Discurso durante a 162ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à falta de diálogo no encaminhamento da apreciação da reforma da Previdência no Senado.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • Críticas à falta de diálogo no encaminhamento da apreciação da reforma da Previdência no Senado.
Aparteantes
Ana Júlia Carepa, Antonio Carlos Magalhães, Demóstenes Torres, Heloísa Helena, Ideli Salvatti, Mão Santa, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 14/11/2003 - Página 36953
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • MANIFESTAÇÃO, FRUSTRAÇÃO, ORADOR, VETO (VET), EXECUTIVO, PROJETO, DESTINAÇÃO, RECURSOS, FUNDO DE DESENVOLVIMENTO, ENSINO FUNDAMENTAL, EDUCAÇÃO, PESSOA DEFICIENTE, ANTERIORIDADE, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, MOTIVO, EMISSÃO, PARECER CONTRARIO, MINISTERIOS.
  • ANALISE, HISTORIA, EVOLUÇÃO, SITUAÇÃO, PESSOA DEFICIENTE, SOCIEDADE, APOIO, PODER PUBLICO, EXPECTATIVA, PROVIDENCIA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ELABORAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), CONTENÇÃO, IRREGULARIDADE, PROJETO, DEFESA, GARANTIA, BENEFICIO, PORTADOR, DEFICIENCIA.
  • CRITICA, PROPOSTA, TENTATIVA, SEPARAÇÃO, ANALISE, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, REFORMA TRIBUTARIA, CAMARA DOS DEPUTADOS, SENADO, DEFESA, DIALOGO, NEGOCIAÇÃO, CONGRESSISTA, TRAMITAÇÃO, MATERIA, REITERAÇÃO, COMPROMETIMENTO, SENADOR, POSSIBILIDADE, APRESENTAÇÃO, EMENDA, PROJETO, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, NATUREZA PREVIDENCIARIA.
  • REITERAÇÃO, POSIÇÃO, SENADO, AUSENCIA, APROVAÇÃO, INTEGRALIDADE, TEXTO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, ORIGEM, CAMARA DOS DEPUTADOS, COMENTARIO, IMPORTANCIA, NEGOCIAÇÃO, DIALOGO, OPOSIÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), VOTAÇÃO, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, NATUREZA PREVIDENCIARIA, ANTERIORIDADE, CONCLUSÃO, ANO.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Romeu Tuma, Srªs e Srs. Senadores, meu discurso, na manhã de hoje, início de tarde, tratará do Fundef, como autor do Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Embora já tenha falado, na última quinta-feira, sobre essa situação, fui procurado no meu gabinete pelo Deputado Eduardo Barbosa, que é o autor do projeto, conversei muito com o Senador Flávio Arns, que é o Relator da matéria, e todos estávamos perplexos com o veto a um projeto tão importante, que traz benefício às pessoas com deficiência.

Felizmente, Sr. Presidente, percebemos que o Presidente Lula já tomou uma medida adequada, correta, correspondendo à expectativa de milhões de brasileiros que atuam nessa área e, com certeza absoluta, às pessoas portadoras de deficiência.

Tanto quanto os Senadores Flávio Arns e Romeu Tuma, lamento o veto por dois motivos. Em primeiro lugar, porque aprendi, ao longo da minha vida, que acordo deve ser cumprido, e essa matéria foi aprovada, por unanimidade, na Câmara e no Senado, com o aval do Governo.

Quando aprovamos, aqui, o Estatuto do Idoso, de nossa autoria, o Ministro da Saúde, no mesmo dia da sanção, começou a questionar o artigo do Estatuto que dizia que os planos de saúde não poderiam discriminar os idosos com uma mensalidade acima daquela que é cobrada dos segmentos abaixo de 60 anos. Naquela oportunidade, eu dizia que o Ministro estava equivocado porque ninguém aprova matérias, por unanimidade, aqui no Congresso, na Câmara e no Senado, sem o aval do Governo.

Esse projeto garante R$8 milhões anuais para atender, infelizmente, milhões de pessoas - conforme o IBGE, são 24,5 milhões. Claro que nem todos estão nesse programa, são casos específicos - o que não significa nada.

Temos que admitir, portanto, que há uma falta de articulação entre o Palácio do Planalto e o Congresso. Por isso, estamos com uma série de problemas. Lembrei aqui o Estatuto do Idoso, poderia lembrar a questão da MP da Cofins, poderia lembrar o caso “90 anos - Berzoini”, poderia lembrar dos transgênicos. E como não lembrar a reforma da previdência? Repito, a minha posição é a mesma desde quando a reforma chegou aqui na Casa, há seis ou sete meses: como está, é impossível ser aprovada. Não mudei uma vírgula. Continuo exatamente com a mesma posição.

Mas, voltando à questão das pessoas portadoras de deficiência, é dado o aval do Governo para a aprovação da matéria, o projeto é aprovado na Câmara e no Senado, por unanimidade, e depois o Presidente Luís Inácio Lula da Silva, que está voltando do exterior, é chamado a vetar, criando um constrangimento desnecessário a Sua Excelência.

Felizmente, o Presidente já tomou todas as medidas para que, no mais tardar na próxima semana, seja editada uma medida provisória.

            Sr. Presidente, como sou muito ligado às pessoas portadoras de deficiência, repito o exemplo que considero positivo e de que tenho orgulho apesar de saber que outras pessoas também o adotam: há cinco pessoas portadoras de deficiência no meu gabinete e que fazem um belo trabalho. Três desses servidores são cegos.

            A Srª Ana Júlia Carepa (Bloco/PT - PA) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Com muita satisfação, ouço V. Exª, Senadora Ana Júlia.

A Srª Ana Júlia Carepa (Bloco/PT - PA) - Senador Paulo Paim, li no Jornal do Senado a declaração do Presidente da Comissão de Educação, Senador Osmar Dias. Com certeza, não é simples fazer a sociedade entender o problema. A sociedade só consegue ver que se tratou de um veto a uma ação positiva para os deficientes. O que a sociedade não sabe é que quatro Ministérios deram pareceres contrários ao projeto, porque ele tinha erros e vícios legislativos que o tornavam passível de ser vetado. Penso que o erro do Governo foi ter proferido o veto com uma única justificativa - a meu ver, a pior delas -, que foi a do Ministério da Fazenda. Eu só queria dividir essa responsabilidade do erro, pois concordo com V. Exª quando diz que falta articulação entre nós. Tanto faltou articulação que aprovamos aqui um projeto apesar do alerta do Senador José Jorge e de vários outros Senadores, de que corria risco, porque continha erros legislativos. Então, a sociedade não sabe que também acabamos cometendo um erro, sim, muitas vezes pelo desconhecimento total das implicações de um ou outro artigo. Mas, na verdade, o projeto também continha erro, Senador. Não quero isentar ninguém de erro aqui, nem nos isentar também da nossa responsabilidade nesse assunto. Parabenizo o Presidente Lula por ter demonstrado seu compromisso de, ao cometer um erro, ser humilde e reconhecê-lo. Isso é fundamental para pessoas públicas. A pessoa que não tem humildade não consegue exercer cargo público. O Presidente, humildemente, reconheceu os erros do projeto, admitiu que tais erros poderiam dar margem a esses problemas, mas, mesmo assim, tomou a decisão de resolver a questão, o que é importante. O atendimento é fundamental, mas não poderia ter sido aprovado daquela forma como foi no Fundef. Repito, parabenizo o Presidente Lula e reconheço que o erro também foi nosso. Registro, como V. Exª já fez, o compromisso do Presidente de, imediatamente, resolver essa situação.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senadora Ana Júlia, V. Exª colabora com o meu pronunciamento e reafirma tudo o que eu estava dizendo. Ninguém aprova nesta Casa um único projeto por unanimidade se não tiver o aval do Governo. O Presidente Lula, ao retornar, foi quem ficou com a carga pesada nas costas e teve que vetar o projeto. Houve erro dos Ministérios, sim, quando permitiram que esta Casa o aprovasse sem nenhuma correção. Ninguém aprova nada aqui sem o aval dos respectivos Ministérios, mas o encaminhamento dado pela nossa Liderança foi por unanimidade, aprovando-se o projeto.

Estou aqui em defesa do Presidente Lula. Para mim, o Presidente da República entrou de graça nessa situação e sofreu o desgaste desnecessário de ter que vetar, como queriam que ele vetasse, o Estatuto do Idoso. Ele ligou para mim às 11 horas da noite e me afirmou: “Não vetarei a proposta, porque entendo que é correta e justa. Amanhã sai no Diário Oficial”. E saiu.

            A minha posição é de reconhecimento de que o Presidente Lula não pode ser prejudicado por um erro dos Ministérios, que acabaram permitindo tal situação. Não acredito que o nosso Líder, a quem respeito muito, os Líderes Aloizio Mercadante e Tião Viana dariam seu aval para aprovação desse projeto se não houvesse o entendimento dos Ministérios correspondentes. Não consigo aceitar tal hipótese.

Sr. Presidente, quando recebi o aparte da Senadora Ana Júlia, eu dizia que tenho muito orgulho em mencionar que trabalho com cinco pessoas portadoras de deficiência. E quem escreveu este discurso foram eles. Não foi o Paulo Paim quem o escreveu. Passo a ler pelo menos parte do discurso que eles escreveram para mim para esta manhã.

Como sabemos, durante muitos séculos, as pessoas com deficiência sempre estiveram à margem das políticas de Estado. Na Idade Antiga, por exemplo, era o próprio Estado que incentivava as famílias a exterminarem seus deficientes, por entender que essas pessoas não colaboravam com o progresso da humanidade, além de desfrutarem da alimentação escassa da época e dos benefícios produzidos pela comunidade.

Os hebreus consideravam que os portadores de alguma deficiência, física ou mental, teriam impureza ou pecado. A deficiência seria uma punição de Deus.

Na Grécia, onde as crianças pertenciam ao Estado, ao Conselho de Anciãos cabia examiná-las ao nascer e decidir se teriam alguma utilidade para o trabalho ou para a guerra. As consideradas disformes eram jogadas do alto do Taigeto , abismo com mais de 2.400 metros de altura, bem próximo de Esparta.

Já Aristóteles pontificava que “é mais fácil ensinar uma pessoa com deficiência a desempenhar uma tarefa útil do que sustentá-la como indigente”, definindo que era preferível dar educação - esse é o objetivo do Fundef - e trabalho aos portadores de deficiência a dar a eles óbolos.

Na Idade Média, os portadores de deficiência eram considerados possuidores de poderes especiais oriundos de bruxas, demônios e outras divindades malignas. Por esse motivo, tinham pouca chance de sobreviver.

A reação data dessa época, quando os senhores feudais e governantes, em parceria com a Igreja Católica, criavam então abrigos para que essas pessoas começassem a saber ganhar o pão. Essa idéia ganha corpo, e os deficientes passaram então a ser assistidos pelo Estado e por parte da sociedade.

Ora, o veto ao projeto - dizem aqui os meus assessores, que são deficientes - que destinava recursos do Fundef a entidades que se dedicam à educação das pessoas deficientes vai de encontro ao que já se começou a fazer na Idade Média, quando o Estado e a sociedade passaram a se responsabilizar pela inclusão social dessas pessoas - estou sendo muito claro: não julgo que a situação seja de responsabilidade do Presidente Lula.

O Brasil já dispensou melhor tratamento a seus deficientes. Inspirado pelo modelo europeu, D. Pedro II determinou a construção de três organizações: o Imperial dos Meninos Cegos, o Instituto dos Surdos-Mudos e o Asilo dos Inválidos, este último criado por influência da Guerra do Paraguai e mantido pelo Estado, destinado àqueles que ficaram deficientes devido à guerra.

O mais recente censo do IBGE aponta que 24,5 milhões de pessoas no Brasil possuem algum tipo de deficiência, o que totaliza 14,5% da população. E, apesar de o País dispor de enorme e larga legislação assegurando direitos à pessoa portadora de deficiência, o Poder Público ainda não está consciente da sua responsabilidade na aplicação dessas garantias em todas as áreas de ação do Estado. O veto em questão é a prova de que temos de refletir, com profundidade, políticas públicas para as pessoas portadoras de deficiência. 

O corte de R$8,7 milhões dos recursos que seriam destinados à educação das pessoas portadoras de deficiência daria a impressão à sociedade, se o Presidente Lula não tivesse rapidamente agido e editado uma medida provisória, de que estaríamos jogando para um segundo plano política que deveria ser prioritária. Sabemos que a educação é a porta de entrada para a cidadania do ser humano e que a cifra cortada, além de insignificante, não daria para atender 1% das matrículas no ensino fundamental e médio que deveriam ser garantidas pela União.

O argumento utilizado para o veto de que o projeto contraria o interesse público é inaceitável. Nenhum argumento resiste. Ora, se os senhores feudais já se preocupavam com seus deficientes, por que a sociedade brasileira não iria preocupar-se com quase 15% da sua população?

Sr. Presidente, antes de dar continuidade ao meu discurso, que foi escrito por pessoas portadoras de deficiência, passarei a palavra ao nobre Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Paulo Paim, eu queria ter a sensibilidade do Senador Tuma: sua indignação o fez chorar. É como disse Che Guevara: “se és capaz de tremer de indignação por uma injustiça em qualquer lugar do mundo, és um companheiro”. Mas queria dizer que o seu Estado, Senador Paulo Paim, o Rio Grande do Sul, é grandioso, seja por sua história, seja por políticos como Getúlio, homem que criou as garantias de trabalho; João Goulart, o pacificador, homem da paz, que, por duas vezes, evitou a guerra civil; Alberto Pasqualini; Mauá, o maior dos brasileiros trabalhadores; e o Senador Pedro Simon, o grandioso, símbolo maior vivo do meu Partido. É um povo ímpar. Mas nenhum excede V. Exª. Sinto-me enriquecido pela presença de V. Exª, que participou das lutas mais belas desta Casa. A luta pelo salário mínimo de US$100 é a sua cara; o Estatuto do Idoso é uma benção de Deus, a nos fazer reviver a imagem de nossos pais; o combate em defesa dos deficientes e do serviço público. V. Exª pode até não chegar à Presidência da República, como Luiz Inácio Lula da Silva - nós fizemos Sua Excelência Presidente -, mas está guardado já pelo que fez. Não precisa nem fazer mais. Rui Barbosa não atingiu a Presidência da República, mas é respeitado, assim como Ulysses Guimarães. É esse o testemunho que quero dar da sua liderança. Apresento-me como aquele que ajudou Cristo, quando o viu tombar na via sacra, nas dificuldades. Quero ser o seu Sirineu nessa luta pelos mais pobres, mais humildes, mais necessitados, mais sofridos.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senador Mão Santa, agradeço e, na verdade, percebo, nas suas palavras, solidariedade ao nosso povo, a nossa gente. Excelente orador, V. Exª, com maestria, demonstra a grandeza daqueles homens que têm compromisso, efetivamente, com um mundo melhor para todos. Por isso, é com alegria que incorporo ao meu pronunciamento seu aparte tão generoso a este humilde Senador, lá do interior do meu Rio Grande do Sul - plagiando V. Exª, que diz: “do meu Piauí”. Senador Mão Santa, estou feliz com a decisão do Presidente Lula de editar a medida provisória; sei que ela sairá na semana que vem.

Para encerrar, quero dizer que haverá, aqui, um grande debate sobre a reforma da Previdência. Mais uma vez, insisto: quem pensa que a reforma da Previdência já está aprovada no Senado - essa é a impressão que se passa - está muito enganado. Não está aprovada a reforma da Previdência, nem a reforma tributária.

Desta tribuna, há cerca de um mês, eu disse: se quiserem fatiar a reforma tributária, terão que fatiar, também, a reforma da previdência. Garantiram-me, com um documento por escrito, que tenho em mãos: a reforma tributária não será fatiada. O documento repudia a idéia de fatiar qualquer emenda constitucional. No entanto, percebo que há um movimento meio encabulado no sentido de fatiar a reforma tributária; já levanto a possibilidade, então, de que se vá para outra PEC paralela.

Afirmo, Sr. Presidente, com muita tranqüilidade, no campo dos direitos iguais, que não aceito pesos e medidas diferentes. O tratamento que derem para a reforma tributária terão que dar também para a reforma da Previdência. Não sei baseado em que esta Casa vai agir; não podemos ter para cada momento posições totalmente diferentes em relação, pelo menos, à tramitação da matéria na Casa.

E mais, Sr. Presidente: ainda acredito muito em um processo de negociação. Senador Romeu Tuma, sei que V. Exª ainda ontem insistiu na mesma tese: de se construir um grande entendimento para as reformas, mesmo no mérito da reforma da Previdência. Até o momento, infelizmente, essa negociação não está avançando.

Todos nós sabemos que não existe tempo hábil para votar a PEC nº 67 e, ainda, a PEC nº 77. Votar uma até o fim do ano já será difícil. Se não houver uma grande boa vontade deste Plenário, não se aprovará nem a PEC nº 67. Calculamos, então, que aprovar a PEC nº 77 é humanamente impossível. Não estou duvidando da boa vontade de quem pensou em aprová-la, não é essa a minha intenção; apenas afirmo que isso é impossível, como o é construirmos um acordo com base na PEC nº 67 e na reforma tributária. Imaginem V. Exªs se surgir, agora, uma paralela também para a reforma tributária.

Vou continuar até o último minuto, Senador Mão Santa. V. Exª conhece as minhas posições. Que ninguém diga que radicalizamos, que não aceitamos dialogar, que não quisemos o entendimento. Ora, até o momento, não foi acatada nenhuma emenda à PEC nº 67, das 336 apresentadas. É impossível! Ontem, recorri a alguns Assessores da Casa, que me falaram que, em 1998, na chamada Emenda nº 20, oriunda do Executivo, no Governo do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, a Câmara dos Deputados - eu estava lá - fez uma colcha de retalhos semelhante a esta que aqui chegou. E foi o Senado da República - V. Exª era o Presidente na época, Senador Antonio Carlos Magalhães - que salvou a redação da Emenda nº 20, porque fez um substitutivo que tirou muita maldade vinda da Câmara devido à confusão da redação que lá foi dada. O substitutivo voltou para a Câmara, foi aprovado e depois sancionado. Posso até discordar, mas reconheço - ontem, os Assessores do Senado me mostravam - que o Senado qualificou em muito o projeto oriundo da Câmara naquela oportunidade, depois de um longo debate.

Na PEC nº 67, da reforma da previdência, há problemas seriíssimos que vieram da Câmara, senão não teriam sido apresentadas 338 emendas, pois Senador não está fazendo emendas de brincadeira, movimentando a assessoria da Casa, a assessoria de gabinetes. Se há 338 emendas é porque há problemas.

É inadmissível que não se aceite mudar uma vírgula e sem acordo, repito, ninguém aqui tem 49 votos.

Senador Antonio Carlos Magalhães, citei seu nome porque, ontem, V. Exª presidia o Congresso quando foi construído esse grande acordo que melhorou muito, para os trabalhadores, a proposta oriunda da Câmara dos Deputados. Pretendo trazer para a tribuna, no momento adequado, o que a Câmara e o Senado na época aprovaram, e ninguém morreu por haver o retorno da peça para a Câmara dos Deputados.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - V. Exª, com a capacidade e, sobretudo, com a coerência de sempre, ocupa a tribuna. Eu ouvia, ainda há pouco, do gabinete, o seu discurso e vim para dar-lhe o meu aplauso pela sua coerência e correção. V. Exª e eu viemos da Câmara e acho que aquela Casa está-se colocando na posição difícil - e acreditei que o Presidente João Paulo pudesse mudar essa situação - de querer se confrontar com o Senado, o que não é bom para o Congresso Nacional e muito menos para a Câmara. Se nós queremos aperfeiçoar, não tem por que a Câmara reagir a esse aperfeiçoamento. Seria o contrário se nós, evidentemente, não tomássemos as medidas de comum acordo com a Câmara, mas o fazemos de maneira que cada Casa do Congresso tenha a sua atuação para melhorar as matérias vindas ou oriundas do Executivo ou do próprio Congresso. Se é indispensável uma harmonia entre os Poderes, que dirá dentro do próprio Poder. Portanto, V. Exª é um homem qualificado como poucos para fazer um trabalho nesse sentido. O que queremos, aqui, é melhorar. Ninguém está contra o Governo nem quer impedir a votação. Agora, às vezes, impedir uma votação é um serviço ao País, porque se evita que saia um projeto ruim, que não tenha consistência e que prejudique ainda mais milhares e milhares de trabalhadores no Brasil. V. Exª é um pioneiro na luta pelo salário mínimo; eu fui logo atrás do ponto de vista de V. Exª e eu vejo em V. Exª um parlamentar excepcional. Não quero fazer isso para agradá-lo. V. Exª sempre teve posições até ideológicas contrárias às minhas, mas eu não posso negar a evidência, assim como acredito que o propósito do Governo deve ser o de acertar. Agora, os desacertos estão sendo freqüentes, talvez não por culpa do Presidente da República, mas é preciso que os Ministros vejam o que fazem, uma vez que o Presidente não pode, pois não é humanamente possível, despachar com 36 Ministros. Se Sua Excelência tem que viajar para o exterior, se tem que viajar internamente, não tem tempo, evidentemente, para despachar com os Ministros. Quero que os Ministros, como o Sr. Berzoini, por exemplo, antes de tomarem uma medida como aquela, levem-na ao Presidente da República para ver se ela é aceita. Tenho certeza de que, pela sua origem e pelas sua tradição, Sua Excelência jamais seria favorável a tais medidas, mas elas são tomadas e, depois, para consertar, é muito difícil. E o desgaste, Sua Excelência não pense que não será seu, não, pois será. Em termos de futuro, será do próprio Presidente. Daí por que penso que o serviço que V. Exª faz é feito ao Governo também. É ao Brasil em primeiro lugar, mas ao Governo também. Muito obrigado a V. Exª.

A Srª Ideli Salvatti (Bloco/PT - SC) - Senador Paim, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senador Antonio Carlos Magalhães, eu queria cumprimentá-lo, porque, de uma forma muito equilibrada e muita tranqüila - e nos passa sempre essa tranqüilidade na forma de falar -, V. Exª faz um alerta que eu chamaria, naquilo que é dito hoje, de uma posição positiva e propositiva. V. Exª não somente diz o que o Governo poderia ou não fazer, mas aponta também o caminho para que haja uma ligação maior, um entendimento, e se faça aqui uma ampla negociação. Que a Câmara entenda - sei que o Presidente João Paulo é sensível aos argumentos usados por V. Exª - que se o Senado é a Casa revisora, ele tem que revisar; que se há problemas, temos que ajustar. E é isso que queremos fazer. V. Exª disse muito bem, eu me sinto contemplado, que ninguém aqui é contra o Governo. Pelo contrário, V. Exª tem a preocupação, inclusive, de preservar a figura do Presidente Lula.

Aqui, inicio o meu discurso abordando a questão do veto à pessoa portadora de deficiência. Ora, esta Casa votou porque o Palácio deu sinal verde. Depois, deram para Sua Excelência vetar. Então, o Presidente não pode se submeter a uma situação como essa, que é muito ruim para o País e para si próprio.

Senadora Ideli, concedo a V. Exª um aparte.

A Srª Ideli Salvatti (Bloco/PT - SC) - Senador Paulo Paim, eu queria tecer alguns comentários sobre o pronunciamento de V. Exª e dizer, em primeiro lugar, que no episódio do veto ao projeto de destinação de recursos do Fundef para as instituições de ensino que não são públicas e atendem portadores de necessidades especiais, tivemos um problema operacional, mas o resultado foi muito melhor do que o que aprovamos. E quero dizer isso de forma muito clara: primeiro, preservamos os valores do Fundef, destinando exclusivamente, como prevê a legislação, recursos para as instituições públicas de ensino fundamental. Em segundo lugar, na medida provisória que deverá sair nos próximos dias, a informação que nos chegou é de que os recursos serão superiores aos míseros 8 milhões anuais que teríamos se o projeto não fosse vetado. Portanto, apesar de toda a contramão de se aprovar por unanimidade ou de se vetar, a própria sensibilidade do Presidente da República acabou dando um resultado extremamente positivo para algo cuja solução é importantíssima. A rede pública de ensino, efetivamente, não tem condições de atender de forma adequada determinados níveis de deficiências. Quanto às exigências do atendimento, normalmente as Apaes têm uma condição bastante diferenciada para executá-las. Nesse episódio, temos que olhar principalmente o resultado, que foi positivo. Apesar dos problemas que tivemos nos encaminhamentos, o resultado foi extremamente positivo e debito isso à generosidade e sensibilidade, mais uma vez, do Presidente da República. Agora, com relação à reforma da Previdência, Senador Paulo Paim, V. Exª vai me desculpar, mas eu queria tecer alguns comentários no seguinte sentido: não foi aprovada nenhuma emenda da PEC nº 67 e todos nós sabemos por quê. Por que nós estabelecemos, a partir da proposta do Relator, Senador Tião Viana, uma emenda paralela? Para que a proposta vinda da Câmara pudesse ser promulgada sem ter que retornar àquela Casa, o que impediria que houvesse qualquer tipo de deliberação sobre a reforma neste ano ainda. Então, foi uma opção muito clara de dar andamento naquilo que pudesse ser consensual. O Senado teve capacidade de negociar, de avançar, porque se não tivesse tido não estaria no Jornal do Senado de hoje que a proposta paralela inclui paridade entre ativos e inativos. Na proposta paralela, são estabelecidos valores diferenciados de isenção para portadores de doenças graves. Na proposta paralela, o Senado conseguiu avançar na questão da transparência, do controle social sobre a Previdência, ou seja, em questões fundamentais. Agora, por que na paralela? Por que na paralela? Porque, caso quiséssemos fazer este aperfeiçoamento na 67, cuja prerrogativa é do Senado, que ainda está trabalhando para aprimorar a reforma da Previdência, obrigar-se-ia o retorno à Câmara para uma deliberação naquela Casa. Então, creio que foi uma saída construída, costurada e inteligente, no meu ponto de vista. Não foi construída apenas por uma articulação interna do Senado, mas também atendeu ao pleito dos Governadores, que, neste momento, indiscutivelmente, são os principais interessados em que a reforma da Previdência seja deliberada - pelo menos em parte - neste ano e não seja postergada, porque, se tiver que voltar à Câmara, não será aprovada este ano. A chance é mínima para isso. Portanto, creio que está correto o encaminhamento, no sentido de trabalharmos no aprimoramento da PEC paralela, e devemos aprovar, sim, a PEC sem ter que obrigá-la a retornar à Câmara.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Senador Paulo Paim, eu só queria um segundo de V. Exª para falar sobre esse aparte.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Concedo um aparte ao Senador Romeu Tuma.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - V. Exª me permite, Senador Romeu Tuma? Não demorarei 30 segundos. Creio que a Senadora Ideli Salvatti não foi feliz em dizer que foi positivo o veto em relação aos deficientes. O que seria positivo é se S. Exª dissesse que, no dia do veto, saiu a nova medida provisória para os deficientes, dando tais e tais vantagens. Aí, sim. É isso o que tenho a dizer, que não foi uma colocação feliz - aliás, todos nós, às vezes, fazemos colocações infelizes. Desculpe-me! Quanto a outra parte da sua manifestação, eu não a discuto, embora não concorde com ela.

A Srª Ideli Salvatti (Bloco/PT - SC) - Senador Paulo Paim, permite-me novamente?

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Pois não. V. Exª tem os mesmos 30 segundos. Não estou presidindo a sessão, mas concedo-lhe os mesmos 30 segundos.

A Srª Idelli Salvatti (Bloco/PT - SC) - Caso eu tenha sido mal interpretada, eu não disse que o veto foi positivo; eu disse que, da confusão criada entre a aprovação por unanimidade e o veto, gerou-se uma saída que é mais positiva para o Ensino Fundamental, porque preserva a integralidade das verbas do Fundef para as escolas públicas, e a medida provisória atende aos interesses das instituições públicas que atendem os deficientes, inclusive com um valor superior ao que foi vetado pelo Presidente.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senadora Ideli Salvatti, quero lhe dizer rapidamente, para permitir a palavra ao Senador Romeu Tuma, que, de fato, há uma discordância na sua própria argumentação, que quero destacar.

Em primeiro lugar - sou da Base do Governo -, se não queremos que a reforma da Previdência retorne à Câmara, com a maior tranqüilidade, qualquer aspirante de leitor do Regimento Interno diz: “Façam-se as emendas supressivas”, e ela não volta! Faça-se a emenda supressiva e tudo bem, vamos discutir na paralela o que foi suprimido, e acabou a polêmica! Emenda supressiva, votada por acordo de todos os Senadores. Creio que teríamos 81 votos. Passamos à paralela para discutir as polêmicas, e promulga-se a lei. Não há problema nenhum.

Fico só com este argumento. Eu poderia aqui alavancar uma dúzia de argumentos. Inclusive, se não pode ser fatiada a da Previdência, como pode a Tributária? Não há argumento nesse sentido que convença alguém. Ou pode ou não pode; pode ser fatiada ou não. A assessoria me disse que não pode ser fatiada. Então, as duas não podem.

A Senadora Ideli Salvatti sabe que tenho um carinho enorme por ela, sei o quanto que ela brigou para que houvesse as alterações, e vamos continuar lutando juntos, para fazermos os entendimentos e um grande acordo neste plenário.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Senador Paulo Paim, eu estava presidindo a sessão e comentei com o Senador Antonio Carlos Magalhães sobre a serenidade, a tranqüilidade e a inteligência com que V. Exª traz os assuntos para serem discutidos sobre as reformas que estão afligindo a sociedade brasileira. Entendi que deveria externar este sentimento e cumprimentá-lo. Há também o problema do Fundef, do veto sobre o atendimento ao deficiente. Por que digo isso? Porque, em visita a Bragança Paulista com o Governador Geraldo Alckmin, o prefeito de Bragança Paulista fez questão de me mostrar as obras que realizou com os financiamentos do Governo. S. Exª quis parar em uma escola, Senador Antonio Carlos Magalhães, Senador Paulo Paim, Senadora Heloísa Helena. Entramos, e foi um choque de alegria que levou quase todo mundo às lágrimas. O prefeito, por sua conta, instalou uma escola para deficientes. Fomos recebidos com beijos e abraços por aquelas crianças. Só o amor pode trazer-lhes a vida novamente. E V. Exª fez algumas citações históricas de como eram tratadas essas crianças - inclusive citou Aristóteles II - no seu brilhante depoimento. Eu queria até imitar o meu grande amigo Mão Santa, quando cita a esposa em todos os seus discursos. Contei o caso dos deficientes à Zilda, minha esposa, que é professora, foi diretora de ensino e teve várias atividades em toda a sua vida. Ela me disse: “É uma pena porque o Estado não está viabilizando a presença dos deficientes nas salas de aula”. Praticamente eles têm de ir para uma escola privada ou para instituições que vivem da esmola de terceiros para poderem trabalhar. Quando cheguei aqui, duas semanas depois, o Senador Flávio Arns estava defendendo com entusiasmo a aprovação, por unanimidade, das escolas para os deficientes. Liguei para a minha esposa da Secretaria e disse-lhe: “Foi aprovado; o seu sonho foi realizado”. Isso significa a volta do estímulo aos deficientes. Foi um choque tremendo. V. Exª tem razão, quando diz que unanimidade indica que o Governo aceitou, porque seria muito mais simples os Ministros se dirigirem aos Líderes do Governo na Casa para fazerem emenda corretiva. Se aqui, no Senado, fosse corrigido, voltaria para a Câmara sem nenhum prejuízo. Qual é o prejuízo que tem o projeto de reforma que volta para a Câmara? Há toda uma confiança na Câmara que vai analisar o que é modificado no Senado, aprovar ou rejeitar aquilo que foi emendado na Casa. Não me consta que a reforma previdenciária tenha anterioridade, ou seja, que tenha de ser aprovada num ano para vingar-se no ano seguinte. Isso não me consta, a não ser que eu esteja ignorando a lei, que eu seja completamente ignorante em relação à lei. V. Exª tem razão. Moralmente, isso é um sentimento meu. Admiro muito o Senador Tião Viana, sou amigo de S. Exª, gosto dele e gostaria de ajudá-lo sempre que fosse possível. Pergunto-me: se o Governo aceita algumas teses da medida provisória paralela, por que não incluí-las no relatório da 67? Qual é a diferença? Para não ir à Câmara? Isso não precisa ser aplicado amanhã, não tem a urgência necessária que a legislação impõe. Quando V. Exª mencionou um grande acordo, hoje pela manhã, perguntei ao Senador José Agripino, que é meu Líder, por que razão não se senta para discutir? Ele respondeu: “Sentar-se para discutir, tem-se sentado, mas não há possibilidade de nenhuma abertura de acordo”. Então, V. Exª propõe, e nós endossamos. A própria Senadora Heloísa Helena, com toda a vibração e energia com que defende os seus pontos de vista, deve pensar da mesma maneira. Eu também gostaria de ver aberta uma porta para se discutir o que é aceitável ou não, sem aquela insistência de que a matéria não pode voltar para a Câmara. Fico sempre atento a todos os discursos e estou aprendendo com V. Exª o comportamento e a necessidade de apoio que tem o trabalhador privado e o trabalhador público. Não vejo diferença entre o trabalhador privado, o rural e o público. Todos têm que ser tratados com eqüidade. Muito obrigado.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senador Romeu Tuma, agradeço as suas palavras generosas.

Eu gostaria de complementar com uma única frase: se pega a tese de que não podemos modificar o que a Câmara aprova, porque a matéria volta para a Câmara, então o Senado serve para quê? Fica essa pergunta.

O Senado está aqui para isto mesmo: revisar, alterar e remeter para a Câmara. A Câmara aceita ou não, promulga e manda para a sanção. Somente isso.

Ouço a Senadora Heloísa Helena.

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Paulo Paim, fico até constrangida ao entrar, mais uma vez, no debate da reforma da previdência. Eu, V. Exª, o Senador Mão Santa, o Senador Demóstenes Torres e vários Senadores tivemos a oportunidade de estar aqui presentes nos cinco dias de sessão de discussão. Vários Senadores estavam na Casa. Infelizmente, a grande maioria - 99% dos Senadores que votarão esta reforma da previdência com o Governo - não estava aqui para debater. Duas coisas sempre me moveram muito na vida. Por isso agradeço muito que, além de uma formação trotskista, de esquerda, tenha tido formação cristã. Como cristãos, parece que temos uma probabilidade maior de sentir na nossa pele, na nossa alma e no nosso coração a dor do outro. Às vezes, isso acontece. Che Guevara não era cristão, mas disse uma das mais belas frases relacionadas à solidariedade e à fraternidade humana. Eu me sinto sempre na obrigação de fazer alguns reparos em relação ao debate da reforma da previdência. Pelo amor de Deus! Porque não quero ser cúmplice de nenhuma cantilena enfadonha e mentirosa. Primeiro, eu me sinto na obrigação de explicar, porque o povo nos assiste e pensa ou que não sabemos ler, ou que estamos fazendo de conta e queremos enganá-los. A Proposta de Emenda à Constituição nº 77 é uma boa declaração de afeto, de compromisso. Não traz nada. Como já tivemos a oportunidade de discutir, ela é, legalmente, aquilo que chamamos de norma de eficácia limitada. Alguém dizer que esta PEC traz benefícios aos aposentados, servidores públicos e portadores de deficiência é uma mentira. Aqui está dizendo: “definidos em lei complementar”. Trata-se apenas de uma carta de intenção. Eu e V. Exª temos em mente, para sair logo agora na PEC 67 ou na PEC 77, em qualquer uma. Isso não consta aqui. A alteração proposta para o art. 40, § 4º, da Constituição está clara. Basta ler. A fome que passei na infância não consumiu os meus neurônios, a ponto de eu não conseguir ler. Está aqui, e há emendas de vários Srs. Senadores a esse respeito:

(...) ressalvados os casos de atividades exercidas exclusivamente sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e os de servidores portadores de necessidades especiais, definidos em lei complementar.

            São os trabalhadores que, em função do seu trabalho - na área de segurança pública, de educação ou de saúde - possam ter prejuízo à saúde ou portadores de necessidades especiais definidos em lei complementar. Isso significa que vamos aprovar a carta de intenções, mas será necessária uma lei complementar, a ser aprovada na Câmara e no Senado, para que se confira o direito. Portanto, é mentira dizer que está garantido o direito para deficiente ou para quem trabalha. Desculpe-me, Senador Paulo Paim, só para complementar. Outra coisa: há propostas de vários Senadores, preocupadíssimos com os trabalhadores da área de segurança pública. Eles ficam fazendo de conta que nos enrolam. Pelo amor de Deus! Como muitas emendas nossas tratam dos trabalhadores da área de segurança, vejam o que a PEC nº 77 estabelece aqui para o § 10 do art. 144 da Constituição Federal:

Às aposentadorias e pensões dos servidores policiais que integram órgãos com funções de polícia judiciária, rodoviária e ferroviária da União e de polícia judiciária dos Estados e do Distrito Federal aplica-se o que for fixado em lei específica do respectivo ente federado.

Ou seja, os governos estaduais com as suas assembléias legislativas terão que aprovar. Vou mais à frente, porque temos de explicar. A mesma coisa ocorre em relação ao desconto da aposentadoria.

Art. 201. ...

§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e os de segurados portadores de necessidades especiais, definidos em lei complementar.

Portanto, significa que é uma boa carta de intenção. Não há problema nenhum. Posso até votar favorável, porque podemos votar qualquer declaração de amor. Mas é mentira que isso signifique eficácia. Outra coisa: a inclusão. Vários Senadores têm emendas para inclusão dos filhos da pobreza, dos excluídos, dos marginalizados, do camelô, do bóia-fria, do cortador de cana. Aqui, não inclui não. Vamos acabar com essa conversa. O que diz o § 13 do art. 201 da PEC 77?

O sistema especial de inclusão previdenciária de que trata o §12 abrangerá os trabalhadores sem vínculo empregatício (...) e terá alíquotas e carências inferiores aos vigentes para os demais segurados do regime geral de previdência social (...).

A primeira parte do parágrafo é exatamente o que defendemos. V. Exª, eu e vários Srs. Senadores têm emenda sobre isso. Entendo que devam ser incluídas as donas de casa. No entanto, para conferir direito, eu preciso dizer qual é o percentual; aqui é declaração de amor. Está tudo muito bem, podemos fazer. Mas não tem. Portanto, não inclui os filhos da pobreza, não resolve os problemas de integralidade, paridade, nem de transição. Há pessoas que não se importam quando a dor é no outro. Esse é o problema do País. Como posso eu defender uma PEC em que um trabalhador que ganha R$300,00, R$400,00, vai ser comunicado agora de que terá que trabalhar mais dez anos? Gerou-se uma conversa fiada no imaginário popular de que essa proposta de reforma da previdência só atinge quem ganha mais de R$2.400,00. Já pensou? Que conversa mentirosa! O maior prejudicado é quem ganha menos. O que ganha mais vai ser prejudicado também, porque será submetido a outra regra de transição, sem integralidade e sem paridade. No entanto, a discussão para aqueles que recebem mais de R$2.400,00 é fundo de pensão; é outra história. Quem ganha até R$2.400,00 geralmente entrou mais cedo no mercado de trabalho. É o filho da pobreza, aquele que vai ser comunicado agora de que trabalhará, no mínimo, mais sete anos. Do contrário, terá um corte de 35% na sua aposentadoria. Fica difícil reagirmos com serenidade em relação a um debate como esse. Se fosse eu quem estivesse fazendo a opção, se fosse eu quem ganhasse R$300,00 e estivesse falando para o Governo: “Que bom! Eu lhe darei 35% do meu salário se quiser me aposentar agora” ou “Não tem problema, ficarei, por amor, mais 7, 8, ou 10 anos de trabalho, ganhando R$300,00”. E as pessoas sentem-se no direito de definir, mudar as regras estabelecidas para o outro. Isso, sinceramente, é de cortar o coração. Por isso eu me sinto na obrigação de fazer esses reparos. Conheço o esforço de V. Exª, Senador Paulo Paim, sei da sua vida de luta e de dedicação a este tema. Mas o Senado precisa se conscientizar disso ou assumir. Se quiser aprovar, assuma. Não há nenhum problema. Assuma que não está incluindo os filhos da pobreza, assuma que não está fazendo nada pelos trabalhadores do setor privado, porque poderia acabar com o fator previdenciário, e assuma que está impondo regras injustas aos trabalhadores do setor público. Assuma! De preferência, assuma também os “carguinhos” que está ganhando. Não venham com conversa. Depois, encontramos os servidores, como os que estavam no gabinete de V. Exª, distribuindo santinhos, para ver se Deus e Nossa Senhora conseguem iluminar este ninho de serpentes. O que eles nos dizem? - “Ah, encontrei um Senador que disse: “Na hora de votar o destaque dos aposentados, eu voto com você””. Se o Governo, que tem um balcão de negócios - está distribuindo ministério, cargos -, está dizendo que está com dificuldades... Na verdade, diz na imprensa que está tudo bem, tudo firme, mas está com dificuldades, como bem diz V. Exª. Se eles estão com dificuldades de obter 49 votos, imaginem nós aqui! Como teremos 49 votos? Eles aceitarão que aprovemos um requerimento? Para emendar podem até aceitar. Para suprimir? Para eles terem de colocar 49 em temas absolutamente polêmicos? Não há nenhum problema em assumir. Votem, assumam e enfrentem a opinião pública, porque não é problema nenhum ter uma opção política, uma concepção programática e uma convicção ideológica. Não há problema nisso. No entanto, mentir, na nossa idade, fica realmente esquisito.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/11/2003 - Página 36953