isenta dos problemas, realizou-se, como os jornais de Roraima publicaram, uma missa encomendada para atender apenas a uma facção dos índios. Não estou nem falando de etnias, porque, na verdade, são várias organizações indígenas, cada uma delas envolvendo várias etnias. Em Roraima, tanto no conceito da Funai, quanto no dos Governos anteriores e de organizações nacionais, elegeu-se somente uma instituição, como se ela tivesse o monopólio da verdade e como se ela fosse uma espécie de entidade sacrossanta, que é o Conselho Indígena de Roraima.

A Comissão de Direitos Humanos da Câmara programou uma viagem para Roraima para o dia 13 de outubro. Fez-se o cronograma para a V Caravana de Direitos Humanos - Conflitos em Terras Indígenas. No dia 12, a Comissão se reuniu e preparou tudo que iria ser ouvido em cada lugar. O documento está aqui, e, de antemão, requeiro que faça parte integrante do meu pronunciamento.

Em Roraima, há a etnia Macuxi e outras. E o documento começa por descrever a questão especial da área indígena Raposa Serra do Sol. O que aconteceu? A reunião seria realizada no dia 13 de outubro. No dia 12, foi elaborado um pré-relatório das visitas. É um negócio muito interessante: antes de ouvir, antes da visita, faz-se um pré-relatório. E o pré-relatório da Comissão dos Direitos Humanos continha tudo que iria ser dito pelos indígenas. Coincidentemente, a reunião foi realizada no dia 13, e, no dia 13 mesmo, o Conselho de Roraima publica no seu site: “Deputados Federais da Caravana Nacional de Direitos Humanos vão denunciar Governo brasileiro à Organização dos Estados Americanos”. Sr. Presidente, o interessante é que o documento assinado pelas lideranças do Conselho Indígena de Roraima foi o documento pré-elaborado na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

Realmente, choca-me como Parlamentar o fato de que não há isenção no trato de coisa tão séria. Primeiro, não se ouviram todas as partes envolvidas. Além do Conselho Indígena de Roraima, o CIR, existem outras entidades indígenas - e não estou falando das não indígenas -, como a Sociedade em Defesa dos Índios Unidos de Roraima - Sodiur; a Arikon; a Alidicir e outras, que não comungam com o pensamento do Conselho Indígena de Roraima. Embora, no fundo, na tese básica, defendam mais ou menos a mesma coisa, elas divergem no acessório. Seria salutar que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara ouvisse todos os índios. Não estou nem sugerindo que ouvisse os não-índios. Lamentavelmente, porém, ouve apenas o CIR e leva um relatório pré-elaborado.

Faço, pois, o meu protesto. Como Parlamentar - não estou nem me inserindo na condição de Senador por Roraima -, como Deputado que fui, lamento esse tipo de comportamento. Vou, a propósito, enviar um documento ao Presidente da Câmara, para que o fato seja melhor esclarecido, porque não posso compreender que tratem não só os índios, mas também toda a sociedade de Roraima, nesse caso, como se não existíssemos. E quem foi lá? Foram os Deputados, que vão denunciar o Governo brasileiro à OEA.

Sr. Presidente, diante desse fato que considero de suma gravidade, peço a transcrição nos Anais do Senado de matéria sobre o Deputado Alceste Almeida, publicada no jornal Folha de Boa Vista: ”Deputado diz que posição foi decidida um mês atrás”. Ou seja, um mês antes, esse pré-relatório ou relatório já estava preparado na Comissão de Direitos Humanos da Câmara.

O Governador de Roraima, por sua vez, no mesmo jornal, diz: “Deputados tinham idéia pronta e foram parciais”. Mais ainda, Sr. Presidente, o jornalista Joel Maduro publica um artigo no mesmo jornal, intitulado “Direitos Humanos ou missa encomendada?”

Sr. Presidente, penso que não é assim, dessa maneira, que vamos defender de maneira séria o direito das minorias. E é por isso que aqui tenho dito, reiteradamente, que o que se está fazendo em relação à questão indígena e à política indígena no Brasil é uma mistificação, em que se dá ênfase apenas à questão da demarcação de terras, numa proporção gigantesca, e se esquece o ser humano índio, inclusive ao ponto de nunca se ter nomeado um índio para Presidente da Funai.

Acredito que o Presidente que assumiu agora tem uma visão diferente, porque pensa inclusive em dar autonomia econômica e financeira às comunidades indígenas, para que possam efetivamente falar por si mesmas e não por procuradores sem procuração.

Encerro esta minha intervenção, Sr. Presidente, lendo uma reportagem publicada no jornal Brasil Norte, que tem o seguinte título: “Macuxi diz que índios querem estar inseridos no contexto do desenvolvimento sustentável”:

Os povos indígenas roraimenses fizeram, fazem e farão parte do contexto econômico e social do Estado. Essa frase foi dita ontem pelo antropólogo Orlando de Oliveira Justino, Secretário do Índio [titular da Secretaria do Índio de nosso Estado. Aliás, é um dos poucos Estados em que existe uma Secretaria do Índio, e que é dirigida por um índio. Um bom exemplo para a Funai], durante palestra no Savantec, em que iniciou saudando os presentes na sua língua materna da etnia macuxi. Sua explanação enfocou os desafios e oportunidades para desenvolver as Savanas do Norte da América do Sul. Expôs dados etnográficos em que mostra a ocupação das áreas de lavrados roraimenses.

Orlando Justino afirmou que, com exceção dos Ianomâmi, Waimiri Atroari e Wai-Wai, atualmente não existem mais etnias puras que habitam estes espaços, pois ocorreu uma miscigenação étnica onde pessoas de várias tribos cruzaram entre si e com outros povos. Citou, por exemplo, que na comunidade da Raposa, no Município de Normandia, existem não índios que casaram com mulheres índias. “Nesse contexto observa-se um campo multicultural com a predominância indígena”, enfatizou.

No âmbito da agricultura, principalmente a familiar, o macuxi retratou que hoje existe uma consciência coletiva - entendida como um desafio - que busca aproveitar os meios tecnológicos existentes e os recursos naturais para desenvolver as comunidades indígenas sem atropelar seus laços culturais, utilizando, por exemplo, as culturas tradicionais da mandioca, banana, urucum, caju, pimenta e manga. “Todas podem ser aproveitadas, inclusive por serem adaptáveis ao solo de lavrado”.

Piscicultura.

No setor da piscicultura, Orlando Justino [aqui esclareço que se trata de um índio que ocupa o cargo de Secretário do Índio do Estado de Roraima] enalteceu o aproveitamento de grandes lagos naturais e igarapés, que já estão servindo para a criação de peixes, usando a tecnologia de tanques-rede. A pecuária extensiva e tradicional também pode ser bem desenvolvida nos lavrados com a introdução de tecnologias e incremento de parcerias. Outro forte setor destacado pelo Secretário foi o ecoturismo, valorizando o artesanato, as belezas naturais e os sítios arqueológicos.

Portanto, Sr. Presidente, essa é a manifestação de um índio, de um líder, tanto que ocupa a Secretaria do Índio do Estado, e a manifestação das outras instituições que não foram ouvidas pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que, ouvindo apenas uma facção, resolve denunciar o País à Organização dos Estados Americanos, numa ação lesiva ao País e, pelos indícios que aqui temos, altamente despida da isenção e da seriedade que devem orientar quem realmente deseja defender os direitos humanos.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI, EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/10/2003 - Página 33789