Discurso durante a 162ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à morosidade com que o governo trata da reparação de danos causados por sanções impostas pela ditadura militar a servidores civis e militares brasileiros.

Autor
José Maranhão (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: José Targino Maranhão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Críticas à morosidade com que o governo trata da reparação de danos causados por sanções impostas pela ditadura militar a servidores civis e militares brasileiros.
Publicação
Publicação no DSF de 14/11/2003 - Página 36962
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • REFERENCIA, LEGISLAÇÃO, CONCESSÃO, ANISTIA, REINTEGRAÇÃO, PRESO POLITICO, SOCIEDADE, PERIODO, REGIME MILITAR, CRITICA, GOVERNO, BRASIL, DEMORA, PAGAMENTO, CIDADÃO, VITIMA, VIOLENCIA, PROIBIÇÃO, DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS, DITADURA.
  • COMENTARIO, INEFICACIA, RECURSOS, ESTADO, REPARAÇÃO, DANOS, CIDADÃO, REFERENCIA, INFORMAÇÕES, COMISSÃO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), DIFICULDADE, AGILIZAÇÃO, PROCESSO, ANISTIA, REGISTRO, PUBLICAÇÃO, IMPRENSA, OCORRENCIA, MORTE, BENEFICIARIO, ANTERIORIDADE, OBTENÇÃO, RESTITUIÇÃO, GOVERNO.
  • DEFESA, URGENCIA, PROVIDENCIA, GOVERNO FEDERAL, AUMENTO, NUMERO, MEMBROS, REFORÇO, ATIVIDADE, COMISSÃO, ANISTIA, AMPLIAÇÃO, ASSESSORIA JURIDICA, ASSESSORIA TECNICA, CONTENÇÃO, OBSTACULO, OBTENÇÃO, RECURSOS, NEGOCIAÇÃO, SOCIEDADE ANONIMA, CUMPRIMENTO, PORTARIA, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), Diário Oficial da União (DOU).
  • LEITURA, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, OFICIO, AUTORIA, GRUPO, DEFESA, ANISTIA, PRESO POLITICO, DESTINAÇÃO, JOSE DIRCEU, MINISTRO DE ESTADO, CASA CIVIL, SOLICITAÇÃO, CONTENÇÃO, IMPASSE, REPARAÇÃO, DANOS MATERIAIS, DANOS MORAIS, CIDADÃO.

O SR. JOSÉ MARANHÃO (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o assunto que vou tratar aqui, com certeza, é também muito caro ao Senador Paulo Paim.

Sr. Presidente, o Estado brasileiro tem pouca pressa em resgatar a grande dívida material e principalmente moral que tem com as vítimas da longa noite que foi a ditadura militar de 1964. Dezenas de milhares de cidadãos tiveram seus direitos fundamentais violentados e seus projetos de vida destruídos por não se submeterem ao regime do arbítrio que, por tanto tempo, infelicitou o nosso País.

O próprio regime militar reconheceu, já em sua fase de distensão e no ocaso de sua existência, a obrigação de reparar tais crimes, o que fez parcialmente por força da Lei º 6.683, de 1979, que concedeu perdão aos perseguidos políticos, permitindo a reversão ao serviço dos que haviam sido privados de seus cargos ou empregos nos órgãos da administração direta ou indireta.

A Emenda Constitucional nº 26, de 1985, ampliou a reparação dos danos, inclusive determinando a correção dos salários dos inativos anistiados, com as promoções e progressões salariais a que fariam jus se houvessem permanecido em atividade.

Finalmente, a Constituição de 1998, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, consolidou, em seu art. 8º, o processo nacional de anistia, estendendo a todos os brasileiros que tiveram, por motivos políticos, seu direitos violentados, assegurando as promoções, na inatividade, ao cargo, ao emprego ao posto ou à graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e nos regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos, civis e militares, e observados os respectivos regimes jurídicos. Esse dispositivo constitucional foi regulamentado pela Lei 10.559, de 13 de novembro de 2002.

Lamentável que a ordem democrática, que nos custou tantos sacrifícios restaurar, não se disponha a resgatar essa dívida com a prontidão e a diligência necessárias. Pela morosidade, a atual administração contribui para prolongar no tempo as injúrias mais diretas e pessoais que a ditadura infligiu à sociedade brasileira. Não podemos esquecer que os crimes perpetrados, que chegaram ao extremo de eliminar vidas, tiveram ampla natureza moral e econômica, cuja significação para as vítimas não se esgotou no ato da violência, mas se avolumou pela continuidade no tempo de seus efeitos nefastos.

Foram carreiras profissionais, projetos e perspectivas existenciais que a ditadura destruiu, atingindo brutalmente pessoas e suas famílias, privadas que foram, às vezes, por longo tempo, em outras, de forma definitiva, da possibilidade de uma reconstrução condigna, ao negar-lhes os direitos e as oportunidades de realização pessoal. Não reparar pronta e plenamente esses malefícios da ditadura equivale a um ato de cumplicidade com os seus crimes.

O processo nacional de anistia segue morosamente, não obstante já transcorridos quase 15 anos - repito, não obstante já transcorridos quase 15 anos - desde que a Constituição Federal estabeleceu os princípios de sua operação. É inexplicável a flagrante inadequação dos mecanismos e recursos que o Estado brasileiro destina ao exame e à solução das dezenas de milhares de pleitos que afluem de todo o País. Estima-se em cerca de 40 mil os processos protocolizados no Ministério da Justiça, com previsão de finalização de apenas três mil por ano, ritmo em que seriam necessários, ainda, mais 13 anos para o despacho dos processos já acumulados a despeito do laborioso esforço do Presidente da Comissão de Anistia, Dr. Marcelo Lavenère Machado.

Artigo publicado no jornal Correio Braziliense, de 2 de fevereiro de 2003, denuncia que dezenas de possíveis beneficiários das aposentadorias especiais, quase sempre pessoas em idade avançada e enfermas, não resistiram à longa espera, vindo a falecer, alguns em situação de extrema privação, antes de serem atendidas.

Diante disso, acredito que se faz urgente que o Ministério da Justiça adote as seguintes providências:

1 - eleve o número de membros das três câmaras da Comissão de Anistia de 3 (três) atuais para pelo menos 9 (nove);

2 - intensifique os julgamentos, em todas as Câmaras, passando as reuniões de mensais para semanais;

3 - amplie o quadro de assessores jurídicos e de pessoal técnico em proporção ao número de membros das câmaras de avaliação;

4 - remova as dificuldades para o pagamento das reparações concedidas, sob a infundada alegação da falta de recursos.

            Sr. Presidente, gostaria de ler e incorporar ao meu discurso o ofício subscrito pelo Sr. Carlos Fernandes, atual Presidente da Associação Brasileira de Anistiados Políticos, dirigido ao Ministro-Chefe da Casa Civil, o eminente Dr. José Dirceu. O ofício diz o seguinte:

Os impasses criados em torno da aplicação da Lei nº 10.559/02 exigem que prestemos esclarecimentos a V. Exªs, a fim de, julgamos, auxiliar nas decisões a serem tomadas por essa Digna Comissão Interministerial.

Iniciamos por informar, em documento anexo, a verdadeira dimensão dos valores em atraso referentes aos processos de aeronautas, que tanto escândalo causaram ao governo. Do demonstrativo percebe-se que houve um cálculo 8,5 vezes maior do que seria correto, o que, evidentemente, leva à impressão de que os demais processos teriam a mesma dimensão.

Esses números sensacionalistas, exagerados e mentirosos foram dados como razão para o atraso na apreciação dos processos de anistia que estão aí. E eles não são verdadeiros.

O MONTANTE DAS INDENIZAÇÕES

A avaliação feita pelo Ministério da Justiça quanto ao montante a ser despendido está superdimensionada, por existirem processos protocolados na Comissão de Anistia que não têm direito a qualquer indenização.

O Governo tem dito que há 40 mil processos de anistia a serem examinados e alega que o País não tem condições de pagar tantas indenizações. Seria o caso de perguntar quanto o País pagou pelas execuções sumárias que foram feitas pelo regime de 64, pelas perseguições e todo um aparato que foi montado para garantir a máquina da repressão funcionando como uma engrenagem cruel, que cassava mandatos políticos, mandatos populares, demitia professores, cassava os estudantes nas universidades.

Todos os países do mundo que tiveram experiência com a anistia pagaram o seu preço. O erro foi do Estado e o atual Governo, mais do que ninguém, tem obrigação moral com esses segmentos injustiçados da sociedade brasileira, porque é um Governo cuja luta, conhecida de todos, sempre foi em defesa da cidadania, da democracia e de compromisso com a reconstitucionalização do Brasil.

            A Argentina chegou a pagar US$655 milhões. O Uruguai, só até 1999, pagou US$95 milhões para indenizar os prejuízos que o Estado totalitário causou aos cidadãos - e não foram apenas prejuízos materiais, mas, sobretudo, prejuízos morais.

Como o ofício é longo, Sr. Presidente, quero anexá-lo ao meu pronunciamento. Peço, portanto, que V. Exª o considere lido e o incorpore ao meu discurso.

Por fim, a última sugestão que queremos fazer à Comissão encarregada da apreciação dos projetos de anistia:

5 - realize negociações com as sociedades anônimas de economia mista (Petrobrás, Banco do Brasil, Banco do Nordeste, entre outras), de que o Governo Federal detém a maioria das ações, para que assumam a responsabilidade pelo pagamento aos anistiados a elas vinculados no qüinqüênio de que trata a Lei nº 10.559. E não pode ser diferente, até porque essas empresas são do Governo, e foi o Governo brasileiro, na época dirigido por uma ditadura militar, que impôs esses sacrifícios e prejuízos a cidadãos brasileiros.

6 - adote medidas que permitam o cumprimento de portarias assinadas pelo Ministério da Justiça e publicadas no Diário Oficial da União concernentes ao tema. Para que essas portarias, que até hoje têm sido apenas uma declaração de intenção do Governo, especificamente do Ministério da Justiça, não fiquem apenas como uma satisfação que se dá ao público, que se dá à sociedade, sem que tenham atingido sua eficácia. Só o julgamento desses processos restituirá aos injustiçados do Regime de 64 os direitos que lhe foram negados.

Repito, Sr. Presidente: não assegurar pronta e justa reparação a todas as vítimas da ditadura é assumir uma atitude de cumplicidade com seus crimes.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/11/2003 - Página 36962