Discurso durante a 161ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao conteúdo das reformas que estão em curso no Congresso Nacional.

Autor
Paulo Octávio (PFL - Partido da Frente Liberal/DF)
Nome completo: Paulo Octávio Alves Pereira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA FISCAL.:
  • Críticas ao conteúdo das reformas que estão em curso no Congresso Nacional.
Publicação
Publicação no DSF de 13/11/2003 - Página 36809
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA FISCAL.
Indexação
  • CRITICA, AUSENCIA, DIALOGO, EXECUTIVO, IMPOSIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), SOLUÇÃO, PROBLEMA, NATUREZA FISCAL, GOVERNO FEDERAL, NEGLIGENCIA, SITUAÇÃO, DIFICULDADE, CONTRIBUINTE.
  • ANALISE, DADOS, EFEITO, NOCIVIDADE, MEDIDA PROVISORIA (MPV), AMPLIAÇÃO, ALIQUOTA, CONTRIBUIÇÃO PARA FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL (COFINS), AUMENTO, CARGA, TRIBUTOS, PREJUIZO, SETOR, PRODUTIVIDADE, PAIS.

O SR. PAULO OCTÁVIO (PFL - DF. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quanto mais se observa o atual quadro político com o qual nos deparamos, tanto mais se nos torna clara a convicção de que o processo de reformas, em curso nesta Casa, não tem outro objetivo senão o de tão-somente resolver os problemas de caixa do Governo Federal, seja a que custo for.

Longe de buscar reais soluções para a combalida Previdência nacional e para o caótico sistema tributário que hoje temos, as mudanças que vêm sendo propostas pelo Poder Executivo caracterizam-se cada vez mais pela postura autoritária e inflexível de seus interlocutores. Caracterizam-se pelo desprezo ao diálogo; pela insensibilidade aos flagrantes clamores da nação, reiteradamente manifestos pela insatisfação dos mais variados setores produtivos.

Como se não bastasse a intransigência das soluções prontas e acabadas, empacotadas pelo Planalto e empurradas goela abaixo à sociedade brasileira, a pretexto de uma implacável urgência que atropela o bom senso e a própria razão de ser do Parlamento; como se isso não bastasse, encontramo-nos agora, em pleno processo de apreciação da PEC 74, às voltas com uma Medida Provisória que solenemente ignora o tratamento dado pelo Congresso Nacional à Reforma Tributária e, uma vez mais, chegando de arrastão, eleva absurdamente a carga de impostos, não só ignorando e desrespeitando o processo em trâmite nesta Casa, mas prejudicando de imediato milhões de trabalhadores, profissionais liberais e autônomos, pequenos empresários e inúmeros outros contribuintes, em incontáveis setores de nossa economia.

A Medida Provisória nº 135 não se justifica. Assim como não se justificam as manobras e artifícios de que o atual governo vem lançando mão, ao tirar da cartola suas soluções apressadas, revogando medidas de sua própria autoria (como a PEC 128, por exemplo, para propor matéria de teor idêntico), engendrando suas PECs paralelas e empurrando o processo legislativo, aos trancos e barrancos, para a consecução de seus objetivos, nem sempre legítimos, nem sempre justos, e, quase sempre, insuficientemente discutidos e avaliados.

Além da indignação de expressivos segmentos da classe política, esta extemporânea medida provisória tem sido alvo de enorme antipatia por parte de numerosos representantes dos mais amplos setores produtivos do País.

Existe um pacífico consenso de que esta malfadada iniciativa, ao supercalibrar o percentual da alíquota a ser cobrada, significa um brutal aumento de carga tributária.

Para a Confederação Nacional da Indústria, a nova alíquota deve garantir ao governo uma arrecadação extra entre R$10 bilhões e R$12 bilhões.

Segundo estudo da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil, o aumento na carga tributária com a nova Cofins pode chegar a R$16 bilhões.

A elevação da carga é indubitável, insofismável e indisfarçável. O próprio governo admitiu nos últimos dias que haverá uma distribuição de carga entre os setores e que o setor de serviços, por ter uma cadeia menor, poderá sofrer com maior incidência de impostos. Não é difícil compreender que setores que têm uma cadeia produtiva menor não terão base a ser deduzida.

Estudos óbvios, divulgados na semana passada pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário mostram que o peso da Cofins sobre o preço final de produtos e serviços passará dos atuais 6,31% para 8,39% com a adoção da não-cumulatividade. Por mais que se tente maquiar a projeção destes números, é inexorável admitir que os produtos tenham um reajuste médio de 2%.

Este mesmo instituto analisou o impacto da mudança da Cofins em 93 setores da economia brasileira. Conforme foi amplamente divulgado pela imprensa, para 72% dos setores analisados, há elevação de carga tributária com a criação da Cofins não-cumulativa. Segundo as palavras de seu presidente, “a Cofins não-cumulativa prejudica empresas, contribuintes e consumidores. A mudança na sistemática de cobrança vai gerar um aumento no preço final de produtos e serviços consumidos no País".

A mudança poderá aumentar a carga tributária dessa contribuição em 0,46% de nosso PIB, ou seja, cerca de R$7,8 bilhões. É importante notarmos que esta cifra é superior aos R$4,4 bilhões previstos pelo governo no projeto orçamentário de 2004.

Importa também salientar que tal estimativa é de técnicos deste Congresso Nacional, com base no comportamento da receita do PIS neste ano, depois de idêntica transformação. Esses técnicos vislumbram uma margem de crescimento da receita maior que o percentual de 0,26% do PIB divulgado pelo Ministério da Fazenda.

Entre os segmentos que o próprio governo reconhece que pagarão mais Cofins estão: construção, transporte terrestre e aéreo, saúde, educação, atividades de informática, alojamento e alimentação, confecção de vestuário e atividades extrativas.

Na verdade, se analisarmos bem, concluiremos que a MP 135 não acaba sequer integralmente com cumulatividade, admitindo apenas redução parcial da sua base de cálculo, da qual serão excluídos certos insumos. Mesmo assim, a redução só ocorre com empresas que optam pelo lucro real, pois as normas não alcançam os que optam pelo lucro presumido.

Ademais, altera-se substancialmente o Regulamento Aduaneiro e criam-se multas, assim como outras sanções pertinentes às atividades de importação, cuja constitucionalidade, na visão de muitos tributaristas, é plenamente questionável.

Ao estatuir a retenção da Cofins, da Contribuição Social e do PIS, em diversas espécies de serviços - como os de limpeza, conservação e vigilância, inclusive na remuneração de serviços profissionais - muitos prestadores de serviços, pessoas jurídicas, ainda que optantes pelo lucro presumido, que hoje sofrem retenção do imposto de renda na fonte na base de 1,5 %, passarão a ter mais 4,65% de retenção. Resultado: passam a sofrer um desconto total de 6,15% .

Além disso, urge lembrarmos de que falamos aqui da majoração de nada menos do que 153% para as empresas prestadoras de serviço.

Setor extremamente sacrificado é o de transporte de passageiros e cargas. Segundo a categoria, só no segmento de cargas, descontando-se os créditos estabelecidos pela MP, a contribuição ficará entre 5,8% e 6,5% sobre a receita bruta. “Isso ocorre porque o setor de transporte é uma atividade de mão-de-obra intensiva e este gasto não se encontra entre os que geram créditos para desconto na Cofins, conforme estabelece a medida provisória”. Pois, como constatamos, a medida beneficia apenas as atividades com longo ciclo de produção e alto valor agregado, como o varejo e a indústria exportadora.

Seriam numerosos os exemplos do prejuízo causado aos outros mais de 70 setores atingidos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, precisamos zelar para que não se imponha a esta Casa um ritmo de atropelos e de decisões açodadas.

Estão aí iminentes o desemprego, a inadimplência e as falências para demonstrar que a economia não tem crescido o suficiente. E se a arrecadação vem crescendo, como registram as autoridades, é porque o tributo tem aumentado.

Só para citar dados recentes: segundo a última pesquisa publicada pela Confederação Nacionais dos Transportes, 81,5% dos brasileiros estão convencidos de que pagam impostos muito altos.

Não devemos e nem podemos mais suportar elevação de impostos. Não queremos nem merecemos conviver com esta realidade abusiva. É nossa obrigação, enquanto representantes eleitos do povo -- para representá-lo na defesa de seus interesses, na elaboração de leis votadas à justiça social e na fiscalização dos atos do Poder Executivo -, é nossa obrigação, repito, que nos insurjamos contra este verdadeiro acinte contra as prerrogativas do Poder Legislativo, contra a ordem constitucional e contra o bolso do contribuinte.

Estamos debruçados sobre a Proposta de Emenda à Constituição nº 74 que trata da Reforma Tributária. Não há razão para resolver este assunto por meio de medida provisória. Muito menos quando os pressupostos de relevância e urgência se acham ainda mais frágeis que o fulcro constitucional tão duvidoso neste caso.

Finalmente, há que se considerar que esta MP, despencada de pára-quedas no Congresso, surpreende não só por seus extensos e esdrúxulos 69 artigos - versando justamente acerca de itens da reforma sobre a qual estamos a deliberar -, mas também porque trata de matéria reservada a Lei Complementar, contendo diversas normas de direito tributário e esbarrando de forma incontornável em vedação constitucional expressa (contida no art. 62, § 1º, inciso III), o que sugeriu que a Ordem dos Advogados do Brasil, conforme anuncia a imprensa, considerasse a possibilidade de interpor junto ao STF a respectiva Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Deixo, portanto, aqui consignada minha mais absoluta oposição à Medida Provisória nº 135, certo de que, na qualidade de membro da Comissão Mista encarregada de examiná-la, tudo farei para que não prospere, uma vez que a considero abusiva e atentatória. Abusiva para com o cidadão e para com as classes produtivas do País. Atentatória contra a soberania desta Casa; atentatória contra os legítimos interesses da sociedade brasileira. Mas, acima de tudo, abusiva e atentatória contra a observância à harmônica e respeitosa convivência entre os Poderes da República. Atentatória, enfim, contra o Estado de Direito; contra o bom senso; contra a Razão; contra Moral e a Ética que queremos para nossos filhos.

É o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/11/2003 - Página 36809