Discurso durante a 154ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre o uso e a conservação da água doce no Brasil.

Autor
Luiz Otavio (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PA)
Nome completo: Luiz Otavio Oliveira Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Reflexões sobre o uso e a conservação da água doce no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 04/11/2003 - Página 34834
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • ANALISE, NECESSIDADE, PRESERVAÇÃO, RACIONALIZAÇÃO, CONSUMO, IMPEDIMENTO, ACIDENTES, IMPACTO AMBIENTAL, CONTAMINAÇÃO, AGUA, BRASIL, GARANTIA, RECURSOS NATURAIS, ABASTECIMENTO DE AGUA, POPULAÇÃO.
  • IMPORTANCIA, ANUNCIO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DESTINAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, OBRA PUBLICA, SANEAMENTO BASICO.

O SR. LUIZ OTÁVIO (PMDB - PA. Sem apanhamento taquigráfico.) -

ÁGUA DOCE NO BRASIL

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de, nesta oportunidade, abordar um tema que me tem preocupado crescentemente. É o uso e a conservação da água doce no Brasil.

Pode parecer estranho que esse tema preocupe um Senador por um dos Estados brasileiros mais conhecidos por suas águas abundantes, o Pará. Todavia todos nós acompanhamos como a qualidade e a quantidade do fornecimento de água têm se tornado um problema difícil em vários pontos do País, principalmente nos grandes centros urbanos. E não foge a essa realidade mesmo o Pará, -- que, acredito, deva ter uma das razões água doce por habitante mais elevadas do mundo. Pois uma coisa é a abundância das águas nos leitos dos rios ou nos lençóis freáticos; outra coisa é a coleta da água, seu tratamento, sua distribuição e sua proteção contra agentes poluentes nas áreas de adensamento populacional.

A água doce do planeta inteiro é suficiente para a manutenção da vida dos mais de seis bilhões de habitantes humanos, bem como da vida dos demais animais e plantas. É suficiente mesmo para o uso econômico em larga escala. Mas precisa receber cuidados e ser preservada, se não acaba. Se não, a fonte seca. Nunca é demais repetir a estatística, já por demais conhecida, de que a água doce passível de ser utilizada corresponde a apenas 1% de toda a água disponível no globo terrestre. Pois 97% da água existente é salgada, a água dos mares. Dos 3% restantes, que são água doce, dois terços estão congelados ao redor dos pólos, na forma de geleiras e de neve. Sobra, portanto, 1% de água, em relação a toda a água do mundo, que efetivamente pode ser utilizada pelo homem para beber, para lavar, para cozinhar, para irrigar, para dessedentar animais, para entrar como insumo no processo de produção industrial.

Sr. Presidente, nosso País encontra-se em situação privilegiada pela parte que lhe coube de toda a água doce existente no mundo. Estima-se que o Brasil possua nada menos do que 15% de todo esse estoque de água doce, uma posição que muitas nações certamente invejam e que se tornará, estrategicamente, cada vez mais importante.

À guisa de ilustração, a maior parte da maior reserva de água doce subterrânea do mundo está localizada em território brasileiro. Trata-se do Aqüífero Guarani, que se estende sob 1 milhão e 200 mil quilômetros quadrados, na área de incidência da bacia do rio da Prata. Dois terços do Aqüífero Guarani estão no Brasil; e o terço restante distribui-se por Argentina, Uruguai e Paraguai.

Todavia duas ressalvas devem ser levantadas em relação à inegável abundância de água de que foi dotado nosso País.

A primeira é que temos muita água -- é verdade --, mas tais recursos hídricos são distribuídos de forma irregular em relação ao território nacional e a sua população. Assim é que, enquanto a região Norte possui 78% da água disponível no Brasil e apenas 7,6% da população nacional, a região Nordeste possui apenas 3,3% da água, mas 28,1% da população. No Semi-Árido nordestino, que é a região mais seca do País, onde habitam 8 milhões de habitantes, a produção agrícola chega a cair em 60% nos anos de seca, que, em média, são três a cada dez anos.

Ademais, segundo dados do IBAMA, do Ministério do Meio Ambiente, da Agência Nacional das Águas (ANA) e de companhias estaduais de abastecimento d’água -- coletados, em auditoria, pelo Tribunal de Contas da União (TCU) -- o abastecimento d´água no Brasil ficará comprometido nos próximos anos. Aliás, a crise de abastecimento d’água já é uma realidade em algumas regiões metropolitanas, tais quais São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Fortaleza, Belém, Curitiba, Porto Alegre, Florianópolis, Natal, Vitória, entorno de Brasília, Londrina e Maringá. Por sua vez, o indicador disponibilidade hídrica per capita coloca os Estados de Pernambuco, da Paraíba, de Sergipe e o Distrito Federal em situação de estresse hídrico periódico e regular e tantos outros Estados na situação de tendência ocasional de falta d’água, como Alagoas, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Ceará, São Paulo e Bahia.

Como se vê, a situação do abastecimento, num País com fartura d’água, não é tão confortável assim.

A segunda ressalva é que a abundância de recursos hídricos não deve servir de desculpa para a acomodação e para o adiamento de ações necessárias para preservar em boas condições esse enorme patrimônio natural. Hoje a ação humana predatória ameaça de contaminação vários mananciais e lençóis freáticos.

Citaria, para ilustrar, três acidentes ambientais, de grande dimensão, que, recentemente, comprometeram reservas d’água no País. O primeiro foi o vazamento de material poluente provocado pela empresa Cataguazes, no Rio de Janeiro, vazamento que contaminou o rio Pomba e, daí, atingiu o rio Paraíba do Sul. O segundo foi a contaminação de um dos maiores reservatório de água doce da América Latina, o lago de Furnas, em Minas Gerais. E o terceiro, a contaminação do rio Iguaçu por mercúrio, derramado por uma unidade de xisto da Petrobrás, em São Mateus, no Paraná.

São esses três exemplos da maior gravidade, exemplos de danos às águas provocados pela indústria, que deveriam ser tratados com mais rigor do que têm sido.

Aliás, muitos benefícios adviriam de um tratamento mais racional e rigoroso quanto ao uso da água por empreendimentos industriais e agrícolas, pois são eles os maiores consumidores desse importante recurso natural. Estatísticas publicadas pelo semanário britânico The Economist indicam que a agricultura é o setor econômico que mais consome água no mundo, seguida da produção de energia e dos empreendimentos industriais e de serviços. Os domicílios, em relação aos consumidores comerciais e industriais, consomem pouco: 14,6% do total nos países da OCDE; e apenas 4% nos demais países, ou seja, nos países mais pobres.

Então, esse dado indica que a racionalização do consumo d’água deve ser, principalmente, exigida de seus consumidores agrícolas e industriais.

Contudo, para enfrentar a realidade de escassez de água nos grandes centros urbanos, não há como evitar uma reeducação dos hábitos de consumo da população.

Na Grande São Paulo, por exemplo, tem sido anunciado que 12 milhões de pessoas enfrentarão racionamento d’água ainda este mês, o que somente será aliviado caso o regime de chuvas seja suficiente para recompor os reservatórios. Cumpre dizer que essa realidade se reproduz em outras cidades brasileiras.

Para concluir, eu diria que, sem prejuízo de outras ações relevantes, um caminho se impõe como básico para induzir maior racionalidade no uso da água por parte de seus maiores consumidores, que, como disse, são os empreendimentos agrícolas e industriais. E não esqueçamos de que este ano de 2003 foi instituído pela Organização das Nações Unidas como Ano Internacional da Água Doce!

Esse caminho passa pelo bolso: é a cobrança, pelo Estado, de um preço razoável pelo uso da água, um preço tal que reflita o custo de captação e de fornecimento da água, bem como o custo ambiental representado, por exemplo, pela construção de represas e pela recuperação de mananciais erodidos. A partir do momento em que a água passe a ter um custo econômico razoável, os empreendimentos agrícolas e industriais serão induzidos a racionalizar seu uso, sendo demovidos de desperdiçá-la. Essa opção pela cobrança do custo real da água tem sido eleita por vários especialistas no assunto e tem freqüentado as discussões nos foros internacionais sobre o meio ambiente, como o de Kyoto.

Na verdade, o Brasil possui uma legislação pioneira, avançada, recente, sobre os recursos hídricos, legislação que trata a matéria nessa direção. A legislação prevê o pagamento da água por seu valor econômico real. É a Lei Federal 9.433, a Lei de Gerenciamento de Recursos Hídricos, que, a par de prever o pagamento dos usuários pela água que consomem, criou estruturas administrativas inovadoras, organizadas por bacias hidrográficas, como os Comitês de Bacias e as Agências de Água. Nessa nova estrutura jurídica e administrativa, o dinheiro arrecadado com a cobrança da água é destinado ao custeio dos organismos que integram o sistema e ao financiamento das intervenções decididas pelo planejamento da conservação e manejo das águas.

É, como disse, uma legislação avançada e inovadora que pode representar o diferencial positivo na melhor administração dos recursos hídricos brasileiros. Como a nova estrutura depende muito, para dar certo e apresentar resultados, da participação da sociedade civil organizada, é lamentável verificar que grande parte de seu potencial ainda não saiu do papel e das boas intenções.

Gostaria de aproveitar esta oportunidade para conclamar a sociedade civil para que se engaje nesse processo; que se interesse por constituir os comitês de bacias e por ajudar a preservar nossos mananciais e reservatórios: uma responsabilidade que é de todos nós!

Por fim, Sr. Presidente, quero dizer que cuidar do imenso patrimônio hídrico brasileiro é obrigação do Brasil, perante sua própria população e perante o mundo! Não é preciso ser visionário para afirmar que a água será um dos principais recursos econômicos estratégicos deste século que se inicia.

E não poderia encerrar este meu pronunciamento, Sr. Presidente, sem dizer da minha alegria, ao ver o Presidente Lula anunciar na última quinta-feira, durante a I Conferência Nacional das Cidades, que, até o final deste ano, R$1,4 bilhão já estarão contratados para obras de saneamento básico.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/11/2003 - Página 34834