Discurso durante a 164ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comemoração, na próxima quinta-feira, do Dia Mundial da Consciência Negra, ocasião em que será lançado, no Congresso Nacional, carimbo postal em homenagem aos escravos que lutaram ao lado do Exército na Guerra dos Farrapos.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Comemoração, na próxima quinta-feira, do Dia Mundial da Consciência Negra, ocasião em que será lançado, no Congresso Nacional, carimbo postal em homenagem aos escravos que lutaram ao lado do Exército na Guerra dos Farrapos.
Publicação
Publicação no DSF de 18/11/2003 - Página 37536
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, CONSCIENTIZAÇÃO, NEGRO, LUTA, OPOSIÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DETALHAMENTO, REALIZAÇÃO, CONFERENCIA, VIDEO, INTERNET, PARTICIPAÇÃO, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, ESTADOS, CAMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL (CLDF), DEBATE, ESTATUTO, IGUALDADE, RAÇA, REGISTRO, OCORRENCIA, FERIADOS, CAPITAL DE ESTADO, SAUDAÇÃO, VULTO HISTORICO.
  • ANUNCIO, LANÇAMENTO, SERVIÇO POSTAL, HOMENAGEM, ESCRAVO, LUTA, APOIO, EXERCITO, HISTORIA, BRASIL, MORTE, TRAIÇÃO, EPOCA, IMPERIO.
  • LEITURA, OBRA LITERARIA, HOMENAGEM, ESCRAVO, MORTE, TRAIÇÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste mês de novembro, fazemos uma homenagem a todos aqueles que lutam contra o preconceito. Este mês é dedicado à consciência negra. Os anseios à liberdade dos escravos são revividos e comemorados nos quatro cantos do País.

Durante esta semana, estaremos participando de diversos eventos nesse sentido.

Aqui, em Brasília, com apoio do Interlegis, realizaremos dentro de alguns instantes, por videoconferência, um grande debate sobre o Estatuto da Igualdade Racial, interligando as 26 Assembléias Legislativas dos Estados e da Câmara Legislativa do Distrito Federal.

Na condição de autor do projeto do Estatuto da Igualdade Racional, estarei participando desse debate, daqui a minutos, na companhia dos professores Antônio da Silva Pinto, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e, também, do Dr. Hédio Silva Júnior, do Centro de Estudos de Relações do Trabalho e Desigualdade.

Na próxima quinta-feira, 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, é feriado em diversas capitais brasileiras, inclusive na minha Porto Alegre, em homenagem ao grande herói da libertação: Zumbi dos Palmares.

A data tem permitido o resgate não apenas da figura heróica de Zumbi, mas de muitos outros vultos negros que se destacaram em nossa história, na luta pela liberdade e pela afirmação de nossa consciência e dignidade humana.

Por isso, também nesta quinta-feira, Sr. Presidente, estarei lançando aqui, em Brasília, com a presença do Presidente da Empresa de Correios e Telégrafos, o ex-Deputado Airton Dibb, no Salão Negro do Senado, um carimbo postal em homenagem à memória dos Lanceiros Negros, escravos que lutaram ao lado do Exército do Rio Grande na Guerra dos Farrapos.

No dia seguinte, serei homenageado, em Porto Alegre, na Câmara dos Vereadores, pela luta que desenvolvo nesta Casa em prol da igualdade racial. Também lançaremos o carimbo postal nesse local, revivendo, assim, em terras gaúchas, as sagas dos negros que escreveram com o seu sangue, com o seu sacrifício a participação na história do solo rio-grandense.

Sr. Presidente, os Lanceiros Negros tiveram atuação destacada em alguns dos principais triunfos da Revolução Farroupilha (1835 a 1845). Em sua maioria, eram campeiros e domadores da região sul do Rio Grande e tropeiros das charqueadas. Eram escravos e manejavam com grande habilidade a lança. Por isso, foram convocados pelas Forças Farroupilhas para enfrentar o Exército Imperial, com a promessa da alforria quando a paz se realizasse. Mas, encerrado o conflito, as Forças Imperiais, ou seja, os mandarins do Palácio na época, impuseram aos rebeldes a não-libertação, porque não queriam que eles recebessem a anistia. E só haveria paz, conforme os mandarins do Palácio, se os negros não fossem libertos.

O todo-poderoso da época tinha medo de que a liberdade, em 1844, acendesse uma lamparina que poderia, tal qual um rastilho de pólvora, iluminar a consciência do povo e dos negros, que passariam a exigir também a liberdade. A ordem do poderoso do Palácio, à época, foi: “Desarmem os negros e os matem.”

O embate aconteceu na noite de 14 de novembro de 1844, na região de Cerro de Porongos, localizado no atual Município de Pinheiro Machado, e ficou conhecido como a Traição de Porongos.

Os Lanceiros Negros foram desarmados na noite anterior sob a alegação de que a guerra havia terminado, mas, na noite posterior, foram massacrados. Combateram com bravura, mas não impediram seu próprio massacre. Em resumo, foram usados por toda a década que durou a revolução e, ao final do conflito, receberam como prêmio a traição e a sua própria morte.

Sr. Presidente, a história não há de se repetir, embora alguns tentem reescrevê-la nas entrelinhas nos dias de hoje. Por vias transversas, procura-se agora reeditar a saga dos Lanceiros Negros.

Primeiro - como foi no passado e ainda ocorre no presente -, eles são usados. Depois, tentam calar o seu grito de liberdade, manipular sua consciência, negar a sua raça e suas origens.

Sr. Presidente, visitando o passado e chegando ao presente, reafirmo: não conseguirão. Ninguém vai nos tirar o direito sagrado da palavra e do voto. Essas são as armas da democracia. Não possuímos hoje a luta dos lanceiros negros, mas o povo nos deu o direito à palavra e ao voto, e usaremos essas armas para defender o povo hoje e sempre.

Ninguém, repito, ninguém conseguirá calar a voz daqueles que defendem os negros, os deficientes, os idosos, os desempregados, os sem-teto, os sem-terra, as crianças, os trabalhadores da área pública e da área privada, os índios e aqueles que dependem do salário mínimo.

Zumbi foi assassinado em Palmares porque foi um rebelde. Ele queria ter o direito à liberdade..., à liberdade..., à liberdade. Jamais esqueceremos as ruas de Recife, no dia 20 de novembro de 1695. O sacrifício de centenas de guerreiros deve ser retirado do silêncio da historiografia, pois foi um fato relevante para a História do Rio Grande do Sul e para a História do Brasil.

Para que os fatos não se repitam, para que a História do Brasil continue a ser escrita sob o signo da liberdade e da democracia, não permitiremos que ninguém apague a nossa consciência. Não vamos renegar a nossa história, mas também não repetiremos os erros do passado. Ninguém irá tirar de nós, hoje - não a lança -, mas o direito do voto e da palavra.

Sr. Presidente, quando cheguei a esta Casa - e V. Exª estava aqui -, li desta tribuna uma poesia que escrevi em homenagem aos Lanceiros Negros. A poesia é de minha autoria. Os Negros Lanceiros caminharam comigo durante a minha campanha, que foi extremamente difícil. Resolvi, no dia de hoje, Sr. Presidente, fazer a leitura da poesia que fiz em memória daqueles bravos guerreiros, no encerramento do meu breve pronunciamento. A poesia diz muito a este momento da nossa história e, talvez, ao momento que estou atravessando por querer ficar com a minha consciência.

Parece que, neste País, dizer que “discurso e prática têm que caminhar juntos” virou crime. “Coerência” virou palavra feia. Então, fico com a minha consciência, com a minha história e com a história dos Lanceiros Negros. E encerro meu discurso com esta pequena poesia que escrevi. Trata-se de uma história real de centenas de guerreiros negros que foram assassinados.

Negros Lanceiros

Noite de Porongos

Noite de traição.

Lanceiros, sei a noite em que morreram - 14 de novembro de 1844.

Não sei o dia em que nasceram.

Não sei os seus nomes.

Só sei que em tempo de guerra vocês foram assassinados em nome da paz.

Somos todos lanceiros.

Queremos justiça.

Somos amantes da paz e da vida.

Lanceiros, guerreiros,

Baluartes da liberdade.

Lutaram e morreram sonhando com ela.

Negro lanceiro,

Mesmo quando tombava,

Dizia

Sou um lanceiro,

Sou negro, sou livre.

Jamais serei escravo.

Liberdade, liberdade, liberdade...

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, nesta tarde de segunda-feira, deixando aqui esta homenagem aos Lanceiros Negros - talvez muitos deles estejam escritos na história de meus antepassados.

Possuo em meu gabinete, Sr. Presidente - e não trouxe para a tribuna porque alguém diria que é uma jogada de marketing -, uma lança original dos Lanceiros Negros, que recebi do tataraneto de um lanceiro, dizendo que teria muito orgulho de que aquela lança me acompanhasse. Eu a recebi na campanha ao Senado Federal. Ela está em meu gabinete. E, no dia do lançamento do selo dos lanceiros negros, um artista gaúcho fará uma manifestação lembrando a história dos lanceiros. A ele vou permitir que faça a sua manifestação usando esse troféu que tenho em meu gabinete, com muito orgulho.

Repito, Sr. Presidente, é claro que, nos dias de hoje, aqui, neste plenário, não usarei a lança dos lanceiros. Mas, neste plenário, usarei as armas de que disponho: a voz e o voto. Essas ninguém vai me tirar. Essas foram dadas a mim pelo povo. Venho de quatro mandatos de Deputado Federal e agora um de Senador. E o povo do Rio Grande do Sul me consagrou dois milhões e duzentos mil votos. Recebi votos de brancos e de negros, de índios, de mestiços, de mulatos, de italianos, de alemães, enfim, sentia nas ruas, quando andava, que não importava a procedência ou origem da pessoa. O povo do Rio Grande do Sul votou em mim pelas minhas idéias. E as minhas idéias, a minha consciência, ninguém vai violar.

Por essa razão, encerro dizendo: tomara que se construa um grande acordo neste plenário. Do contrário, ficarei com a lança dos lanceiros negros, que se encontra em meu gabinete e possui mais de 140 anos, com a minha consciência e com a história de todos os que são discriminados, de uma forma ou de outra, neste País, pois pretendo me somar sempre àqueles que estejam a defendê-los.

V. Exª, ao assumir a Presidência, disse que fazia questão de aí permanecer, a fim de que eu pudesse proferir meu pronunciamento e seguir, então, para minha segunda missão: um debate de que participarei, via Interlegis, com todo o País, falando um pouco da luta da comunidade negra, da luta de todos que são oprimidos e, também, da história dos lanceiros negros.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/11/2003 - Página 37536