Discurso durante a 153ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da superação das desigualdades regionais e recuperação da malha rodoviária nacional por meio da reforma tributária.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • Defesa da superação das desigualdades regionais e recuperação da malha rodoviária nacional por meio da reforma tributária.
Publicação
Publicação no DSF de 01/11/2003 - Página 34698
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • IMPORTANCIA, OPORTUNIDADE, REFORMA TRIBUTARIA, BUSCA, SOLUÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, CRITICA, PROPOSTA, CRIAÇÃO, FUNDO ESPECIAL, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, FINANCIAMENTO, PROJETO, INICIATIVA PRIVADA, DEFESA, RECURSOS, INVESTIMENTO PUBLICO, GOVERNO ESTADUAL.
  • IMPORTANCIA, REFORMA TRIBUTARIA, PREVISÃO, RECUPERAÇÃO, REDE RODOVIARIA, REGISTRO, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, PREJUIZO, TRANSPORTE RODOVIARIO, PRODUÇÃO, PERDA, VIDA HUMANA.
  • DEFESA, MANUTENÇÃO, CONSTITUCIONALIDADE, VINCULAÇÃO, RECURSOS, CONTRIBUIÇÃO, INTERVENÇÃO, DOMINIO ECONOMICO, RECUPERAÇÃO, EXPANSÃO, RODOVIA, MODELO, EFICACIA, FUNDO RODOVIARIO NACIONAL, HISTORIA, BRASIL.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se o principal mister das lideranças é saber administrar a solução de problemas, não são poucos nem pequenos os multifacetados obstáculos que, em todo mundo, desafiam os dirigentes. O ser humano sempre aspira por uma melhor qualidade de vida. Mesmo entre as nações desenvolvidas, são conhecidas as mazelas que martirizam consideráveis parcelas das suas populações. E ampliam-se dia a dia, graças ao maior poder de pressão proporcionado pela fulminante velocidade dos meios de comunicação, as justas reivindicações daqueles que se sentem marginalizados pelo Estado.

Saneamento, habitação, desemprego, saúde, educação, segurança, são todas as exigências da complexa administração da economia e das finanças públicas - tudo competindo pela atenção do governante, trazendo à sua frente as credenciais de relevância e de urgência que tornam cada uma dessas questões uma prioridade.

Para determinado problema, as condições para seu encaminhamento exitoso já estão maduras na sociedade. Para outro, não. Algum tema específico pode encontrar boas condições institucionais para que seja levado a bom termo. Outro, não.

Ainda agora, na apreciação das reformas previdenciária e tributária, assistimos a esse processo dinâmico e polêmico, e o grande desejo parlamentar é que o resultado de nossas votações corresponda às aspirações da sociedade brasileira. Ambas repercutirão fundamente no ambiente social e econômico-financeiro do País.

Sr. Presidente, no que se refere à Reforma Tributária - tema de alta complexidade e com variadas implicações que seguem de cada posição tomada -, creio que estamos tendo a oportunidade política e institucional para encaminhar a solução, pelo menos, de dois problemas que reputo da maior importância para o País. Esses dois problemas não são mais relevantes do que tantos outros que afligem a vida nacional, dos quais fiz algumas referências, mas certamente não o são menos.

Um deles é a persistente questão dos desequilíbrios regionais, do fosso de desenvolvimento existente entre as regiões ricas e as regiões pobres do Brasil e, conseqüentemente, dos mecanismos que deveremos eleger para a superação dessas flagrantes diferenças - que é uma questão particularmente sensível para um representante, como é este Senador, de um Estado da Região Nordeste, um dos mais pobres do País, o Maranhão.

Quanto a esse problema representado pelos desequilíbrios regionais, a proposta de Reforma Tributária acena com a constituição de um fundo de desenvolvimento regional. Tal fundo seria, inclusive, uma compensação aos Estados mais pobres em relação às modificações que se querem imprimir à legislação do ICMS, modificações que, como sabemos, resultarão na impossibilidade de que os Estados continuem praticando políticas fiscais para atração de investimentos privados para seus territórios.

Não vou entrar na polêmica que se criou sobre o fundo de desenvolvimento regional. Concordo com a opinião majoritária dos governadores, no sentido de que o fundo deveria prever recursos para investimentos públicos nas regiões mais atrasadas, e não apenas ser mais uma fonte de financiamento para projetos privados. Fundos de financiamento para projetos privados com juros mais baixos do que os de mercado, nós já temos os fundos constitucionais de desenvolvimento, que, em seu conjunto, são constituídos por 3% das receitas obtidas com o IPI e com o Imposto de Renda. Não faz sentido criar outro fundo, paralelo, com a mesma finalidade. Pode-se, quando muito, aumentar o percentual destinado aos fundos já existentes.

A proposta do Governo, no sentido de trocar o fundo de desenvolvimento regional, como está na PEC proveniente da Câmara dos Deputados, por uma definição percentual de todos os investimentos previstos no Orçamento Geral da União e de investimentos de bancos de fomento federais, como o BNDES, recursos que seriam destinados às regiões mais atrasadas, essa proposta acho, em tese, interessante. Merece ser estudada.

De qualquer maneira, seja qual for a solução encontrada - e tenho certeza de que nossa maturidade política encontrará uma boa solução -, o importante é não desperdiçar a oportunidade da Reforma Tributária para se criar fonte estável e segura que leve ao aumento dos investimentos nas regiões economicamente mais deprimidas do País. É a única maneira de tornar realidade nossas velhas expectativas de um Brasil mais justo e mais harmônico.

O outro problema a que me referia - sobre o qual vou me deter mais um pouco, cuja solução pode ser satisfatoriamente encaminhada pela Reforma Tributária -, é a urgente, inadiável recuperação da malha rodoviária brasileira, que hoje se encontra em estado precaríssimo. No Nordeste, posso dizer com conhecimento de causa, em geral as rodovias estão desaparecendo: estão em péssimo estado de conservação!

A propósito das rodovias - que, no Brasil, são o principal modal de transporte de cargas -, lembro-me de um artigo, sobre o tema, que li faz alguns anos, do ex-Deputado Tarcísio Delgado, hoje Prefeito da cidade de Juiz de Fora e, na ocasião, Diretor-Geral do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, o antigo DNER. Afirmava o ex-Deputado, baseado em estatísticas divulgadas pelo Banco Mundial - estatísticas que tive o cuidado de anotar -, que o acréscimo nos custos de transporte rodoviário, quando uma estrada passa de estado bom para estado regular, é de 6 a 14%. E quando a estrada passa de estado bom para ruim, o acréscimo é de 14 a 46%.1

Daí se pode ter idéia do prejuízo, para a produção nacional, do estado de conservação precário das estradas brasileiras. Como disse, no Nordeste, longos trechos de rodovias federais importantes, com o perdão da hipérbole, estão se desmanchando. Para mim, não resta dúvida de que, hoje, a precariedade das rodovias federais deve ser considerada, juntamente com o campeoníssimo custo financeiro representado pelos juros altos, os principais itens a onerar o chamado custo Brasil.

Além do mais - e ainda mais importante de que o custo Brasil -, é a perda de milhares de vidas, todos os anos, em razão de acidentes provocados por estradas ruins.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a CIDE - Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - foi o tributo idealizado para financiar a recuperação e a ampliação da malha rodoviária. Isso, sem prejuízo do emprego dos recursos para investimentos em outros modais de transporte ou, como também define a norma jurídica que criou o tributo, para arcar com o custo do subsídio ao álcool combustível e a derivados do petróleo ou, ainda, para financiar projetos de recuperação ambiental relacionados à indústria do petróleo e do álcool.2

No ano passado, 2002, a CIDE arrecadou quase 9 bilhões de reais e, neste ano, estima-se que vá arrecadar cerca de 11 bilhões.3 Ora, esse montante seria suficiente para custear a recuperação da malha rodoviária federal, sendo justamente para isso - nunca é demais insistir - que se criou o tributo, que incide, como sabemos, sobre a importação e a comercialização de petróleo, de gás natural, de seus derivados e de álcool etílico combustível.

Então, antes de qualquer coisa - antes de se decidir se os recursos da CIDE formarão um fundo de gestão compartilhada entre União, Estados e Municípios, ou se serão transferidos diretamente a Estados e Municípios de acordo com a parcela que lhes caberia, ou serão compartilhados apenas com os Estados, recebendo os Municípios aumento percentual nos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) como compensação -, enfim, antes de se definir a forma de distribuição e de administração da CIDE, é necessário que se mantenha a vinculação do dinheiro arrecadado com as finalidades de gasto originalmente estabelecidas em sua criação, entre as quais se realça a recuperação da malha rodoviária.

Sei que, em termos gerais, o que seria desejável atingir numa Reforma Tributária ampla e estrutural - o que não é certamente o caso desta que estamos discutindo - é a menor, e não maior, vinculação dos tributos a gastos específicos. Pois é justamente por excesso de vinculações legais que se tem de recorrer a artifícios orçamentários como a Desvinculação dos Recursos da União (DRU), artifício que os Estados agora reivindicam também para si.

Porém, o caso das rodovias é um daqueles em que questões de princípio devem ceder a razões de ordem prática. Não bastassem os vários exemplos existentes de nações desenvolvidas que fazem algum tipo de vinculação de gastos com infra-estrutura de transporte a determinadas contribuições, nossa própria experiência histórica demonstra que, quando deixou de existir vinculação, entrou em colapso o sistema de financiamento às rodovias.

Assim é que, na história recente do Brasil, as rodovias federais estiveram em bom estado de conservação enquanto dispunham de recursos vinculados e recolhidos ao Fundo Rodoviário Nacional, recursos que se originavam de imposto cobrado sobre combustíveis e lubrificantes. Do final dos anos 60 até 1976, esse modelo funcionou muito bem, até que o dinheiro do Fundo Rodoviário Nacional começou a ser desviado também para outros fins. Em 1982, a situação agravou-se, em razão da extinção do Fundo. E, em toda década passada, a de 1990, quando as rodovias ficaram totalmente dependentes de recursos orçamentários de destinação livre, a coisa piorou ainda mais.4

Então surgiram as concessões de rodovias à iniciativa privada, iniciativa que aprovo desde que o Estado cumpra com sua responsabilidade de conservação da malha rodoviária que não encontrou interessados no setor privado, mediante condições satisfatórias para o interesse público.

Na verdade, o modelo de financiamento às rodovias - e, em termos mais gerais, aos gastos com infra-estrutura de transporte -, que se quis implantar no Governo passado é inspirado no modelo que funcionou, de modo eficaz, no tempo do Fundo Rodoviário Nacional. Em lugar do Imposto Único sobre Combustíveis e Lubrificantes Líquidos e Gasosos, a Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (CIDE). Em lugar do Fundo Rodoviário Nacional, o Fundo Nacional de Transportes, um fundo que, infelizmente, foi esvaziado, por conta dos vetos interpostos pelo ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, em acordo com a equipe de transição do atual Governo, a artigos do projeto que se converteu na Lei 10.636, sancionada em 30 de dezembro do ano passado.

Restou, portanto, a CIDE, contribuição que arrecada cerca de uma dezena de bilhões de reais por ano. Restou também a indefinição sobre a maneira de partilhar e de administrar seus recursos, o que temos o dever de resolver agora, como estamos fazendo na oportunidade da tramitação da Reforma Tributária, em favor da recuperação e da expansão da malha rodoviária brasileira.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o projeto de Reforma Tributária que aí está não é o dos nossos sonhos. Pode vir a representar - como eu espero que ocorra -, um grande avanço em determinadas questões tributárias pontuais, questões da dimensão de um ICMS, que é o imposto que mais arrecada no País, fundamental para as finanças e para a boa saúde financeira dos Estados.

Penso que o Governo atual tem sido corajoso em propor soluções para alguns dos graves problemas nacionais. No encaminhamento dessas propostas, não lhe tem faltado, aliás, a compreensão e o apoio dos partidos de Oposição, o que tem ocorrido, por exemplo, nas votações das Propostas de Emenda Constitucional de iniciativa do Poder Executivo. Espero, mesmo, que esse comportamento da Oposição - responsável, cooperativo no que se deve cooperar para o bem do País, transigente - se possa constituir em novo modelo para a relação institucional entre Situação e Oposição no Brasil, modelo a ser observado pelo Partido dos Trabalhadores quando, eventualmente, ele voltar a ser Oposição.

Mas, como dizia, a atual proposta de Reforma Tributária não é a dos nossos sonhos, pois ela não tem caráter estrutural, abrangente, orgânico, para representar o fim da necessidade de se promover uma reforma no Brasil com essas características. Daqui a bem pouco tempo, teremos de voltar a discutir a questão, como os próprios líderes do Governo já admitem. Ela é a reforma possível. Politicamente possível. Essa constatação representa, também, um aprendizado para a atual equipe de Governo, que, quando na Oposição, julgava que as coisas eram mais fáceis do que realmente são e costumava utilizar muito uma expressão, que era falta de vontade política. Pois, supostamente, não falta vontade política ao atual Governo. Mas o que é que ele tem alcançado em matéria tributária?

Contudo não vejo motivo para menosprezar a Reforma Tributária hoje em tramitação. É a reforma possível.

Concluindo, Sr. Presidente, gostaria, sinceramente, de que não perdêssemos a oportunidade que estamos tendo, para resolver, como disse ao longo deste discurso, pelo menos duas questões da mais alta relevância: o modelo de financiamento para a superação das desigualdades regionais e o modelo de financiamento para a recuperação e para a expansão da malha rodoviária nacional.

Era o que tinha a dizer.

Obrigado.


           1 MENDES, Fábio. Carta à CONLEG contendo subsídios a serem usados neste discurso, Gabinete do Senador Edison Lobão, 08-10-2003, mimeo.


           2 O QUE É A CIDE. Jornal do Senado, 19.05.03, p. 5.


           3 Idem.


           4 Vide nota nº 1.



Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/11/2003 - Página 34698