Discurso durante a 162ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Transcurso dos 180 anos do Poder Legislativo brasileiro, destacando a sua trajetória histórica e suas funções primordiais.

Autor
Lúcia Vânia (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/GO)
Nome completo: Lúcia Vânia Abrão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. LEGISLATIVO.:
  • Transcurso dos 180 anos do Poder Legislativo brasileiro, destacando a sua trajetória histórica e suas funções primordiais.
Publicação
Publicação no DSF de 14/11/2003 - Página 36983
Assunto
Outros > HOMENAGEM. LEGISLATIVO.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, LEGISLATIVO, ANALISE, HISTORIA, CRIAÇÃO, EVOLUÇÃO, SENADO, IMPORTANCIA, REFORÇO, AUTONOMIA, PODER PUBLICO, BRASIL, CONTRIBUIÇÃO, IMPLANTAÇÃO, DEMOCRACIA.
  • COMENTARIO, ELOGIO, DESENVOLVIMENTO, ATIVIDADE, LEGISLATIVO, UTILIZAÇÃO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, TELEVISÃO, JORNAL, INTERNET, APROXIMAÇÃO, POPULAÇÃO, EXPECTATIVA, SENADO, CUMPRIMENTO, FUNÇÃO LEGISLATIVA, GARANTIA, ORDEM, DEMOCRACIA, FEDERAÇÃO.

A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, comemoramos, neste ano de 2003, o aniversário de 180 anos do Poder Legislativo no Brasil. A data usada como base para a comemoração é a de instalação da Assembléia Constituinte de 1823, que fora encarregada da elaboração da Carta Magna da Nação recém-nascida.

            É sempre importante retomarmos a reflexão sobre as funções primordiais do Legislativo, em especial as desta Casa, e o estudo da História nos dá essa oportunidade de atualizar seus temas, de aperfeiçoar o entendimento de nossa realidade nacional nos dias de hoje.

A experiência da Assembléia Constituinte em 1823 contrapôs duas facetas do trabalho legislativo.

De um lado, havia a necessidade de normatização das funções públicas em nosso País. Nesse sentido, a criação do Legislativo representou, naquele momento, um pacto nacional pró-autonomia, rapidamente transformado em vigoroso movimento separatista contra a metrópole portuguesa.

De outra parte, o Legislativo foi, também, a encarnação nacional do espírito da separação dos poderes, uma tentativa de estabelecimento de mecanismos de compensação que impedissem a continuidade das experiências absolutistas, típicas da Europa Ocidental, abrindo espaço para participação política de contingentes cada vez maiores da população. Historicamente, acabamos por representar uma bem dosada mistura do caminho político da Revolução Francesa com a construção mais suave que caracterizou a montagem da democracia liberal inglesa.

Nossa primeira experiência parlamentar, entretanto, foi abruptamente cortada pelo Imperador D. Pedro I, que dissolveu a Assembléia em finais de 1823, impedindo o avanço da discussão, que apontava para uma restrição das atribuições do governante, em favor de um controle mais intenso do Legislativo.

Entretanto, não pôde furtar-se o Imperador a reconhecer a necessidade da divisão de poderes. Dessa forma, a Constituição outorgada de 1824 estabeleceu definitivamente o Parlamento bicameral, sistema que mantivemos com modificações mínimas até os dias de hoje.

As primeiras eleições para o novo Parlamento foram realizadas ainda em 1824. Entretanto o Imperador ainda levou quase dois anos para convocar os eleitos e instalar a Câmara e o Senado, o que só veio a acontecer em 1826. O Senado foi imaginado, desde os primórdios, como uma Casa mais conservadora - não no sentido de retrógrado, mas de estabilidade -, com a função de representação das províncias e, por extensão, da própria unidade nacional, relativamente imune à volatilidade dos interesses políticos momentâneos, mais bem representados pela Câmara dos Deputados. Dentro do padrão político da época, a estabilidade exigida do comportamento da Casa foi consignada na vitaliciedade dos seus representantes.

A experiência republicana, iniciada em 1889, mexeu pouco nessa concepção política. O Senado estabelecido pela Assembléia Constituinte de 1890 é a Casa de representação do pacto federativo, como ficou estabelecido no projeto revisado por Rui Barbosa, promulgado no ano de 1891. A vitaliciedade do Senado do Império foi substituída, sabiamente, por um regime de mandatos renováveis, mas com um período maior do que o da Câmara.

Ainda somos a Casa da Federação, representantes da estabilidade e continuidade da Nação Brasileira. Mas, constantemente, devemos questionar-nos sobre o que a sociedade brasileira espera de nós, e se estamos ou não cumprindo plenamente nosso papel.

A construção da democracia em nosso País tem sido um processo longo, inclusive com períodos de indesejável retrocesso, mas que evoluiu, indiscutivelmente, para o estabelecimento de instrumentos de controle social. Não se admite mais a existência de “caixas-pretas” políticas. A sociedade acompanha cada vez mais de perto, cada vez mais próximo do chamado “tempo real”, o funcionamento das instituições públicas.

É um desafio constante para o Parlamento viabilizar canais de comunicação que tornem mais transparente nosso trabalho, uma vez que a democracia moderna exige exatamente isso: responsabilização, clareza nas decisões, difusão de conhecimento, debate político enriquecedor, visão de conjunto.

Rui Barbosa, figura maior deste Senado, e, não sem razão, considerado nosso patrono, viveu em tempo muito diferente do nosso. Suas memoráveis batalhas pelo aperfeiçoamento do sistema republicano democrático, representativo e federativo tinham que ser travadas, freqüentemente, fora do âmbito da velha sede do Senado no Rio de Janeiro. A maneira de chegar à população naquela época era essa: presença física em praça pública; viagem por várias partes do País em suas notáveis campanhas pela Presidência da República; nos tribunais, defendendo vítimas de abusos perpetrados pelos poderosos caciques oligárquicos; ou escrevendo nos principais jornais de então. E, ainda assim, muito de sua pregação cívica só alcançou parcelas muito restritas da população. Seu esforço não foi em vão, mas os frutos verdadeiros de seu trabalho só foram colhidos algumas gerações mais adiante de seu tempo.

O Senado de hoje está numa situação em muito superior a essa. Evoluímos para uma situação de crescente cobertura por parte da mídia e, melhor ainda, atingimos diretamente a população, que pode verificar nosso trabalho diariamente por intermédio da rádio e da TV da própria Casa. Um efeito bastante importante disso é o conhecimento mais ou menos generalizado que a população passa a ter dos representantes com assento aqui, ultrapassando os limites regionais que a mídia dos Estados acaba impondo. Rui Barbosa certamente se beneficiaria muito de um instrumento assim.

Da mesma forma, o Jornal do Senado, de distribuição gratuita nacional, cumpre o importante papel de manter a população informada sobre o andamento dos trabalhos legislativos.

O acompanhamento dos projetos em tramitação pode ser feito por intermédio do site do Senado na Internet. Os números que lá estão são impressionantes e dão uma idéia da dimensão de parte do trabalho do legislador. Só no ano de 2003, até 27 de agosto já contávamos 67 propostas de emendas à Constituição, 359 projetos de lei iniciados no Senado, 58 projetos de lei iniciadas na Câmara dos Deputados, 37 projetos de resolução, 526 projetos de decretos legislativos e 26 projetos de lei complementar em discussão na Casa, para citar apenas os tipos de trabalho mais conhecidos. São mais de 1.900 trabalhos no total, nas mais diversas etapas de tramitação legislativa.

Para dar conta desses trabalhos, o Senado tem procurado, por iniciativa de seus membros, rever os grupos de trabalho, criando comissões e subcomissões que reflitam as temáticas mais atuais e mais candentes para o País.

Todos esses trabalhos, assim como as suas temáticas demonstram de forma cabal a realidade de um Legislativo cada vez mais atuante, cada vez mais acionado, cada vez mais presente na realidade política nacional, como tentaram estabelecer os Deputados Constituintes no Império e como preconizava o projeto cívico de Rui Barbosa.

E o canal de comunicação com a população tem mão dupla. Destaco aqui a iniciativa do Serviço 0-800 do Senado, A voz do cidadão, que permite que qualquer brasileiro, por intermédio de uma ligação telefônica gratuita, expresse suas opiniões, cobre resultados, tire suas dúvidas, se aproxime, enfim, de seus representantes eleitos.

O maior sinal do sucesso dessa abertura do Senado à sociedade brasileira - iniciativa que deve muito ao pioneirismo do Presidente Sarney em seu mandato anterior - é o fato da nossa co-irmã parlamentar ter imitado a proposta. A imitação é, quase sempre, uma forma de homenagem.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Senado Federal, nos seus quase 180 anos de existência real, tem cumprido bem seu papel de estabilizador político. E vamos dar mostras disso, mais uma vez, na discussão das reformas que estão sendo propostas pela Presidência da República, com independência, com bom-senso, com inteligência política, com compromisso social.

O Senado vai seguir cumprindo sua função de conservador da ordem nacional e do pacto federativo, utilizando sempre os meios mais modernos e inovadores. É um desafio típico dos novos tempos, da nova ordem social que se constrói em nosso País. Nosso patrono, Rui Barbosa, certamente ficaria orgulhoso de ver que os princípios que lutou para inculcar no sistema político como um todo e, em especial, neste Parlamento, ainda são norteadores das ações de seus membros.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/11/2003 - Página 36983