Pronunciamento de Mozarildo Cavalcanti em 14/11/2003
Discurso durante a 163ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Importância dos problemas municipais para a formulação de políticas públicas nacionais. Comentários à decisão do Ministério Público e da FUNAI de solicitar à Justiça Federal o fechamento de mais de cem estabelecimentos comerciais na cidade de Pacaraima.
- Autor
- Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
- Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA INDIGENISTA.:
- Importância dos problemas municipais para a formulação de políticas públicas nacionais. Comentários à decisão do Ministério Público e da FUNAI de solicitar à Justiça Federal o fechamento de mais de cem estabelecimentos comerciais na cidade de Pacaraima.
- Publicação
- Publicação no DSF de 15/11/2003 - Página 37234
- Assunto
- Outros > POLITICA INDIGENISTA.
- Indexação
-
- CRITICA, SOLICITAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), MINISTERIO PUBLICO, DESOCUPAÇÃO, ESTABELECIMENTO COMERCIAL, MUNICIPIO, PACARAIMA (RR), ESTADO DE RORAIMA (RR), FRONTEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, ALEGAÇÕES, LOCALIZAÇÃO, PROPRIEDADE, TERRAS INDIGENAS.
- REGISTRO, POSSIBILIDADE, DECISÃO, JUSTIÇA FEDERAL, AGRAVAÇÃO, CONFLITO, DISCRIMINAÇÃO, POPULAÇÃO, MUNICIPIOS, REGIÃO AMAZONICA.
- SOLICITAÇÃO, MINISTERIO PUBLICO, REVISÃO, DECISÃO, DESOCUPAÇÃO, ESTABELECIMENTO COMERCIAL, IMPEDIMENTO, PREJUIZO, EMPRESARIO, FAVORECIMENTO, INDIO.
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de vez em quando, ouço alguns Senadores dizerem que abordar temas dos seus Estados e Municípios se torna um tanto paroquial e que, portanto, foge ao grande e supremo objetivo do trabalho do Senado, que seria, efetivamente, um trabalho mais de âmbito nacional. Ora, mas o nacional é composto justamente dos assuntos regionais, dos assuntos municipais.
Ontem, esta Casa, inclusive, homenageou os vereadores e, por via de conseqüência, os Municípios, onde os cidadãos moram, onde estão os brasileiros, com seus problemas pessoais, familiares e profissionais. E foi justamente por isso também que, na homenagem de ontem, dissemos que os vereadores são aqueles políticos que são procurados em primeiro lugar, porque são vizinhos do eleitor, moram e reúnem-se no Município, sendo, portanto, os mais buscados. É óbvio que, depois, se eles não conseguem solucionar o problema, acionam os prefeitos, os deputados estaduais, os deputados federais, os senadores e até outras autoridades. Mas o certo é que os problemas da Nação nascem nos Municípios. É da somatória desses problemas que surgem os grandes problemas nacionais.
Uma região ressente-se de um problema sério; outra, de um outro problema de igual seriedade ou gravidade, mas o certo é que, nesta Casa, por coincidência, é onde se debatem os grandes problemas dos Estados, porque é aqui que eles estão representados e é aqui que se devem dissecar esses problemas e trazê-los ao conhecimento da Nação.
Tenho recebido correspondências de todo o Brasil, por meio dos diversos serviços que o Senado abriu ao cidadão - a Rádio Senado, a TV Senado, por intermédio do “Fala Cidadão” ou por e-mail -, mesmo quando abordo, por exemplo, um problema localizado da Amazônia ou uma outra questão relativa à redivisão territorial do País, que interessa não somente àquele Estado que se pretende dividir, mas ao País como um todo.
Assim, Sr. Presidente, quero, hoje, trazer mais um problema que, na visão de alguns, é um problema paroquial, mas que, no meu entender, é um problema importantíssimo para o Município sobre o qual irei falar, para o meu Estado e, dadas as conotações, importantíssimo para o Brasil.
Sempre tenho dito que a Amazônia e o Nordeste não podem continuar sendo considerados, pelos brasileiros do litoral, pelos intelectuais do litoral e pelos poderosos do Sul e do Sudeste, como um problema, mas, sim, como uma solução para o País. Portanto, não podem ser colocados à parte e só serem lembrados quando se fala em desigualdade regional.
Nesse sentido, quero trazer uma denúncia que, por coincidência, é fruto de uma denúncia feita pelo Ministério Público Federal, que representa a União, e a Funai, em um trabalho conjunto. Estão pedindo à Justiça Federal a concessão de liminar para desocupar cem estabelecimentos comerciais na cidade de Pacaraima, no meu Estado, Roraima, na fronteira com a Venezuela. Vejam que situação delicada: é uma cidade que faz fronteira com a Venezuela. De um lado, está a cidade de Santa Helena do Uairém, que tem hoje uma zona franca de livre comércio; e, do lado brasileiro, a cidade de Pacaraima, que abastecia há algum tempo a cidade de Santa Helena e outras localidades da Venezuela. Hoje, os brasileiros vão comprar na Venezuela porque lá existe uma área de livre comércio. O Senado e a Câmara já aprovaram - inclusive foi sancionada pelo Presidente da República à época, o Presidente Collor - uma área de livre comércio que nunca foi instalada. E o que a Justiça Federal quer? Que, dentro de um prazo de trinta dias, esses cem estabelecimentos comerciais sejam fechados, desocupados e depois demolidos, como uma primeira etapa para desocupar a cidade fronteiriça de Pacaraima, no Município do mesmo nome, no meu Estado, na fronteira com a Venezuela. Segundo o Ministério Público Federal, a cidade está dentro de uma reserva indígena.
Ora, Sr. Presidente, é inadmissível que busquemos a solução para a questão indígena e, mais especificamente, para a melhoria de vida do índio, provocando diversas formas de apartheid na Nação. É inadmissível que o Ministério Público tenha essa visão curta de não buscar consensos, de não buscar modus vivendi capaz de encontrar soluções justas primeiramente para as minorias, mas também igualmente para os outros.
Estranha-me essa postura radical do “vamos expulsar cem empresários localizados na fronteira do Brasil”, pagando para ser brasileiros e pagando para defender o Brasil de ações contra o próprio Brasil. Felizmente, o Juiz Federal, ao receber a representação do Ministério Público, resolveu citar o Estado e o Município, uma vez que não se pode ignorar que a reserva indígena mencionada pelo Ministério Público Federal e pela Funai está no Município e no Estado. Não se pode simplesmente analisar um aspecto desse tamanho levando em conta apenas um lado da questão. Lamento muito e faço um apelo ao Ministério Público Federal, à Funai, para que essa situação seja revista.
Há, inclusive, uma contradição, Sr. Presidente, porque o Presidente Lula criou um grupo de trabalho interministerial, com a coordenação da Casa Civil da Presidência da República, da Funai/Ministério da Justiça, do Ministério do Meio Ambiente e de outros Ministérios, para estudar a questão fundiária no meu Estado, que tem 50% de seu território destinado a reservas indígenas - para uma população de apenas 7% de indígenas - e 20%, a reservas ecológicas. Há também as terras que estão sob o domínio do Incra, que também, de maneira completamente dessintonizada de uma visão de justiça social, tem provocado desacertos imensos seja no assentamento dos colonos, seja na assistência técnica aos colonos, seja no financiamento ao produtor rural. Portanto, quem tem a culpa não é o pobre do assentado, que não pôde ficar, que teve de vender a sua terra. Há ainda o Ibama.
O Governo Federal, no meu entender, por meio desses órgãos, está provocando um estado de insegurança e de revolta, um apartheid no Estado.
Somo o meu pronunciamento aos protestos e requeiro, inclusive, que dele façam parte os jornais que dão notícia desse assunto, começando pela reação dos parlamentares estaduais e federais contra a ação do Ministério Público em Pacaraima. Vários parlamentares federais manifestaram-se mostrando a inconveniência e a precipitação da ação. Embora haja o amparo legal, a lei não é apenas para ser interpretada à luz de sua letra fria, mas de seu aspecto principal, que é fazer justiça social adequada, fazer efetivamente um acordo que leve a uma boa convivência e ao melhor atendimento de todas as partes, prioritariamente a mais fraca. Aniquilando eventualmente os mais fortes não iremos salvar os mais fracos. Temos de fazer com que os mais fortes entendam que é preciso proteger os mais fracos.
Os parlamentares federais e estaduais do meu Estado já protestaram contra isso e igualmente reclamam da ação da União, da Funai e do Ministério Público Federal. Há uma manifesta desconexão entre o que está fazendo o Palácio do Planalto em relação às terras de Roraima e o que está pensando a Funai, um órgão subalterno, subordinado ao Ministério da Justiça, cujo Ministro esteve em Roraima analisando a questão em profundidade. Em decorrência da ida do Ministro, decidiu-se criar esse grupo interministerial, que tem o prazo de 90 dias para apresentar ao Presidente da República uma solução legal para o problema, de forma a resolver o problema do Estado de Roraima, que faz fronteira com a Venezuela e a Guiana e que está mais para uma ligação com o exterior que para com o Brasil. Somos uma parte do Brasil que está no Hemisfério Norte - nós, uma parte norte do Pará e o Amapá estamos localizados no Hemisfério Norte -, enquanto o restante do Brasil situa-se no Hemisfério Sul.
Na verdade, é preciso realmente que a Nação entenda que se deva pôr fim a esse tipo de ação que está sendo feita, nesse caso, à sorrelfa e sem conhecimento do próprio Presidente da República e do Ministro José Dirceu. Que o Ministério Público não se julgue o dono supremo da verdade e aja de maneira a causar prejuízos às pessoas que estão naquele Município e naquele Estado.
Também a Federação das Associações Comerciais e Industriais do Estado de Roraima estão protestando contra essa atitude do Governo Federal - nesse caso, a Funai e o Ministério Público -, tomada de maneira abrupta. Felizmente - repito -, o Juiz Federal Helder Girão teve uma ação realmente de magistrado: decidiu ouvir as partes e não vai, portanto, permitir - tenho certeza - que esse tipo de absurdo seja cometido.
Não se devem defender os direitos de minoria com atitudes talibânicas, fundamentalistas, atitudes que são, muitas vezes, provocadoras de reações contrárias e que levam a verdadeiros conflitos e ódios entre pessoas que deveriam se amar.
Também a associação dos Municípios do meu Estado repudia esses processos contra a população do Estado. O Vice-Governador do Estado, que se encontrava no momento respondendo pelo Governo, disse que o Governo vai entrar com uma medida pedindo a anulação das ações judiciais do Ministério Público Federal.
Sr. Presidente, por fim, houve uma nota sensata, também publicada nos jornais: o Presidente da Funai disse que mostra disposição em buscar uma solução. Ora, é preciso, sim, que este País aprenda que muitas vezes não se soluciona um conflito apenas sendo apaixonado, mesmo embasado na lei, esquecendo os outros aspectos que envolvem a questão social do bem-estar das famílias, da segurança das famílias.
Portanto, como Senador da República, como Senador da Amazônia e representando o meu Estado de Roraima, deixo esse protesto contra a violência que se pretende perpetrar contra a população do Município de Pacaraima. Espero que a Justiça Federal, já que se trata de uma ação do Ministério Público Federal, promova efetivamente uma solução que possa ser negociada de maneira altaneira, principalmente considerando a delicadeza da região. Trata-se de uma região de fronteira, onde existem denúncias de tráfico de drogas, de contrabando de armas e combustíveis, e até de tráfico de mulheres. De uma dessas regiões, o Ministério Público pretende desocupar, desalojar de uma vez só, cem estabelecimentos comerciais. E diz mais: que, em seguida, vai notificar os moradores comuns da região para desocupar uma cidade, Sr. Presidente, que tem mais de 15 mil habitantes, em uma fronteira do extremo norte de Roraima, aliás, do extremo norte do Brasil, porque muita gente no Brasil ainda continua dizendo que o extremo norte é o Oiapoque, quando hoje sabemos, até pelos modernos aparelhos que temos, como o GPS, que o extremo norte é o Monte Caburaí, no meu Estado de Roraima.
Então, quero aqui deixar esse registro, o meu protesto e o meu apelo para que haja uma solução serena, justa, mas, acima de tudo, que promova a concórdia e o bem-estar daquela região.
Muito obrigado.
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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.
(Inseridos nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)
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