Discurso durante a 153ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a legislação tributária referente ao imposto de renda.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • Considerações sobre a legislação tributária referente ao imposto de renda.
Aparteantes
Antero Paes de Barros, Mão Santa, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 01/11/2003 - Página 34656
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • ANALISE, DADOS, AUMENTO, TRIBUTAÇÃO, FINANCIAMENTO, ESTADO, FALTA, VALORIZAÇÃO, CIDADANIA, INCLUSÃO, SOCIEDADE, ESPECIFICAÇÃO, INCIDENCIA, POPULAÇÃO CARENTE, CLASSE MEDIA, DENUNCIA, AUSENCIA, REAJUSTE, TABELA, DEDUÇÃO, FAIXA, RENDIMENTO, IMPOSTO DE RENDA, EFEITO, CONFISCO, RENDA, TRABALHADOR, INJUSTIÇA, CONCENTRAÇÃO DE RENDA.
  • NECESSIDADE, ATUAÇÃO, CONGRESSISTA, TRANSFORMAÇÃO, MODELO, SISTEMA TRIBUTARIO NACIONAL, BUSCA, JUSTIÇA SOCIAL, CORREÇÃO, DESEQUILIBRIO, TRIBUTAÇÃO.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Sr. Presidente, foi uma causa nobre homenagear os amigos da minha região. Sou de Roraima também e sofro as mesmas conseqüências de falta de investimento e de isolamento.

O Brasil é um país complexo. Colonizado por um processo senhorial, de ótica extrativista, não civilizatória, o povo sempre foi visto pelas elites econômicas e sociais e boa parte da intelectualidade como um mal necessário para que as tarefas ditas menos nobres pudessem ser feitas, sem que ficasse ameaçada a perpetuidade do domínio dos poderosos.

Com o crescimento populacional, o desenvolvimento tecnológico, a simplificação do acesso a bens e serviços, com a necessidade do Estado de arrecadar cada vez mais para prover-se de recursos para seus gastos, maximizou-se a necessidade de aumento de arrecadação do Tesouro Nacional. E, assim, o Estado brasileiro foi, gradativa e inexoravelmente, aumentando a sua carga tributária em cima dos cidadãos, pessoas físicas ou jurídicas, que estavam a seu alcance para fácil taxação. Isso, todavia, nunca se refletiu numa verdadeira política de valorização da cidadania e de inclusão na sociedade. A demonstração cabal dessa realidade é que a tributação nacional subiu de vinte e poucos por cento para quase 35% do PIB, em cerca de uma década, nos anos 90 recém-terminados.

Ora, os governos que se têm sucedido não têm tido qualquer complacência com a população, principalmente as classes média e pobre, tirando-lhes tudo que é possível via impostos e taxas. Uma das maiores fontes de arrecadação é o Imposto de Renda, cuja tabela não tem sido reajustada como deveria nos últimos anos. Para culminar, o Governo prorrogou a permanência da alíquota de 27,5% de desconto de Imposto de Renda para o ano de 2004. E, como sempre, quem paga é o cidadão comum, que não tem como se defender.

Em vez de aumentar a renda nacional e, em conseqüência a base de arrecadação de tributos e contribuições, os governos preferem extrair mais e mais dos mesmos bolsos dos quais sempre tiraram. Para se ter uma idéia, o teto mensal de isenção de desconto na fonte passou de R$900,00, em 1º de janeiro de 1996, para R$1.058,00, válidos para este ano, ou seja, reajuste de 17,6% em oito anos enquanto que a moeda se desvalorizou, no mesmo período, mais de 60%. Tal diferença traduz um real confisco de renda dos trabalhadores pelo Governo Federal ao provocar o aumento do desconto do Imposto de Renda, seja pela inclusão de novos contribuintes, cuja renda ultrapassou o teto de isenção, seja pelo aumento dos descontos dos que já contribuíam.

Ora, rendas que foram corrigidas apenas por índice de inflação, com o fito de recompor o poder aquisitivo, são diminuídas nesse mesmo poder pelo aumento do imposto que lhes é descontado. Tal prática configura, de modo inequívoco, um espúrio confisco de renda.

Sr. Presidente Siqueira Campos, corrigir a tabela de faixas de rendimentos para efeito do Imposto de Renda é um dever do Estado. Não fazê-lo constitui um esbulho contra a cidadania. Sobretudo porque essa sobretaxação incide justamente sobre rendimentos mais baixos, provocando, como efeito colateral extremamente pernicioso, o aumento da concentração de renda no Brasil, fenômeno já extremamente acirrado em nosso Pais e que tem crescido sobremodo nos últimos anos.

A situação se torna mais gritantemente injusta quando se constata que a mesma estagnação de valores de descontos na fonte se reproduz na declaração anual de ajuste, agravada pelo fato de que gastos anteriormente contemplados como abatimentos possíveis na renda bruta do declarante, ou não mais são considerados, ou tiveram os seus valores fortemente reduzidos. A conseqüência direta é que, mesmo uma pessoa que não tenha tido a sua renda aumentada em um centavo que seja de um ano para o seguinte, terá maior imposto a pagar no outro ano. Mais uma vez, o Estado está-se apropriando de modo indevido do rendimento do trabalho honesto dos cidadãos.

Com a falta de correção da tabela e das deduções, cerca de seis milhões de trabalhadores que deveriam estar na faixa de isenção pelas regras válidas em 1996 e que foram mantidas até hoje transformaram-se em contribuintes, de acordo com a Unafisco, a associação dos fiscais da Receita Federal. Outros seis milhões de trabalhadores tiveram a sua carga aumentada, uns em até 200%. Será preciso alinhavar mais argumentos e dados para demonstrar e convencer que o Estado brasileiro se transformou num explorador do contribuinte? Se for preciso, posso também dizer que a Unafisco Sindical, entidade representativa dos auditores fiscais da Receita Federal, estima que o Governo arrecadou a mais R$1,3 bilhão em 1997, R$1,8 em 1998, R$ 2,5 em 1999, R$3,6 em 2000 e R$5,3 bilhões em 2001, por conta da decisão de não permitir a correção da tabela do Imposto de Renda. No total, o Leão abocanhou, no período de 1997 a 2001, R$14,5 bilhões a mais do que a carga estipulada pela Lei 9.250, de 1995 para 1996. Entende-se agora porque interessa tanto aos governos manter a tabela inalterada. Esses R$14 bilhões foi dinheiro dos trabalhadores que passou para o Governo. Não foi dinheiro de empresa e de banco, mas de trabalhador assalariado, que é descontado diretamente na sua fonte.

Tal estado de coisas colide com diversos princípios constitucionais, sobretudo os tributários da igualdade (art. 150, II), da capacidade contributiva (art. 145, §1º), da vedação do confisco (art. 150, IV) e da estrita legalidade (art. 150, I).

Sr. Presidente, Srs. Senadores Mão Santa e Ramez Tebet, tenho a plena convicção de que chegou ao fim o tempo em que o Estado podia decidir unilateralmente o que fazer para arrecadar dinheiro para se financiar. Chegou o momento em que a sociedade brasileira e nós, Parlamentares, seus representantes, devemos reivindicar a participação ativa nas escolhas sobre o modelo tributário que devemos ter no Brasil.

Estamos diante da decisão mais óbvia que a nossa história de construção de uma Nação jamais nos colocou: ou transformamos o Brasil numa Nação de cidadãos iguais na letra da lei e na prática da vida, ou afundaremos quase 200 milhões de pessoas no lodo do subdesenvolvimento, da crise social, do atraso e da miséria endêmica.

A criminalidade, que hoje vemos como um problema, se tornará a controladora da sociedade, como temos visto acontecer em áreas do Rio de Janeiro, São Paulo e outras capitais. A injustiça social se encarregará de destruir o tecido social nacional e colocar em confronto os brasileiros entre si.

Concedo o aparte ao Senador Ramez Tebet, com muita honra.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Augusto Botelho, V. Exª não está reclamando só uma legislação mais adequada para o Imposto de Renda, para mais justiça na aplicação desses recursos. A abordagem de V. Exª é mais ampla, tem um profundo conteúdo social. V. Exª está analisando que, realmente, a permanecerem a crise econômica, a criminalidade, a desigualdade e o índice de injustiça social que existe neste País, ficaremos de mãos atadas. V. Exª afirma, de maneira categórica, que está na hora. Ninguém mais pode tomar decisões unilateralmente. O que temos visto em matéria de legislação tributária inerente ao Imposto de Renda? É que a Receita Federal, a cada hora, manobra a seu bel-prazer. A alíquota máxima de 27,5% continua aí. Somente com duas alíquotas de Imposto de Renda vamos atender às diversidades econômicas que existem no País? Positivamente, V. Exª tem razão. Parabenizo-o pelo seu pronunciamento na defesa dos interesses da sociedade brasileira, Senador Augusto Botelho.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Agradeço o aparte do nobre Senador Ramez Tebet e o incorporo às minhas palavras.

Concedo o aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Augusto Botelho, congratulo-me com V. Exª. Todos nós admiramos o seu saber nas Ciências da Saúde. Agora, V. Exª mostra alta sensibilidade em matéria tributária. Entendemos que a reforma, principalmente no que se refere ao Imposto de Renda, é uma oportunidade de se obedecer à Constituição, diminuindo-se as desigualdades. Apesar de ser este País muito rico, ele é muito injusto: quase todos são muito, muito pobres, e poucos são muito ricos. Bastaria os que fazem a economia estudarem o professor de Economia e filósofo italiano - a Itália tem o saber, fizeram o Renascimento, inventaram a pólvora, a bússola, a imprensa - Vilfredo Pareto, que incutiu no mundo europeu a idéia de fazer reformas, baseando-se no seguinte: 20% de qualquer instituição, principalmente as financeiras, produzem 80% das riquezas. Então, deve-se estar atento, cobrar imposto dos 20% mais ricos deste País, o que já garante 80% da arrecadação e alivia a grande massa, que são aqueles que estão precisando subsistir.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª e o incorporo ao meu discurso.

Com prazer, concedo um aparte ao Senador Antero Paes de Barros, que está lutando para resgatar bilhões de dólares drenados deste País.

O Sr. Antero Paes de Barros (PSDB - MT) - Cumprimento V. Exª pela oportunidade do pronunciamento. Peço o apoio de V. Exª para a correção do Imposto de Renda, que visa evitar a continuidade de uma injustiça com a classe média brasileira, fortalecer ou pelo menos minimizar o sofrimento de uma grande parcela da sociedade brasileira, os únicos efetivamente tributados neste País, os assalariados. O Imposto de Renda nosso é muito mais eficaz quando se trata do imposto sobre salário do que sobre a renda. Pediu-se vista de um projeto de nossa autoria, na última reunião da CAE, que voltará para ser votado na reunião da Comissão de Assuntos Econômicos, na próxima terça-feira, que corrige a tabela do Imposto de Renda pelo IPCA. Com isso, faz-se um pouco mais de justiça para os trabalhadores e para as pessoas de classe média deste Pais. É evidente que nós, ao aparteá-lo e ao cumprimentá-lo pelo pronunciamento, estamos solicitando o apoio da Casa e de V. Exª, inclusive, para que possamos, na próxima terça-feira, deliberar na Comissão de Assuntos Econômicos a fim de que seja definitivamente estabelecida a correção de Imposto de Renda pelo IPCA, o que favorece uma grande parte da população brasileira. Queria cumprimentá-lo pela oportunidade do pronunciamento.

O SR. AUGUSTO BOTELHO - Agradeço o aparte de V.Exª e incorporo-o ao meu discurso. Pode contar com o apoio deste Senador, em defesa dos trabalhadores brasileiros.

Precisamos transformar o Estado brasileiro no real articulador do desenvolvimento econômico, mas sobretudo do desenvolvimento social. Precisamos dotar a sociedade organizada de mecanismos eficazes para protegê-la dos gananciosos predadores do bem comum.

Srªs Senadoras, Senadores João Ribeiro e Pedro Simon, estamos num momento mais do que propício para repintar o quadro tributário nacional O Governo Federal nos enviou o seu projeto de reforma tributária e nos deu a chance de prepararmos uma nova ordem para o Brasil no campo da tributação. Eis uma chance da qual não podemos declinar nem fazer mau uso.

Na esteira da reforma devemos, além de disciplinar o modelo tributário que queremos para a sociedade brasileira, aproveitar para corrigir as distorções que existem nos tributos que continuam a viger. O atual Governo, enquanto foi oposição, pregou contra a CPMF, a manutenção de sua alíquota de 0,38%, contra a manutenção da faixa de descontos de 27,5% do Imposto de Renda e contra outras taxas e impostos.

Corrigir a tabela do Imposto de Renda não é uma concessão a ser obtida do Governo. É uma obrigação a ser cumprida pelos que hoje estão no comando da Nação. Agir de outro modo é continuar a esbulhar o povo e aprofundar a concentração de renda e a injustiça social que sufocam o nosso País.

Espero que os governantes da nossa Pátria finalmente se voltem para o povo e corrijam as tabelas de faixas de rendimentos e deduções para o Imposto de Renda. É um dever de justiça ao qual o Governo não pode se furtar.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/11/2003 - Página 34656