Discurso durante a 152ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Cautela ao início de revitalização da economia brasileira. Necessidade de capitalização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES. Posicionamento contrário ao contigenciamento de recursos para o setor de ciência e tecnologia.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO. POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Cautela ao início de revitalização da economia brasileira. Necessidade de capitalização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES. Posicionamento contrário ao contigenciamento de recursos para o setor de ciência e tecnologia.
Publicação
Publicação no DSF de 31/10/2003 - Página 34376
Assunto
Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO. POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • ANALISE, PROCESSO, RECUPERAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, NECESSIDADE, REDUÇÃO, SUPERAVIT, EXERCICIO FINANCEIRO SEGUINTE, DEFESA, REFORÇO, CAPITALIZAÇÃO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), EXTINÇÃO, PROIBIÇÃO, FINANCIAMENTO, SETOR PUBLICO, BENEFICIO, INFRAESTRUTURA, DESENVOLVIMENTO, ATRAÇÃO, INVESTIMENTO, INICIATIVA PRIVADA.
  • DEFESA, REFORÇO, SETOR, CIENCIA E TECNOLOGIA, MELHORIA, COMPETIÇÃO INDUSTRIAL, EXPORTAÇÃO, PRODUTIVIDADE, AGROPECUARIA, MEDICAMENTOS, ATENDIMENTO, DEMANDA, MERCADO INTERNO.
  • OPOSIÇÃO, CORTE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, CIENCIA E TECNOLOGIA, EDUCAÇÃO, SAUDE.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos quase ao fim deste ano de 2003, quando se percebem os primeiros indícios de um processo de revitalização da nossa economia, o que é muito auspicioso. Mas esse início de recuperação deve também ser encarado com cautela, sem otimismo exagerado. A verdade é que todo período de fim de ano costuma produzir essa movimentação econômica que aparece como sintoma de recuperação e de revitalização, mas tem uma duração relativamente curta, não tem aquela força do empuxo necessário à produção de um círculo de expansão, que é o que todos os brasileiros estão desejando. Se não insistirmos no acionamento de algumas alavancas de grande intensidade e efeito sobre a economia, esse movimento tenderá a se perder como muitos outros no País. No ano que vem ainda teremos, lamentavelmente, que manter esse superávit fiscal primário de 4,25% do PIB, porque está na LDO, está na Lei Orçamentária e constitui um compromisso do Governo com a sociedade brasileira e com os organismos internacionais. Mas é preciso, a partir dos anos seguintes, 2005, 2006, começarmos a reduzir esse superávit, porque a sua manutenção conduz a uma estagnação ou a taxas muito pequenas de crescimento. Um superávit dessa magnitude constitui uma esterilização enorme de parcela substancial dos investimentos públicos que produziriam geração de renda e de emprego e que ficam esterilizados ou vão para as mãos dos rentistas, dos banqueiros, dos capitalistas em geral do País, não produzindo o efeito econômico desejado.

Portanto, é preciso ter essa cautela, ter em vista que esse superávit tem que ser reduzido a partir dos próximos anos, e acionar algumas alavancas essenciais para se obter a grande recuperação da economia brasileira, estagnada há um quarto de século. Há 25 anos o Brasil não cresce, daí a produção de todos esses efeitos colaterais que constituem uma espécie de dilaceramento, de um esgarçamento da sociedade brasileira, que vai se manifestando sob múltiplos aspectos.

A primeira e essencial alavanca desse processo de revitalização é o BNDES; é a grande agência promotora de desenvolvimento; foi no passado, é no presente e será no futuro, desde que convenientemente utilizado e acionado. Não o BNDES dos últimos anos, que se transformou numa agência de privatização e em operações que constituíram verdadeiros escândalos. O Senador Ramez Tebet tem toda a razão, o BNDES foi literalmente saqueado, essa é a verdade. Tenho conhecimento de atitudes, de iniciativas do Banco, da diretoria do Banco em levar ao Ministério Público determinadas operações que constituíram grandes saques sobre o patrimônio do BNDES, que precisa, por conseguinte, ser recuperado através da capitalização.

É importante que o BNDES recupere a sua possibilidade de financiar investimento público; o órgão está proibido de financiar o setor público. Isso é o absurdo dos absurdos! O BNDES foi criado exatamente para financiar a base da economia, a sua infra-estrutura, o que exige investimentos públicos de grande porte, de grande dimensão, para o que só o BNDES possui capacidade. O BNDES é proibido de financiar órgão estatal, Governo Federal, Governos Estaduais e Municipais; isso é uma tranca inadmissível sobre a ação desse Banco, dessa alavanca primordial. Então é preciso liberar o BNDES para financiar investimentos públicos e capitalizá-lo; é preciso encontrar a fórmula adequada e melhor para o Banco, que tem dinheiro em caixa; o Banco tem dinheiro em caixa e não pode repassá-lo para empresas e entidades que têm projetos aprovados, porque ele descumpriria a relação internacional de Basiléia, que regulamenta o exercício da função bancária. Não é falta de recursos de caixa; é falta exatamente da relação entre comprometimentos, porque o BNDES teve que colocar em reserva uma série de ressarcimentos duvidosos feitos no passado e que estão prejudicando a sua correlação de índices, que tem que ser mantida para segurança de todo o sistema bancário, como regra internacional de Basiléia. É preciso capitalizar o Banco e liberá-lo para financiar investimentos públicos, infra-estrutura. É preciso acionar o Banco, como outras empresas estatais, a Petrobras e a Eletrobrás; é preciso dar ensejo a que essas grandes alavancas promotoras principais de desenvolvimento no passado possam exercer plenamente a sua capacidade de elevar o nível de atividade econômica, gerar empregos e induzir os investimentos privados. Na medida em que os investimentos públicos se realizam, isso é o grande sinal, maior do que qualquer pronunciamento do Ministro na televisão para o público em geral, para os empresários, dizendo que podem investir, que a situação está sob controle.

O investimento privado fica atento à sinalização do próprio setor público. Essa é uma regra da cultura empresarial brasileira e do mundo inteiro; os grandes promotores do investimento, de modo geral, são os respectivos governos, que exercem o papel desenvolvimentista. Se o desenvolvimento não é necessário, claro que o governo pode ficar numa posição neutra e deixar que o mercado funcione livremente. Todavia, espontaneamente, mercado não produz desenvolvimento; o que produz desenvolvimento, dinamização e vitalização da economia é investimento público, são as decisões de governo, são os sinais que o governo emite ao setor privado, induzindo-o a investir e contribuir, colaborar com a sua presença e com a sua vitalidade para o crescimento da economia.

É preciso acionar essas alavancas, que podem suscitar uma resposta a curto prazo, já a partir do ano que vem, apesar do superávit primário que ainda será mantido e que representa um fator de estancamento terrível. Ainda assim, será possível obter um crescimento modesto de 3% ou 3,5%, mas suficiente para produzir uma oxigenação na economia. Uma vez reduzido o superávit a partir dos anos seguintes, poderemos voltar a obter aqueles índices de crescimento de 5%, 6%, 7%, que caracterizaram o período de prosperidade, os 30 anos de progresso que o Brasil teve dos anos 50 ao fim dos anos 70.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, outro fator essencial de produção, de desenvolvimento, de progresso e também de equalização social é o estímulo e o reforço ao setor de ciência e tecnologia. Esse é um fator capaz de produzir, em prazo não tão imediato, mas em um prazo médio de dois, três ou quatro anos, resultados substanciais, com um salto na produção, quantitativo e qualitativo, não só da economia brasileira, mas da sociedade brasileira. Porque é por meio do desenvolvimento científico e tecnológico que surgirão as soluções brasileiras para os problemas do povo brasileiro.

Ciência e tecnologia não se aplica tão-somente na produção de bens e serviços exportáveis, bens e serviços competitivos no mercado internacional, para liberar as divisas, produzir divisas para o País. Isso também será um efeito do desenvolvimento científico e tecnológico - e um efeito importante, na medida em que a nossa vulnerabilidade externa continua muito elevada, e é preciso produzir exportação. Então, por meio do desenvolvimento de novos produtos, do desenvolvimento científico e tecnológico, produzindo bens de melhor qualidade e com produtividade maior, é claro que a ciência e a tecnologia ajudarão muito o balanço de pagamentos do Brasil; inclusive substituindo importações de eletro-eletrônicos, por exemplo, substituindo a importação de fármacos, que pesam muito no balanço de pagamento.

Ciência e tecnologia são capazes de produzir também a melhoria, o aumento de produtividade, como vem produzindo a agricultura brasileira. Todo esse salto da economia agrícola e pecuária brasileiras é fruto de desenvolvimento tecnológico da Embrapa.

Assim também ocorre com a produção de fármacos e de vacinas pela Fundação Oswaldo Cruz - a Fiocruz está galgando patamares antes impensáveis para o Brasil, com tecnologias avançadíssimas, capazes de produzir receitas de exportação, mas capazes de produzir também remédios para o povo brasileiro a custo baixíssimo, ou a custo zero, na rede de hospitais públicos do País.

Então, ciência e tecnologia virão em atendimento às necessidades fundamentais do povo brasileiro, para produzir melhores soluções de geração de energia, de transporte público, de construção habitacional, múltiplos fatores capazes de produzir avanços palpáveis para o povo, além de levar o País a produzir economias de importação e de exportação em setores mais avançados, como, por exemplo, o setor aeroespacial, o setor nuclear, na produção energética e uma variedade enorme de setores produtivos que podem ser acionados com mais dinamismo e com mais qualidade pelo nosso desenvolvimento científico e tecnológico.

O Presidente Lula assumiu compromisso de elevar as aplicações em ciência e tecnologia a 2% do PIB. Ainda estamos muito longe disso, num patamar de 1% do PIB, o que já seria uma aplicação substancial não fossem os contingenciamentos que, infelizmente, têm atingido a área de ciência e tecnologia.

É preciso, Sr. Presidente, que isso não venha a se repetir. Ciência e tecnologia têm que estar livres de contingenciamentos, assim como a educação e a saúde, porque é um setor absolutamente estratégico, essencial, capaz de exatamente - como eu disse - produzir o grande salto de qualidade e em prazo mais curto até do que a educação. A educação também produz salto de qualidade, mas em um período de tempo muito maior do que a ciência e tecnologia. Os efeitos da melhoria dos investimentos em educação se fazem sentir em prazos superiores a cinco e dez anos, ao passo que em ciência e tecnologia em prazos mais curtos podem produzir efeitos.

Não estou querendo fazer nenhuma comparação de eficácia entre os setores de ciência e tecnologia e educação, porque isso seria absurdo. Essas comparações são inteiramente absurdas. O que pretendo afirmar é que aplicações em ciência e tecnologia são tão importantes quanto as aplicações em educação e saúde, e, por conseguinte, não podem estar sujeitas a processos de contingenciamento. São economias suicidas que se fazem sobre o processo de desenvolvimento brasileiro. São falsas economias, na medida em que cortam a possibilidade de produção desse grande salto qualitativo e quantitativo que a sociedade brasileira pode produzir em seu próprio benefício.

Sr. Presidente, hoje ao meio-dia, haverá aqui no Senado o lançamento da Frente Interpartidária em prol da Cultura, que vai reivindicar que o setor de cultura não seja atingido por contingenciamento. Também sou a favor disso, mas quero ressaltar que ciência e tecnologia é um setor essencial e não pode estar sujeito a economias que acabam funcionando ao contrário: em vez de trazerem benefícios, trarão grandes prejuízos em prazo médio e longo para a economia e para a sociedade brasileiras.

Eram essas as considerações que eu queria fazer hoje, Sr. Presidente, ressaltando que não se pode ter um otimismo exagerado com os indícios de revitalização da nossa economia que estão aparecendo neste final de ano. O que se tem que fazer é acionar as alavancas desenvolvimentistas que existem nos investimentos públicos, no BNDES, no setor de ciência e tecnologia, e confiar - é preciso confiar na ciência e tecnologia - que investimentos nesse setor produzirão certamente resultados espantosos para nós, brasileiros, que tendemos a desconfiar da capacidade de produzir avanços científicos e tecnológicos na nossa sociedade. Entretanto essa capacidade existe comprovadamente e hoje, mais do que nunca, está posta a toda prova.

Era isso, Sr. Presidente, que eu pretendia dizer, agradecendo a paciência de V. Exª.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/10/2003 - Página 34376