Discurso durante a 163ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Realização, em Belo Horizonte, do primeiro Fórum Social Brasileiro.

Autor
Eurípedes Camargo (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Eurípedes Pedro Camargo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. DISCRIMINAÇÃO RACIAL. POLITICA EXTERNA.:
  • Realização, em Belo Horizonte, do primeiro Fórum Social Brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/2003 - Página 37232
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. DISCRIMINAÇÃO RACIAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, REALIZAÇÃO, MUNICIPIO, BELO HORIZONTE (MG), ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), SEMINARIO, DEBATE, PROBLEMA, SOCIEDADE, MUNDO, ESPECIFICAÇÃO, POBREZA, DESIGUALDADE SOCIAL, BUSCA, ALTERNATIVA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO, PLANETA TERRA, DEFESA, DESENVOLVIMENTO, AUSENCIA, IMPACTO AMBIENTAL.
  • SOLICITAÇÃO, APOIO, SENADO, SEMINARIO, DEBATE, PROBLEMA, SOCIEDADE, REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, INDIA.
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, BRASIL, REGISTRO, CONCENTRAÇÃO, POBREZA, ANALFABETISMO, DESEMPREGO, POPULAÇÃO, NEGRO, RECONHECIMENTO, EMPENHO, GOVERNO, COMBATE, EXCLUSÃO.
  • ELOGIO, INICIATIVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, VISITA, CONTINENTE, AFRICA, TENTATIVA, REESTRUTURAÇÃO, POLITICA EXTERNA, BRASIL, REFORÇO, CONCEITO, SOLIDARIEDADE, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, AMBITO, RELAÇÕES INTERNACIONAIS.
  • REGISTRO, RECEBIMENTO, APOIO, CONTINENTE, AFRICA, CANDIDATURA, BRASIL, CONSELHO DE SEGURANÇA.
  • IMPORTANCIA, ENCONTRO, CAMARA DOS DEPUTADOS, POLITICO, NEGRO, AMERICA, PAIS ESTRANGEIRO, CARIBE, DEBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, ALTERAÇÃO, CONCEITO, RAÇA, SOCIEDADE, ATUALIDADE, BUSCA, REFORÇO, COMBATE, EXCLUSÃO.

O SR. EURÍPEDES CAMARGO (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Senador Mão Santa, como o filósofo, diz que nunca fala após um grande orador. Porém, como Parlamentar, tenho que subir à tribuna após a brilhante explanação do Senador Pedro Simon, com a qual concordo na íntegra. Antes, muitos outros também assinalaram suas posições, como o Senador Paulo Paim, que nos honra a todos como Vice-Presidente desta Casa.

O que me traz à tribuna hoje são dois assuntos muito importantes e pertinentes aos tempos atuais.

Está agendado na pauta do Senado o Seminário Internacional Democracia, Comunicação e Interação da Inclusão, promovido pelo Senador Paulo Paim. Não vou falar diretamente sobre o seminário, mas o assunto que me traz à tribuna diz respeito à temática que S. Exª vem desenvolvendo e que será enriquecida por esse seminário.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero registrar aqui a importância da realização, em Belo Horizonte, do 1º Fórum Social Brasileiro, nos dias 6 a 9 deste mês. Segundo a Carta de Princípios do Fórum Social Mundial, o Fórum Brasileiro é um importante espaço de fortalecimento das idéias e ações dos que acreditam que um outro mundo é possível.

Conforme Moacir Gadotti do Instituto Paulo Freire, um dos coordenadores do Fórum Social Brasileiro, este “é também um fórum mundial, pois o que o caracteriza não é a origem geográfica dos que aqui estão presentes, mas aquilo que vêem, dizem e defendem. Todos nós, organizadores e participantes desse fórum, estamos convidados a fortalecer as nossas convicções, práticas e lutas na consolidação de um outro paradigma de produção e reprodução da existência humana no planeta Terra, vista como uma única comunidade e não como um conjunto de territórios e fronteiras em guerra permanente”.

Cerca de tinta mil pessoas participaram das atividades do Fórum, o que permitiu o encontro de vários movimentos e a construção de agendas comuns.

Desde o primeiro dia, quando aproximadamente 2 mil pessoas das diversas partes do País se reuniram em torno da marcha de abertura, ficou clara a disposição dos presentes em introduzir alternativas para os problemas que afligem a humanidade, levando em conta os princípios de solidariedade e respeito à diversidade.

Não tenho dúvida de que a luta por uma nova ordem, mais justa e menos excludente, a luta por condições de sustentabilidade para o planeta, buscando um desenvolvimento menos predatório, e, finalmente, a luta por uma convivência mais tolerante e menos belicista entre as nações, constituem-se condições imperativas para nosso processo civilizatório. A negação desses valores abre a portas para a barbárie, cujas conseqüências são imprevisíveis.

Leonardo Boff, grande pensador dos dilemas enfrentados pelo homem contemporâneo, defendeu que o Brasil exerça uma nova liderança mundial, pautada pela solidariedade, em vez da dominação militar.O Brasil teria como missão “unificar a família humana na casa Terra”. Para ele, há quatro passos para se alcançar esse novo status. O primeiro seria cobrar medidas do Estado, que deveria ser social e de cunho popular. O segundo é a cobrança de engajamento por parte da intelectualidade nacional. “Ela tem uma dívida a pagar com os que não tiveram o privilégio de ir a Universidade”. A terceira medida depende da segunda, é ajudar a mobilização popular, enquanto o quarto ponto seria a incorporação de uma ética do cuidado pelos políticos.

Resgato aqui o espírito que irmana os Fóruns Sociais para que nos orientemos pelo espírito do diálogo, preservando os valores humanitários e radicalizando o espírito democrático. Irmãos que somos, saibamos respeitar a mãe terra, preservando em cada um de nós a generosidade que integra homem e natureza.

Saibamos colaborar para a construção de um Brasil que respeite seu passado, que afirme sua identidade e soberania, contribuindo para um movimento de rebeldia contra as forças opressoras da humanidade.

Solicito a todos o apoio à construção do Fórum Social de 2004, que acontecerá no mês de janeiro, na Índia. Um outro mundo é possível, e um outro Brasil está em construção.

O segundo ponto que eu gostaria também de colocar, aproveitando esta oportunidade, é um tema que, eu diria, tem correlação com o tema anteriormente discutido, que trata da questão racial.

Sr. Presidente, ocupo esta tribuna hoje também para relatar a importância da discussão sobre a desigualdade racial, que será realizada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal entre os dias 21 e 23 de novembro. Promovido pela Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial, da qual faço parte, representando toda a região Centro-Oeste, o Encontro de Parlamentares Negros das Américas e do Caribe será uma oportunidade de elaborarmos políticas públicas que ponham fim à perpetuação das desigualdades sociais entre negros e brancos.

Os números são bastante elucidativos e gritam a urgência de iniciativas que resultem em ações de alcance nacional e internacional. Os brasileiros afro-descendentes somam cerca de 9,6 bilhões de pessoas, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE de 2002. É a segunda maior raça negra no mundo, ficando somente atrás da Nigéria. Em dados percentuais, somos cerca de 45% da população de nosso país.

Apesar de representarem quase metade da população, as pessoas da raça negra têm uma renda per capita significativamente inferior à das pessoas brancas. Entre 1995 e 199, por exemplo, um indivíduo branco tinha renda per capita mensal de R$ 482,00, enquanto que para o negro essa média era de R$ 205,00, menos da metade. Em 2001, a proporção de negros pobres era de 47% e a de brancos, 22%.

As desigualdades também se estendem ao mercado de trabalho, principalmente nas relações trabalhistas formais. Enquanto que, em 2001, 44% de pessoas brancas ocupavam cargos de carteira assinada, apenas 33% da população negra gozava desse direito. Na verdade, 17% deles trabalhavam na informalidade. A taxa de analfabetismo dos negros era de 18% contra apenas 8% dos brancos. E o que preocupa é que essa realidade continua crescendo nos dias de hoje.

Na verdade, essa não é uma questão apenas social, mas, sim, de discriminação étnica. Em Salvador, por exemplo, cerca de 90% da população é negra. Nem por isso, vemos algum tipo de equilíbrio da raça em cargos políticos e públicos, executivos ou de alta confiança no Estado - o que seria previsível. É uma desigualdade gritante e que tem bases nas raízes do preconceito que a sociedade brasileira carrega desde a época da escravidão. Essa visão distorcida da capacidade do negro e de sua aparência, muitas vezes associada à marginalidade e à pobreza, tem que acabar. Como é possível, em uma cidade quase que totalmente negra, não vermos o Legislativo local representado majoritariamente pela raça?

O crescimento desses dados sobre a crueldade do racismo em um País onde quase metade da população é negra torna a questão cada vez mais urgente. Ontem mesmo comprovamos uma forma de violência racial contra nossa raça, quando passageiros de um navio chinês foram espancados e jogados ao mar. Todos eram negros africanos e, por sorte, foram resgatados por um pescador no litoral pernambucano. Eles nadaram por três horas até serem encontrados. Um deles estava com uma fratura no braço, fruto da violência que sofrera. Sabe-se que eles viajaram clandestinamente em um navio chinês, o que não justifica qualquer tipo de agressão e tentativa de assassinato, como neste caso. O que cabe é uma punição de acordo com a legislação sobre o assunto, que está longe de qualquer tipo de agressão física.

Por outro lado, quero elogiar a atuação deste Governo no sentido de eliminar as desigualdades sociais e estreitar as relações com o continente africano, que tanto contribuiu para a formação da sociedade brasileira. A viagem feita por nosso Presidente à África entre os dias 02 e 08 deste mês foi uma forma de colocar o continente em um dos eixos centrais da política externa brasileira, contribuindo para a superação de suas principais dificuldades.

Na ocasião, Lula assinou um total de 40 protocolos de cooperação nos cinco países visitados pela comitiva, formada de 10 Ministros e 128 empresários. A iniciativa reforçou o conceito de uma nova política multilateral, segundo a qual o estreitamento das relações internacionais é pautado na solidariedade e no desenvolvimento sustentável, e não na busca de interesses unilaterais. Nessa nova forma de intercâmbio político, o que prevalece é a reafirmação dos laços de cooperação firmados entre o Brasil e o continente africano e o reconhecimento da contribuição deste povo para a formação da sociedade brasileira.

O balanço dessa viagem do Presidente é bastante positivo. Foi inaugurado o fortalecimento das relações comerciais entre aquele continente e os países da América do Sul, que, entre as décadas de 80 e 90, era praticamente inexistente. No aspecto político, foram alcançados resultados importantes como o apoio explícito dos Presidentes de São Tomé, Angola, Moçambique e Namíbia para a participação do Brasil como membro permanente no Conselho de Segurança da ONU. Igualmente positiva foi a ajuda prestada pelo Brasil na área de saúde do continente, que hoje lidera o ranking de casos de Aids notificados em todo o mundo.

Toda essa agenda positiva reforça a preocupação do Governo Federal com a questão racial tanto em nível nacional como internacional. Mas também revela a urgência de discussões mais aprofundadas sobre medidas de inserção social do negro, ações que equilibrem, de fato, a participação do negro no mercado de trabalho e o acesso da raça à educação. É urgente a adoção de uma medida que visa a mudar esse problema histórico-cultural da discriminação racial.

É por isso que reforço a importância do Encontro dos Parlamentares Negros das Américas e do Caribe para a mudança do conceito de raça na sociedade atual. Nos dias 21 e 23 de novembro, 300 parlamentares negros e representantes de entidades civis de vários países estarão reunidos no Auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados, para o Encontro de Parlamentares Negros das Américas e do Caribe.

A idéia é que, no encontro, sejam realizadas ações conjuntas de combate à discriminação étnica e racial e que seja criado um programa permanente em defesa da igualdade racial. Os debates também contarão com a presença de observadores de parlamentos africanos, convidados durante a viagem de Lula à África. A discussão do assunto é de extrema relevância para a luta pela cidadania negra e, principalmente, para a abertura do diálogo político no sentido de abolir a desigualdade de oportunidades.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/2003 - Página 37232