Discurso durante a 152ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Transcurso, no último dia 23 de outubro, do sesquicentenário do historiador cearense João Capistrano de Abreu.

Autor
Patrícia Saboya (PPS - CIDADANIA/CE)
Nome completo: Patrícia Lúcia Saboya Ferreira Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Transcurso, no último dia 23 de outubro, do sesquicentenário do historiador cearense João Capistrano de Abreu.
Publicação
Publicação no DSF de 31/10/2003 - Página 34503
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, SESQUICENTENARIO, NASCIMENTO, JOÃO CAPISTRANO DE ABREU, HISTORIADOR, ESTADO DO CEARA (CE), REGISTRO, BIOGRAFIA, ELOGIO, ATUAÇÃO.

            A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (PPS - CE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, transcorreu, no último dia 23 de outubro, o sesquicentenário daquele que foi reverenciado, ainda em vida, como um dos maiores historiadores brasileiros, o cearense João Capistrano de Abreu. O reconhecimento da capacidade de trabalho desse grande professor e pesquisador, autor de obras consideradas, ainda hoje, fundamentais para o entendimento do que é o Brasil, é o menor tributo que lhe concederam as gerações de estudiosos que o sucederam.

Nascido em Maranguape, teve educação atribulada. Apesar da capacidade intelectual, cometeu atos de rebeldia que lhe valeram, na adolescência, a expulsão do Seminário Episcopal de Fortaleza e constante mudanças de escola, para desespero do rígido pai.

Jamais recebeu educação superior. Tudo o que sabia foi resultado da grande avidez intelectual, aliada a uma independência de pensamento típica dos autodidatas. Sempre condenou a “aprendizagem de cabra cega”, como dizia, que tentaram lhe impor na escola. Mas, como nos lembra outro grande gênio da historiografia nacional, o Professor José Honório Rodrigues, “que contemporâneo jamais percebeu isto? A surpresa estava em saber que ele não tivera uma direção superior, que ele mesmo dirigira seu caminho, tão bem que ninguém se apercebia.”

Mudando para o Rio de Janeiro em 1875, aos 22 anos, incitado pelo amigo José de Alencar, passou a lecionar, no ano seguinte, no Colégio Aquino, onde teve discípulos destacados, como os poetas Olavo Bilac e Raimundo Correa e o político e magistrado Sebastião Lacerda. Devorava livros e procurava aprender tudo o que lhe quisessem ensinar, passando a substituir quase todos os colegas professores.

Em 1879, foi aprovado em primeiro lugar no concurso para oficial da Biblioteca Nacional, passando a ter contato direto com as principais fontes da história brasileira disponíveis na época. Ali desenvolveu importante aprendizagem metodológica sobre crítica documental, o que lhe permitiu publicar, ao longo da vida, edições comentadas de fontes, várias delas inéditas, desconhecidas, ou dadas como perdidas.

Em 1883, disputou uma cadeira de professor de História no prestigioso Colégio Pedro II, preparando sua tese intitulada Descobrimento do Brasil e seu desenvolvimento no século XVI [dezesseis], considerada um clássico da historiografia nacional, em apenas 40 dias. Na defesa, consta que superou de forma humilhante os conhecimentos da banca encarregada do exame.

Esse trabalho, que continha uma extensiva análise documental inédita nos meios acadêmicos, demonstrava que, aos 29 anos de idade, Capistrano de Abreu já era o principal historiador brasileiro, ultrapassando a importância de Varnhagen, o Visconde de Porto Seguro, considerado fundador dos estudos históricos em nosso País.

A posição de destaque no Colégio Pedro II, adicionada a sua lendária capacidade de trabalho, permitiu a Capistrano tornar-se o principal intelectual no final do Império e primórdios da República.

A história produzida pelo incansável polímata foi inovadora para a sua época. No lugar das batalhas e das sucessões intermináveis de vice-reis, Capistrano construiu uma história rica de aspectos sociais, econômicos, geográficos, psicológicos e culturais. Ao invés dos governantes e aristocratas, valorizou o elemento comum, o brasileiro anônimo responsável pelo povoamento e pela expansão das fronteiras internas do País. Buscava não apenas o fato, mas o espírito do fato, a motivação, a emoção sentida, o pensamento dos que lutaram, trabalharam e viveram. Queria recompor a história de “um povo durante três séculos capado e recapado, sangrando e ressangrando”, como dizia.

Suas principais obras, Capítulos de História Colonial e Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil, além de sua tese professoral, refletem isso. São vibrantes, inovadoras, inéditas, centradas no drama humano. Amava, admirava e esperava muito do Brasil como Nação.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, João Capistrano de Abreu é um nome a ser permanentemente lembrado, mesmo que seja pelo folclore da proposta de Constituição Federal atribuída a ele, ainda hoje atual. Só tinha dois artigos: o que determinava que todo brasileiro tinha que ter vergonha na cara e o que revogava as disposições em contrário. Sua morte em 1927, depois de uma vida exemplar nos aspectos intelectual, público e pessoal, privou nosso País do “mais caboclo dos nossos historiadores”, nos dizeres de José Honório Rodrigues, autor, também, das palavras que encerram essa homenagem.

“Em nenhuma estante brasileira, do professor, do estudante, do estudioso, dos responsáveis pelos negócios públicos, dos patriotas, devem faltar estas obras de Capistrano de Abreu [...] Não houve doutrina, ideologia, alemã, francesa, inglesa, americana, oriental ou judaica, fosse o que fosse, servisse ou não como instrumento de pesquisa e orientação, que desviasse da visão nacional, que tirasse seus pés dos chãos desta terra, desvirasse sua cabeça das inspirações dos nossos maiores ou arrancasse seu coração dos sentimentos da nossa gente.”

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/10/2003 - Página 34503