Discurso durante a 149ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Resposta ao pronunciamento do Senador Arthur Virgílio de critica ao governo. (como Líder)

Autor
Aloizio Mercadante (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Aloizio Mercadante Oliva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. TELECOMUNICAÇÃO.:
  • Resposta ao pronunciamento do Senador Arthur Virgílio de critica ao governo. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 25/10/2003 - Página 33822
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • RESPOSTA, DISCURSO, AUTORIA, ARTHUR VIRGILIO, SENADOR, CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, REALIZAÇÃO, CORREÇÃO, TABELA, IMPOSTO DE RENDA, QUESTIONAMENTO, EXCESSO, VIAGEM, EXTERIOR, EXECUTIVO.
  • ESCLARECIMENTOS, IMPORTANCIA, VIAGEM, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REPRESENTAÇÃO, BRASIL, AMBITO INTERNACIONAL, NEGOCIAÇÃO, POLITICA EXTERNA, ESPECIFICAÇÃO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), COMPROMISSO, GOVERNO FEDERAL, REDUÇÃO, GASTOS PUBLICOS, COMENTARIO, DIFICULDADE, CORREÇÃO, TABELA, IMPOSTO DE RENDA, GARANTIA, BENEFICIO, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, ISENÇÃO, CESTA DE ALIMENTOS BASICOS, MEDICAMENTOS, CONSUMO, ENERGIA ELETRICA.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), POSIÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), INICIO, GESTÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXPECTATIVA, CRISE, POPULARIDADE, GOVERNO FEDERAL, POPULAÇÃO, REGISTRO, ERRO, DISCURSO, OPOSIÇÃO, AUSENCIA, REDUÇÃO, ACEITAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA.
  • LEITURA, TRECHO, ENTREVISTA, OTAVIO FRIAS FILHO, JORNALISTA, APREENSÃO, PROPOSTA, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), FINANCIAMENTO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, MOTIVO, POSSIBILIDADE, INTERVENÇÃO, GOVERNO FEDERAL, LIMITAÇÃO, LIBERDADE DE IMPRENSA.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, DIVULGAÇÃO, INFORMAÇÕES, CULTURA, SOCIEDADE, DEFESA, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), INVESTIMENTO, ATIVIDADE ESSENCIAL, REITERAÇÃO, POSIÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PRESERVAÇÃO, DEMOCRACIA, GARANTIA, LIBERDADE DE PENSAMENTO, LIBERDADE DE IMPRENSA.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP. Como Líder. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, vou-me inscrever também no horário da Liderança do PT, preventivamente. É a última. Assim, terminamos o debate hoje.

Primeiro, o Líder Arthur Virgílio discutiu, aqui da tribuna, Imposto de Renda e viagem para o exterior, criticando a não correção da tabela do Imposto de Renda e questionando o Governo pelos gastos exagerados em viagens ao exterior.

Em primeiro lugar, acho que não se deve falar de corda em casa de enforcado. O Presidente Fernando Henrique Cardoso passou um ano, dos seus quatro anos de governo, viajando para o exterior. É evidente que há gastos de viagem. Tivemos a negociação da OMC, recentemente; tivemos os Jogos Panamericanos e uma série de eventos que, de fato, oneram o Estado, mas são essenciais, do ponto de vista do processo de desenvolvimento do País. Se há algum erro específico, localizado, que se corrija, mas não vamos rebaixar a importância das viagens num mundo globalizado.

O esforço de redução de gastos do Governo é tanto que o Presidente foi ontem para a Espanha receber o prêmio no “sucatão”. O Presidente Fernando Henrique Cardoso viajava em grandes aviões, objeto de contratação legítima. O Presidente Lula está viajando no “sucatão”, para economizar recursos. Foi e voltou no mesmo dia, para economizar recursos, e para estar aqui presente. Cancelou a viagem à África do Sul, parceiro fundamental para o Brasil, em função das reformas.

Então, as viagens referem-se à representação da Nação. Penso que o Presidente Fernando Henrique Cardoso viajava, na maioria das vezes, para representar o Brasil, projetá-lo e estabelecer políticas internacionais. Não pode haver exageros, mas isso não vem ocorrendo neste Governo. As viagens, realmente, fazem parte de uma política internacional, num momento de grande desafio nacional, como foi reconstruir o Mercosul, tarefa fundamental. Está aí o Kirchner agora na Argentina, parceiro estratégico do Brasil em todas as frentes; a negociação da OMC, em que o Brasil liderou 22 países; a questão da Alca, que exige hoje esforço brutal da nossa diplomacia, para que o Brasil mantenha a sua independência, a liberdade de política de desenvolvimento, estabeleça relações comerciais que não prejudiquem a Nação.

Com relação à tabela de Imposto de Renda, Senador Arthur Virgilio, vi V. Exª, durante sete anos, tentar explicar o inexplicável - durante sete anos! Não são sete meses, mas sete anos explicando que não dava para corrigir a tabela de Imposto de Renda. Sete anos, Sr. Presidente! Quantas vezes eu vi o Líder explicando que não dava para corrigir!

Não temos nem um ano de Governo.

Qual é o problema do Imposto de Renda?

É o problema geral do Orçamento. V. Exª sabe disso. Temos a dívida pública, um esforço fiscal muito grande e a margem de manobra da política fiscal é pequena.

Onde o Governo está avançando na questão fiscal?

Está avançando na isenção dos alimentos da cesta básica, está avançando na isenção dos medicamentos, está avançando - inclusive conforme o relatório do Senador Romero Jucá - na isenção aos consumidores de energia de baixa renda. Esses itens, sim - alimentação, medicamentos e energia -, atingem a ampla maioria do povo brasileiro.

O Imposto de Renda, infelizmente, só atinge pouco mais de 5 milhões de pessoas. Apenas essa parcela muito pequena de pessoas pagam Imposto de Renda no Brasil, numa nação de 175 milhões de habitantes. É evidente que o Governo será sensível para corrigi-la, assim que for possível. O que não podemos é indexar a tabela do Imposto de Renda, porque, se vale para a pessoa física, vale para a pessoa jurídica. Se vale para a pessoa jurídica, traremos de volta a correção monetária de balanço e a indexação da economia, que, em boa hora, foram eliminadas lá atrás.

Dessa forma, creio estarmos dando bons benefícios aos assalariados, isentando os alimentos da cesta básica, os medicamentos e a energia. E vamos corrigir a tabela assim que for possível, eliminado também distorções - as deduções, por exemplo, são desequilibradas - e tomando outras providências.

O segundo comentário que eu gostaria de fazer é sobre o catastrofismo. Não foi só o mercado ou a crise de confiança no Presidente Lula. O problema é que o PSDB alimentou, junto com o PFL, o discurso catastrofista. É sobre isso que eu me reportava. E V. Exª também, quando se referiu à matéria do Rodolfo Lago, esse grande jornalista do Correio Braziliense. Ele diz:

Houve um tempo, no início do Governo, em que o PSDB apostou no caos. O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva meteria os pés pelas mãos. Pressionado pelo esquerdismo mais radical do PT, partiria para uma das duas coisas: ou sucumbiria às pressões e iniciaria uma profusão de gestos populistas, impraticáveis e irresponsáveis, ou se manteria o rumo mais conservador e ficaria rapidamente sem apoio de quem o elegeu. Em qualquer uma das hipóteses, perderia o rumo do País e embarcaria numa crise. No pior quadro, não chegaria ao final do mandato; no melhor, não conseguiria a reeleição.

Foi na crença desse cenário que o PSDB sacou rapidamente o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso e o colocou no comando da metralhadora por um momento. Se a expectativa quanto ao Governo Lula desmilingüisse, rápido como um sorvete ao sol, era importante manter fresco, na memória do eleitor, Fernando Henrique Cardoso. Ou seja, aquilo que ele tinha jogado fora.

            Então, ele menciona o Líder Arthur Virgílio:

O Líder do PSDB, o Senador Arthur Virgílio, é forçado a admitir que a aposta estava errada. A última pesquisa Census revela uma queda de popularidade de Lula, mas o fato é que essa popularidade é muito alta, no atual cenário. É muito difícil que Lula não venha a ser reeleito Presidente da República.

E diz ainda:

É difícil fazer oposição com esse horizonte catastrofista. É por isso que o PSDB vê, por um lado, minguarem seus quadros e, por outro, começa a perceber a necessidade de reciclar o seu discurso.

Sei que essa é a opinião do jornalista e que a menção ao Senador Arthur Virgílio é localizada, mas considero correto esse debate. Vamos falar com franqueza: foi equivocada, na campanha, a tese catastrofista, e é equivocado caminharmos nessa direção.

Como todo Governo, o atual tem problemas, que têm que ser apontados pela Oposição - é justo que o sejam - e devem ser corrigidos. Há erros, que têm que ser assumidos e superados, e há um caminho, mas com restrições e dificuldades - dificuldades estruturais, das finanças do Estado, da fragilidade das contas externas.

Infelizmente, sobretudo a primeira fase do Governo anterior contribuiu decisivamente para esse quadro, que estamos superando com uma política que tem um custo econômico-social, mas que está trazendo resultados muito rápidos: redução do risco-país, retomada do financiamento, melhora do perfil da dívida pública. O Governo também tomou cinco decisões seguidas para reduzir a taxa de juros básica do País, reduziu spreads, criou programas de financiamento à agricultura familiar, programas de financiamento à pequena economia, o Banco do Povo, programas de primeiro emprego - para trazer o jovem para o emprego -, unificou políticas sociais, como a bolsa-alimentação. Está havendo um conjunto de esforços na direção da retomada do crescimento com inclusão social.

Sr. Presidente, para concluir, quero me reportar ao tema central da nossa discussão: o papel da imprensa - volto a insistir. Vou ler a pergunta feita a esse grande jornalista, por quem tenho um carinho todo especial, o Sr. Otávio Frias Filho:

-- Como o senhor vê a discussão sobre um socorro especial para a mídia por meio de um empréstimo concedido pelo BNDS?

-- Eu tenho receio. Eu tenho um receio muito grande. Isso tende a interferir. Para falar claramente (pausa; olhar perdido), nem sei se deveria dizer isto - responde o Sr. Otávio Frias Filho. (Olha no olho do repórter e fala firme.) Em todo o caso, vou arriscar. O que interessa ao Governo é a mídia de joelhos. Não uma mídia morta. Uma mídia independente não interessa a Governo nenhum. Dentro desse princípio, é difícil ver essa questão do BNDES, pois, se todo o empresariado está endividado... Nunca vi uma situação tão difícil em toda a minha vida e estou com apenas 91 anos. Nunca vi uma situação igual, mas nós vamos sair dela.

Ele está dizendo da relação entre a mídia e o Estado, de forma ampla. Ele não se refere aqui a nenhuma atitude de constrangimento da liberdade de imprensa por parte deste Governo - nenhuma, porque não há. Nunca se ouviu o Presidente Lula questionar a liberdade de imprensa. Não há e não haverá, jamais, por parte deste Governo, qualquer ato de censura, de constrangimento ou de inibição à liberdade da Oposição e à liberdade de imprensa. Não há. E aí o Senador Arthur Virgílio diz - e o Senador Antero Paes de Barros, com muita transparência, também diz: “Concordo com a tese do Líder Aloizio Mercadante de que o BNDES deve, sim, refinanciar a imprensa brasileira.”

Quanto a esse tema, é importante o receio de Otávio Frias: a mídia não pode estar atrelada ao Estado. O jornalista traz uma discussão fundamental à democracia, mas um homem como ele, uma organização como a Globo, como o Estado de S.Paulo, como a Abril vão se render a um financiamento público do ponto de vista de um projeto territorial e da liberdade de imprensa? Não acredito jamais!

Dou um exemplo claro: o Governo acabou de financiar o grupo Pão de Açúcar. Bresser Pereira é um alto executivo do grupo. No dia seguinte, o executivo Bresser Pereira, filiado ao PSDB, que foi Ministro, coordenador de campanha, critica o Governo Lula, que foi duramente criticado por alguns intelectuais como o professor Otaviano, por quem tenho imenso respeito, em um debate absolutamente legítimo e democrático. Acabei de citar também Antonio Ermírio, que teve uma série de financiamentos do BNDES. O BNDES é um banco público, que deve, sim, financiar setores estratégicos da economia, sobretudo a mídia brasileira, para que saia dessa situação. Como podemos aceitar uma instituição como a Globo estar em default antes da posse deste Governo? Será que o País pode ter uma mídia moderna, independente, atuante sem a Globo, com esse padrão de qualidade televisiva, com o que ela representa na imprensa brasileira? Não pode!

Então, o Estado brasileiro deve ajudar a repactuar e financiar dívidas desses setores! Deve também fazer uma política econômica que permita a eles financiarem-se internacionalmente, como está acontecendo. As empresas terão que fazer ajustes? Sim, como todos os outros setores, mas esse refinanciamento jamais vai interferir na liberdade de imprensa.

Quero terminar, Sr. Presidente, dizendo o seguinte: participei da fundação do meu Partido, e somos uma geração que veio para a militância política para lutar contra a ditadura, contra a censura, contra a tortura. Faço parte de uma geração que ouviu os gritos nos porões da ditadura militar! Faço parte de uma geração que teve que lamber ferida de vários companheiros que saíram da cadeia totalmente destroçados pela tortura! Como aqui citou o Senador Antero Paes de Barros, eu parei a USP quando era estudante e presidente do Centro Acadêmico! Fundei o DCE da USP exatamente quando mataram Alexandre Vanucchi Leme - que é o nome do DCE da USP - e Vladimir Herzog.

Fizemos a primeira greve da universidade e um ato público, que foi cercado pela polícia na época, para dizer “basta de tortura”. E conseguimos rever o tema e abrimos uma crise no regime militar!

Então, faço parte da geração que lutou pela liberdade de expressão, pelo direito de liberdade de opinião, geração essa que tinha que esconder o que ia ler, porque não podia ser publicado. As reuniões para se discutir o Brasil e suas políticas públicas tinham que ser clandestinas. Eu lia jornais que tinham bulas de receitas, porque as pessoas não podiam ter acesso à informação!

Tenho certeza de que, por tudo o que o Brasil passou na ditadura, esse tempo não voltará. Estaremos sempre alertas e vigilantes. A sociedade civil brasileira, a imprensa brasileira, os meios de comunicação têm o compromisso definitivo e inegociável com a democracia.

E não há democracia sem Parlamento livre, aberto, sem liberdade partidária, sem direito de votar e ser eleito e sem liberdade de imprensa, a mais ampla liberdade de imprensa!

Prefiro todo dia subir nesta tribuna para responder a um jornal que considero tenha sido injusto em relação ao meu Governo, ao meu mandato, a esta Instituição do que não ter a crítica para poder fazer o debate político.

Por isso, assim como V. Exª, em particular, e muitos companheiros do PSDB, que vêm dessa luta democrática, tenho certeza de que sempre estaremos atentos. E quando V. Exª diz que concorda com a minha opinião sobre o papel do BNDES, V. Exª discorda da tese de Otávio Frias, talvez com a advertência e a preocupação que todos temos - e ele também - de como se fazer isso sem interferir e prejudicar a liberdade de imprensa. Mas não vejo como a imprensa, que já conquistou esse espaço no Brasil, e um governo que tem um compromisso inegociável, um princípio fundamental ético da atitude, que é o compromisso democrático, possa prejudicar este ou o próximo governo.

A mídia não se curvará de joelhos ao Governo e ao Estado, e o Governo também não se curvará à mídia. Temos que fazer o debate com franqueza, transparência e respeito mútuo. E é por isso que digo que devemos financiar a mídia com os recursos do BNDES. Eu abriria mais um caminho - tenho dito isso há muito tempo -, o financiamento dos fundos de pensão.

Não vamos enveredar pela desnacionalização da mídia, porque isso prejudicará a liberdade e a independência do Brasil. Se o Brasil quer uma imprensa atuante e moderna, quer assistir na televisão às novelas, a um jogo de futebol, quer ver a nossa cultura valorizada - 20% das bilheterias do cinema este ano são filmes nacionais -, se quer ter auto-estima, quer o debate político com transparência, como está vendo hoje na TV Senado, nos meios de comunicação de massa, vamos preservar a mídia brasileira, vamos ajudá-la a sair da crise financeira em que se encontra. Mas há uma pré-condição inegociável para este governo, para este Senado - tenho certeza - e para a própria mídia: a sua mais absoluta e integral liberdade de expressão.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/10/2003 - Página 33822