Discurso durante a 154ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Saúda a decisão da Justiça que concedeu habeas corpus a Diolinda, José Rainha e outros dirigentes do MST.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REGIMENTO INTERNO. JUDICIARIO.:
  • Saúda a decisão da Justiça que concedeu habeas corpus a Diolinda, José Rainha e outros dirigentes do MST.
Publicação
Publicação no DSF de 04/11/2003 - Página 34793
Assunto
Outros > REGIMENTO INTERNO. JUDICIARIO.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, DECISÃO, JOSE SARNEY, PRESIDENTE, SENADO, AUSENCIA, REALIZAÇÃO, SESSÃO, DELIBERAÇÃO, TOTAL, DIA, SEMANA.
  • SAUDAÇÃO, DECISÃO, CAMARA CRIMINAL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CONCESSÃO, HABEAS CORPUS, DIRIGENTE, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, ANULAÇÃO, PRISÃO PREVENTIVA, RESPEITO, CUMPRIMENTO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, GARANTIA, APELAÇÃO EM LIBERDADE.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, primeiramente, saúdo V. Exª pela decisão tomada, que gerou grande turbulência na Casa. Sei que V. Exª, conforme foi comunicado por alguns dos Líderes, tomou a decisão com base na reivindicação também de algumas Lideranças. Mas entendo que é de fundamental importância que o calendário da Casa seja estabelecido não em função de uma ou de outra questão conjuntural. Portanto, saúdo a decisão de V. Exª.

O Senador Pedro Simon acabou citando-me, embora eu não vá usar o Regimento em relação a isso, até porque não é isso que causa turbulência na sessão da Casa. O próprio Regimento estabelece que, Senador Gilberto Mestrinho, mesmo que eu cite V. Exª, durante toda a sessão, somente dois Senadores poderão usar da palavra para explicação pessoal. Portanto, não é isso que causa tumulto. Da mesma forma, os Senadores, Líderes de Partidos, ao constituírem um bloco, perdem a prerrogativa de Líder e, portanto, também não poderão falar.

Acabei tendo que aprender o Regimento, Sr. Presidente, porque passei quatro anos a comer poeira da cavalaria do Governo Fernando Henrique, embora muitos dos zelosos cavaleiros estejam atualmente no Governo atual. Assim, tive de estudar e aprender, por isso ainda infernizo a vida do Carreiro, da Claudinha, da Carminha para aprender o Regimento. Sabemos que, em ninho de serpentes - todos conhecemos os nossos e os venenos alheios -, o Regimento é soro antiofídico, fundamental para a vida e proteção de todos nós que aqui estamos.

Agradeço ao nobre Senador Paulo Paim a possibilidade de fazer esta comunicação inadiável, porque não poderia deixar de saudar a decisão da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, que, há poucos momentos, concedeu habeas corpus a Diolinda, Zé Rainha, Mineirinho e outros companheiros do MST que estavam com prisão preventiva decretada. O STJ, na semana passada, já havia anulado a prisão preventiva decretada em outros processos, garantindo-lhes o direito de apelar em liberdade. Portanto, a Constituição foi zelada, tal qual a presunção de inocência. A decisão não se deixou contaminar pelo debate e pela turbulência pública em relação à questão da reforma agrária. O Tribunal de Justiça reconheceu que os réus participaram de todos os atos processuais, contribuíram pessoalmente para a instrução do processo e, por esse motivo, permaneceram em liberdade. Espero que o Juiz da região, Dr. Athis de Araújo, analise o momento com a serenidade que o caso exige. Eu, talvez, não seja a melhor pessoa para cobrar serenidade de alguém, porque todos sabem que, ao defender meus princípios, sou quase kamikase. Fazemos um apelo ao Juiz no sentido que não acabe por expedir uma nova sentença condenatória diante do habeas corpus concedido pelo Tribunal de Justiça.

Antes de terminar, Sr. Presidente, felicito os desembargadores e os juízes deste País por suas atuais decisões. Digo isso com muita serenidade, porque, tanto no meu Estado como nacionalmente, sempre fiz muitos embates contra a Justiça, mas, no momento em que o Tribunal de Justiça, o STJ ou qualquer setor da Justiça brasileira dá demonstrações de zelo pela ordem jurídica vigente, sem dúvida, preciso enaltecer essas atitudes.

Em várias decisões, o Superior Tribunal de Justiça concluiu no sentido de que “a Justiça não pode ser instrumento de ação política contra os movimentos que se insurgem contra as desigualdades econômicas e sociais”. Enalteceu, ainda, que o movimento popular visando implantar a reforma agrária não caracteriza crime contra o Patrimônio. Configura direito coletivo, expressão da cidadania,

visando implantar programa constante da Constituição da República [no caso, a reforma agrária]. A pressão popular é própria do Estado de Direito democrático. A Constituição da República dedica o Capítulo III do Título VII à Política Agrícola e Fundiária e à Reforma Agrária. Configura, portanto, obrigação do Estado. Correspondentemente, direito público, subjetivo de exigência de sua concretização. Na ampla arca dos Direitos de Cidadania, situa-se o direito de reivindicar a realização dos princípios e norma constitucionais. A Carta Política não é mero conjunto de intenções. De um lado, expressa o perfil político da sociedade, de outro, gera direitos. É, pois, direito reclamar a implantação da reforma agrária. Legítima a pressão aos órgãos competentes para que aconteça, manifeste-se historicamente. Reivindicar, por reivindicar, insista-se, é direito.

Sr. Presidente, mais uma vez, saúdo as decisões tomadas pelo STJ e pela Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo e apelo ao Juiz da região, Dr. Athis de Araújo, que mantenha a decisão, por favor. Neste momento - estamos às vésperas do Natal -, é inadmissível que crianças assistam a fatos como este, da menina Sofia, de dois anos de idade, e de João Paulo, de 10 anos, que viram sua mãe e seu pai serem arrancados de sua própria casa. No momento em que Sofia se encontrava nos braços de Diolinda, sua mãe foi arrastada para fora de casa para ser aprisionada. Assim, é de fundamental importância que a decisão tomada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e pelo STJ sejam efetivamente respeitadas. Portanto, mais uma vez, saúdo esses Tribunais, que, graças a Deus, não se deixaram contaminar pela turbulência política gerada na imprensa, no Parlamento ou em qualquer outro setor da sociedade em relação à reforma agrária.

Conforme foi dito sobre outras decisões tomadas,

a luta pela reforma agrária põe à mostra as injustiças sociais que campeiam na concentrada estrutura fundiária brasileira. Mas, mais do que isso, é uma luta pela inclusão social, pela possibilidade da participação produtiva e criativa na sociedade dos que dela têm sido sistematicamente excluídos por um processo econômico perverso e, mais do que tudo, pela dignidade da pessoa humana. Tudo isso nada mais é do que a concretização dos princípios estruturantes do Estado democrático e social de Direito. Ora, um movimento social dessa profundidade [como o MST] e, com a finalidade de reconstruir uma sociedade mais humana, solidária e igualitária e bem menos injusta e marginalizadora, poderá até cometer excessos, mas sua atuação não poderá ser confundida com ações criminosas.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/11/2003 - Página 34793