Discurso durante a 159ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários a artigos sobre o problema das drogas, publicados na Revista de Cultura do Imae - Instituto Metropolitano de Altos Estudos.

Autor
Romero Jucá (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA.:
  • Comentários a artigos sobre o problema das drogas, publicados na Revista de Cultura do Imae - Instituto Metropolitano de Altos Estudos.
Publicação
Publicação no DSF de 11/11/2003 - Página 36059
Assunto
Outros > DROGA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, REFERENCIA, PROBLEMA, DROGA, BRASIL.
  • APREENSÃO, AUMENTO, NUMERO, USUARIO, DROGA, JUVENTUDE, RESULTADO, DIFUSÃO, ENTORPECENTE, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, UNIVERSIDADE, NECESSIDADE, REFORÇO, POLITICA, PREVENÇÃO, PREVISÃO, PARTICIPAÇÃO, COMUNIDADE, FAMILIA, PROFESSOR, AGILIZAÇÃO, FORMA, COMBATE, CRIME ORGANIZADO.

O SR. ROMERO JUCÁ (PMDB - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a realidade do uso das drogas, embora acompanhe a humanidade desde seus primórdios, alcançou dimensões particularmente preocupantes no século XX, constituindo, neste século que se inicia, um grande desafio para governos e sociedades de todo o mundo.

Não podemos, de modo algum, desconsiderar a diversidade de faces e aspectos sociais envolvidos no uso de drogas ilícitas, e também de algumas drogas legalizadas, mas de grande potencial nocivo, se quisermos enfrentar o problema com alguma possibilidade de êxito.

Eis a primeira conclusão a que chego, após dedicar-me à leitura de quatro substanciosos artigos sobre o problema das drogas, publicados na Revista de Cultura do Imae - Instituto Metropolitano de Altos Estudos.

            Abro aqui um parêntese para esclarecer que é o Imae uma instituição voltada para o desenvolvimento de estudos e pesquisas em campos multi e interdisciplinares, vinculada ao Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (UniFMU), da cidade de São Paulo. Criado no ano de 2000, o Imae tem, desde então, realizado seminários sobre temas relevantes da atualidade brasileira, como os que versaram sobre a violência urbana, o meio ambiente e a crise das políticas públicas.

O teor dos pronunciamentos e debates realizados nos seminários vem sendo publicado na mencionada revista, que reúne, ademais, outras contribuições de nomes notáveis de nossa vida intelectual.

O nono número da Revista de Cultura Imae, a par de outros interessantes artigos, colige as quatro conferências pronunciadas no seminário que abordou o problema das Drogas nas Escolas, realizado nos dias 17 e 18 de março de 2003, no auditório do Centro Universitário - UniFMU.

Os conferencistas do citado seminário não poderiam ter sido mais bem escolhidos. Foram eles o Dr. Márcio Thomaz Bastos, Ministro da Justiça; o General Paulo Roberto Yog de Miranda Uchôa, Secretário Nacional Antidrogas; o Dr. Ivaney Cayres de Souza, Diretor do Denarc - São Paulo; e o Prof. Dr. Arthur Guerra de Andrade, da Faculdade de Medicina da USP.

As diversas experiências e qualificações dos conferencistas, juntamente com os diferentes papéis que exercem na esfera pública, possibilitaram uma abordagem multifacetada e extremamente enriquecedora de assunto tão candente.

Se o uso das drogas vem apresentando, Sr. Presidente, nítida tendência de crescimento - e não apenas em nosso País, mas em todo o mundo -, o segmento da população que se mostra especialmente vulnerável à sua propagação é o da juventude.

As escolas de diferentes níveis de ensino tornaram-se, por sua vez, um espaço onde se difunde o consumo de drogas, sendo visado de modo sistemático pelos traficantes. Representam as escolas, no entanto, também um espaço privilegiado de que dispõe a sociedade para enfrentar o problema, em um dos seus eixos fundamentais, que é o da prevenção.

A abordagem do Ministro da Justiça, Dr. Márcio Thomaz Bastos, procurou enfatizar que a questão do uso das drogas não pode ser vista tão- somente pelo prisma da ilegalidade, como se constituísse problema exclusivamente policial ou judicial.

Em primeiro lugar, não há dúvidas de que duas das drogas mais perniciosas para a nossa população são de uso legal, representando também as mais consumidas: o álcool e o tabaco. O Ministro refere-se à realista premissa de que não seria possível erradicar a utilização das drogas em nossa sociedade, mas é possível diminuí-la substancialmente e minorar os seus efeitos danosos.

No caso das drogas legais, essa tarefa compete, sobretudo, ao empenho na prevenção; no que toca às drogas ilícitas, é necessário reprimir sua produção, tráfico e uso, mas sem supor que o combate possa resumir-se a tais ações repressivas. Permanece a seriíssima responsabilidade da sociedade em atuar sobre as causas que levam os jovens, bem como adultos e até crianças, a recorrer ao uso indevido de drogas.

O Dr. Thomas Bastos ressalta a necessidade de integrar o binômio prevenção-repressão, ao mesmo tempo que defende a nítida separação do tratamento dado ao usuário e ao traficante. Embora este último ponto de vista tenha se tornado praticamente consensual, é fato que ainda existe a previsão de pena privativa de liberdade para o simples usuário de droga. Outra disposição de nossa legislação a ser aperfeiçoada, de acordo com o Ministro, é a que equipara o usuário que incorre em eventual cessão de droga, sem intuito de lucro, ao traficante, tornando aquele passível de ser enquadrado inclusive no regime previsto pela lei dos crimes hediondos.

De qualquer modo, por mais que a prevenção se mostre essencial e imprescindível, não há como deixar de constatar, em nosso País, o grau espantoso de poder e ousadia alcançado pelo crime organizado vinculado ao tráfico de drogas. Nas palavras do Senhor Ministro da Justiça, "é preciso (...) criar as condições de mobilização de toda a sociedade na luta contra o crime organizado, principalmente contra o tráfico de drogas, porque isso é uma condição de sobrevivência do país como um país civilizado".

A contribuição do Dr. Ivaney Cayres de Souza ao seminário vincula-se a sua ampla experiência no combate ao narcotráfico, como Delegado de Polícia e como Diretor do Departamento de Investigações sobre Narcóticos da Polícia Civil do Estado de São Paulo (Denarc). Não imaginemos, entretanto, que, por atuar na repressão ao tráfico, deixe o Dr. Ivaney Cayres de reconhecer a importância imensa e insubstituível de um trabalho de prevenção, que deve estar presente tanto na família como na escola.

Sua conferência concentra-se, de qualquer modo, na tarefa de elucidar as exigências e desafios para a repressão ao tráfico, em uma nova concepção que enfatiza a necessidade do uso da inteligência e do planejamento sistêmico. Ao relatar sua experiência na Operação Escola Segura, que combate, em São Paulo, o tráfico nas escolas e suas cercanias, ele mostra a importância da integração com a comunidade, abrangendo o envolvimento responsável dos educadores, diretores, funcionários, pais de alunos e os próprios alunos.

A conferência pronunciada pelo Dr. Arthur Guerra de Andrade, renomado especialista no assunto, abordou o tema do uso de drogas nas universidades. Se compararmos as estatísticas de utilização de drogas da população em geral com a da população universitária, veremos significativa discrepância, que revela uma disponibilidade ao uso de drogas muito alta por parte dos nossos estudantes dos cursos superiores. O uso, pelo menos uma vez na vida, de qualquer droga ilícita alcança 19,4% da população de 107 cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes, de acordo com um levantamento domiciliar feito em 2002. Já para os estudantes de 1º e 2º graus de dez capitais brasileiras, o mesmo índice - de consumo de qualquer droga ilícita pelo menos uma vez - chega a 24,7%, 5 pontos percentuais acima do resultado geral, em uma população que é, em sua imensa maioria, menor de idade.

Já uma pesquisa voltada exclusivamente para o universo de estudantes de graduação da Universidade de São Paulo concluiu que 35,3% desses universitários tinha consumido pelo menos uma vez a maconha, que é a droga ilícita mais usada. Em um estudo comparativo entre 1996 e 2001, constatou-se que quase todas as drogas mostraram aumento de consumo no período. O uso de maconha passou de 25,8% para 35,3%; as drogas alucinógenas, como o LSD e o chá de cogumelo, tiveram seu consumo quase dobrado, de 6,2 para 11,5%. Além disso, a utilização de álcool e de tabaco, de longe as drogas nocivas mais consumidas, também aumentou, o que não deixa de me surpreender, no caso do fumo de tabaco, considerando os diversos avanços legais no combate ao vício.

O Dr. Arthur Guerra expõe alguns fatores que podem explicar uma maior predisposição dos jovens na universidade para o recurso aos tóxicos, tais como um sentimento de exagerada autoconfiança, que os leva não se julgarem vulneráveis a certos comportamentos de risco. Julga o Professor da USP, ainda, que um excesso de tolerância se faz sentir no meio universitário, contribuindo para agravar o problema. De qualquer modo, esses resultados espelham um crescimento do consumo de drogas disseminado pela sociedade como um todo.

Adverte o conferencista, Srªs e Srs. Senadores, sobre a necessidade de uma especial atenção para o consumo de drogas entre os universitários, considerando, inclusive, que desse grupo "surgirão os futuros líderes do país, nas diversas áreas profissionais". Daí a importância de que, entre outras medidas, as universidades criem seus próprios programas e campanhas contra o uso e o abuso de drogas, sendo delineada, ao término da conferência, uma espécie de roteiro para tanto.

As palavras do Secretário Nacional Antidrogas, General Paulo Roberto Uchoa, espelham otimismo diante da nossa capacidade de enfrentarmos a problemática das drogas no País.

Até 1998, não tínhamos uma política nacional antidrogas. Em junho desse mesmo ano, a Assembléia Geral das Nações Unidas formulou princípios diretivos para a redução da demanda de drogas em todo o mundo, chamando a atenção para a responsabilidade compartilhada dos países considerados essencialmente como produtores, consumidores ou de trânsito de drogas.

Em decorrência dessas diretrizes, Sr. Presidente, foi criada, também em 1998, a Secretaria Nacional Antidrogas, um órgão central ligado à Presidência da República. Para que nossa Política Nacional Antidrogas pudesse ser formulada democraticamente, foi realizado o primeiro Fórum Nacional Antidrogas, ainda em novembro de 1998. Por meio desse encontro, ao qual compareceram cerca de 3.000 pessoas, incluindo representantes da comunidade científica, dos órgãos institucionais e das organizações não-governamentais, a sociedade brasileira pôde posicionar-se sobre a maneira como queria prevenir o uso de drogas.

As idéias debatidas foram aproveitadas na formulação efetiva da Política Nacional Antidrogas, definida pelo General Uchôa como uma política moderna, sintonizada com o espírito da Constituição Brasileira de buscar garantir a saúde de todos, concedendo prioridade à prevenção, sem desconsiderar a necessidade de repressão. O órgão responsável pelas atividades de redução de oferta, ou repressão, é o Ministério da Justiça, tendo como executor a Polícia Federal. O órgão responsável pelas atividades de redução da demanda, ou prevenção, está no Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, é a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), cuja atuação tem caráter multidisciplinar, envolvendo a participação de diversos ministérios.

Ao tratar de uma pesquisa encomendada pela Senad ao Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), o Secretário Nacional Antidrogas considerou que seus resultados mostraram uma realidade em que o uso de drogas ilícitas, ainda que preocupante, não aparece como fora de controle. Teríamos no Brasil, conforme a pesquisa, 11% da população quimicamente dependente de uma droga lícita: o álcool. 9% dela seria dependente de outra droga lícita, o tabaco. Entre as ilícitas, a que aparece em primeiro lugar é a maconha, com 1% de dependentes entre a população.

Apesar de devermos, Srªs e Srs. Senadores, estar muito atentos à tendência de crescimento do consumo, o Secretário ressalta que "o Brasil tem fôlego para fazer um trabalho certo, em uma direção certa", o que já se mostra muito mais difícil em países onde o uso de drogas já está mais difundido e arraigado.

O Secretário Uchôa compara o universo das drogas a um leque aberto, onde vão se dispondo, ao longo da semicircunferência, o espaço do usuário, o do dependente químico, o do traficante-vendedor, o do traficante-quadrilha e o da cúpula do crime organizado. Cada um desses setores deve receber um tratamento específico e apropriado, de maneira que se vá fechando o leque.

A questão mais complexa, e também a mais essencial, é como atacar o pólo da demanda, envolvendo os usuários eventuais, os contumazes e os dependentes das drogas. No modo de ver do Secretário Nacional Antidrogas, o ponto decisivo para isso é o engajamento da sociedade. Se os pais, professores, líderes de vários tipos e outras personalidades que são referência para os jovens somarem seus exemplos e suas vozes para alertar quanto aos efeitos nocivos das drogas, temos chances muito maiores de vencer essa briga.

Conclui o conferencista com a noção de que "a sociedade, muito mais do que vítima do problema das drogas, é a solução do problema".

De minha parte, Sr. Presidente, concluo também este pronunciamento, com a esperança de que os diversos setores da sociedade afeitos ao problema, e de que cada família, em última instância, uma vez que nenhuma delas está imune a esse risco, engajemo-nos todos na luta pela prevenção ao uso de drogas, de forma esclarecida e madura, conseqüente e sistemática, pois assim é que poderemos vencê-la.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/11/2003 - Página 36059