Discurso durante a 156ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro de protesto às declarações do Cardeal colombiano Dom Alfonso Lopez Trujillo, sobre a ineficiência dos preservativos na proteção contra o vírus da Aids.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Registro de protesto às declarações do Cardeal colombiano Dom Alfonso Lopez Trujillo, sobre a ineficiência dos preservativos na proteção contra o vírus da Aids.
Publicação
Publicação no DSF de 06/11/2003 - Página 35588
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • REPUDIO, DECLARAÇÃO, CARDEAL, IGREJA CATOLICA, INEXATIDÃO, INFORMAÇÃO, PREVENÇÃO, CONTAMINAÇÃO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), CRIAÇÃO, POLEMICA, PREJUIZO, SAUDE PUBLICA.
  • DEFESA, METODO, PRESERVATIVO, PREVENÇÃO, DOENÇA TRANSMISSIVEL, REPUDIO, FALTA, ETICA, IGREJA CATOLICA, REPRESSÃO, SEXO.


            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, recentemente, um importante prelado da Igreja Católica da América do Sul, o Cardeal colombiano Dom Alfonso López Trujillo, veio a público levantar suspeitas sobre a eficiência dos preservativos na proteção contra o vírus da Aids dos que praticam sexo. É lamentável que uma autoridade de uma das mais importantes organizações religiosas mundiais utilize os meios de comunicação a que tem acesso, e que são os mais poderosos do mundo, para disseminar dúvidas e causar preocupações absolutamente infundadas do espírito da humanidade.

            Determinadas personalidades públicas devem ter muito cuidado quando se pronunciam e ter consciência da repercussão que suas palavras hão de causar. Ainda mais quando se trata de alguém com inquestionável autoridade moral sobre milhões de pessoas no mundo todo. Uma manifestação como a do Cardeal Trujillo tem o poder de provocar enorme polêmica e conturbar os espíritos de muitas pessoas inocentes em todos os cantos do mundo.

            Acrescente-se, Senhor Presidente, que chega a ser perverso levantar esse tipo de suspeita quando todas as organizações mundiais que lutam pela preservação da saúde buscam, a duras penas, limitar os enormes estragos que essa devastadora epidemia já provocou em todo o mundo, em particular, na África.

            Lembram-se, as Senhoras Senadoras e os Senhores Senadores, que, em alguns países africanos, mais da metade da população está contaminada pela aids e sem perspectivas de que tal taxa de contaminação decresça em futuro próximo.

            O preservativo já mostrou, seja no controle da natalidade, seja no controle de outras doenças sexualmente transmissíveis, que é o mais eficiente e barato sistema de proteção. Fácil de produzir, fácil de usar, simples de transportar, o preservativo tem sido o grande responsável pela proteção de todos quantos têm vida sexual ativa.

            Ora, Senhor Presidente, como médico, não posso me calar diante de tal disparate, sobretudo vindo de alguém que não tem qualquer autoridade técnica ou científica para se pronunciar sobre o assunto, mas cuja posição na hierarquia da Igreja lhe confere autoridade moral sobre milhões de fiéis.

            O despropósito é tal, que até mesmo o argumento de que as camisinhas rompem em certos casos é falacioso, pois não existe nada que ofereça 100% de segurança em nenhum produto industrial que a humanidade fabrica. A possibilidade de falha em qualquer produto fabricado pelo homem é inerente à própria falibilidade humana. Assim, ao dizer que há filhos da camisinha, como se diz na linguagem popular, não se está acrescentando nada de novo ao que já se conhece. E, de todo modo, Senhor Presidente, não se trata de uma discussão em torno da plena certeza, mas, sim, de qual é o método mais seguro que podemos colocar à disposição das pessoas, hoje. E esse é, inequivocamente, o preservativo.

            Afirmar a inadequação do preservativo como eficiente barreira contra a disseminação do vírus da aids, só porque pode, ocasionalmente, romper-se, é o mesmo que dizer que, porque houve um acidente com uma nave espacial norte-americana, esse tipo de veículo não é adequado para viagens espaciais. Qualquer pessoa de bom senso veria logo tal argumentação como ridícula e primária.

            E afirmar que o preservativo não consegue impedir a passagem do vírus da aids por este ser 450 vezes menor do que o espermatozóide é contrariar todas as comprovações científicas laboratoriais e a experiência mundial de todos os que usam tal método e, com isso, não foram contaminados, mesmo em situações de risco.

            Senhor Presidente, a Igreja Católica tem todo o direito de defender seus princípios morais e sua doutrina de reprodução humana. O que não tem é o direito de faltar com a verdade científica e alimentar medos e fantasmas que tanto custamos para erradicar da sociedade, depois que surgiu o terror da aids no mundo.

            Os prelados da Igreja, sendo celibatários e, portanto, desvinculados da prática sexual, pelo menos em tese, deveriam deixar tais questões para os que estão desobrigados do celibato e os que estudam e trabalham de modo científico com as doenças combatidas pelos preservativos. Ficaria tudo muito mais simples se tais autoridades eclesiásticas se calassem e deixassem os verdadeiros conhecedores do assunto se pronunciarem.

            Que a Igreja deseja defender a prática sexual apenas com fins de procriação já é sabido em todo o mundo. O que se constata, contudo, é que, mesmo entre os católicos praticantes, há muitos que já não mais seguem tal doutrina, e, há muito, o uso do preservativo é disseminado em todas as camadas sociais e credos religiosos.

            Se, por trás das palavras do cardeal, está a idéia de que as pessoas irão se abster da prática sexual por não usar o preservativo, é jogar com a vida e a morte das pessoas. Induzir à crença de que a camisinha é ineficiente é induzir à prática do sexo sem proteção, já que não existe método de proteção melhor do que este. E isso é um crime contra a humanidade. Lendo o noticiário sobre as palavras do prelado, fica a nítida impressão de que há uma agenda oculta no que ele teria dito, usando o medo da aids e a restrição ao uso do condom, para induzir as pessoas a evitarem a prática sexual. Se foi essa a intenção do prelado torna-se ainda menos defensável sua posição, pois usou de subterfúgios para tentar alcançar seus objetivos, o que é ética e moralmente condenável em qualquer pessoa; principalmente, em uma autoridade eclesiástica.

            Senhor Presidente, é lamentável que ainda se veja entre autoridades religiosas o mau hábito de fazer pronunciamentos bombásticos sobre assuntos delicados e graves que desconhecem. Melhor seria que cuidassem de resolver os problemas de miséria espiritual dos homens e deixassem para os médicos e sanitaristas os cuidados com epidemia tão grave como a da aids.

            Como médico que sou, tenho perfeita consciência de que não há nem pode haver restrições de ordem moral que coloquem em risco a vida humana. Nenhum valor pode se sobrepor a esse valor fundamental que é a própria existência. Com o conhecimento que temos hoje, não há a menor dúvida de que o uso do preservativo é o meio mais seguro de se barrar a disseminação da aids pela via sexual. O Brasil é, talvez, o país do mundo com maior sucesso no combate em massa à propagação da aids, mesmo tendo fama de ser um país em que a liberdade sexual é ampla e irrestrita.

            Assim, Senhor Presidente, quero registrar meu veemente protesto contra a declaração desse Cardeal, desejando que outras não ocorram e que, se à Igreja Católica é difícil incentivar o uso do preservativo, pelo menos, não crie obstáculos a um programa de saúde pública dos mais exitosos em todo o mundo.

            Todas as estatísticas demonstram que, nas regiões onde o uso do preservativo foi incorporado aos hábitos sexuais da população, houve retração da aids e queda do número de casos e mortes. Em contrapartida, nos países, sobretudo africanos, onde a população resiste, ainda continua a curva ascendente do número de contaminados pelo HIV e de mortes por aids.

            É lamentável, pois, que, com o esforço que todas as autoridades de saúde pública estão fazendo para combater essa peste negra do século, ainda haja posições obscurantistas como a de Dom Trujillo.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado, Senhor Presidente.


pm1029d3-200307365



Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/11/2003 - Página 35588