Discurso durante a 166ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Descaso da Fundação Nacional de Saúde com os servidores que combatem os mosquitos no território brasileiro.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Descaso da Fundação Nacional de Saúde com os servidores que combatem os mosquitos no território brasileiro.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 20/11/2003 - Página 37965
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • CRITICA, OMISSÃO, GOVERNO, ASSISTENCIA, AGENTE DE SAUDE PUBLICA, PROBLEMA, SAUDE, VITIMA, CONTAMINAÇÃO, PRODUTO QUIMICO, AUSENCIA, CRITERIOS, UTILIZAÇÃO, INSETICIDA, COMBATE, DOENÇA TRANSMISSIVEL.
  • LEITURA, MANIFESTO, SERVIDOR, FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE, MUNICIPIO, CONCEIÇÃO DO ARAGUAIA (PA), ESTADO DO PARA (PA), RECLAMAÇÃO, PROVIDENCIA, GOVERNO, IMPEDIMENTO, AGRAVAÇÃO, SAUDE, AGENTE.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, GARANTIA, DIREITOS, SERVIDOR, FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na condição de membro do Poder Legislativo, tendo esse a função precípua de fiscalização, tenho o dever de relatar o descaso que vem sendo cometido há mais de cinco anos pelas autoridades contra uma categoria de servidores públicos brasileiros.

É muito triste para mim, na qualidade de patriota e entusiasta desta Nação, verificar que em nosso Brasil algumas autoridades parecem não ligar minimamente para a vida humana, não titubeando em utilizar vidas humanas de forma descartável, dispensável, com o pretexto de salvar vidas humanas. Parece uma contradição - e é.

No próximo dia 23 de novembro, o Ministério da Saúde promoverá o Dia Nacional de Mobilização contra a Dengue - a dengue ou o dengue; parece que os dois gêneros são legítimos. Vou dizer na forma mais popular: a dengue.

Pois a dengue fez muitas vítimas no Brasil nos últimos anos. Não tenho a estatística de quantos morreram, mas foram muitos, centenas de pessoas. Foi tão grave a epidemia em algumas regiões do País que o fato foi explorado como uma arma de campanha contra a candidatura derrotada de José Serra, Ministro da Saúde do Governo passado.

Porém, na virada do ano passado para este ano, no período das chuvas, em que o mosquito vetor da doença mais prolifera, a incidência da dengue caiu bastante, talvez em função mesmo das medidas tomadas pelo Ministro da Saúde do último Governo. Espero que agora, quando se reiniciam as chuvas em todo o Brasil, a incidência possa ser ainda menor.

De qualquer forma, à medida que a dengue avança no País, contrataram-se mais e mais agentes de saúde para combater o mosquito transmissor - agentes chamados popularmente de “mata-mosquitos”. Esses novos contratados juntam-se a centenas de outros mata-mosquitos em todo o território nacional, atuando os mais antigos, rotineiramente, no combate aos mosquitos transmissores da malária, da febre amarela, de leishmaniose, da própria dengue, bem como no combate aos barbeiros, transmissores da Doença de Chagas.

Diga-se de passagem que os “mata-mosquitos” são servidores públicos que, por sua dedicação, seu espírito de sacrifício, pela relevância social do serviço que prestam, são muito estimados pela população.

Os “mata-mosquitos” contratados em nível federal são os que trabalham na Funasa, Fundação Nacional de Saúde, órgão ligado ao Ministério da Saúde - a Funasa veio substituir a antiga Sucam no combate a doenças endêmicas transmitidas por insetos.

O descaso das autoridades a que me referi deu-se em função de muitos servidores “mata-mosquitos” terem sido enviados ao trabalho sem o treinamento para lidar com os inseticidas utilizados, que são produtos químicos tóxicos que contaminam as pessoas que a eles se expõem, sem que lhes tivessem sido dadas roupas, máscaras, luvas e botas de proteção adequadas.

O resultado é que muitos “mata-mosquitos” estão, hoje, sofrendo problemas muito graves de saúde, em função do contato com os referidos produtos.

Por isso, falei no início do meu discurso da contradição de se utilizarem vidas humanas para salvar vidas humanas, uma vez que o objetivo da ação dos agentes da Funasa é justamente evitar mortes ao eliminar mosquitos transmissores de doenças.

Trago uma reportagem do jornal O Globo, datada do dia 03 de maio de 1998. Faz mais de cinco anos que se divulgou que cento e vinte e dois funcionários da Funasa foram afastados do trabalho no ano de 1997, porque comprovadamente, mediante exames laboratoriais, se constatou contaminação por produto químico.

Esses e outros funcionários na mesma situação, até hoje, não receberam satisfação nem indenização da Funasa. Os poucos que conseguiram ser indenizados foram os que recorreram à Justiça, tendo sido vitoriosos depois de esperarem bastante tempo.

Na verdade, não sei informar se o que conseguiram por meio judicial corresponde exatamente ao que lhes é devido.

Trata-se de descaso da Funasa com relação aos seus servidores, cuja saúde a incompetência do órgão destruiu para sempre. A Funasa poderia resolver sua dívida de maneira espontânea, consciente, mas não o faz. Espera pelo Governo do Presidente Lula, que naturalmente não é culpado por uma situação que lhe é anterior, mas que, no papel de situação, tem a responsabilidade de administrar com justiça a máquina pública.

Espero que o Governo Lula esteja ouvindo as minhas palavras.

Trago ainda um manifesto dos servidores da Funasa que trabalham em Conceição do Araguaia, no Estado do Pará. A carta é longa e comovente, redigida em termos dramáticos.

Queixam-se os servidores de que, desde 1996, estão contaminados pela utilização de inseticidas de maneira inadequada. Reclamam providências e dizem que faz mais de seis anos que as notícias dessa situação foram encaminhadas às autoridades governamentais.

Leio um parágrafo da carta:

Nós, trabalhadores, estamos morrendo lentamente, em conseqüência de termos passado boa parte de nossas vidas aspirando o mesmo veneno destinado a insetos. Deixamos para nossos filhos a herança de um pai doente, e não tivemos condições de ficar no convívio familiar, já que, na maior parte de nossas existências, foi no exercício da profissão. E hoje, devido à doença, morremos à míngua. Encontramo-nos profundamente angustiados e ansiosos quanto ao futuro. Sabemos que a enfermidade é irreversível e as doenças agravam-se continuamente, sem a menor esperança de cura, nem mesmo a longo prazo. Existe registro de óbitos que suspeitamos que foi em conseqüência da contaminação em Conceição do Araguaia, Pará.

Novamente, o descaso com as vidas de servidores valorosos.

Um dos principais inseticidas utilizados pela Funasa no combate a mosquitos é o de nome comercial Abate 1-G, cujo princípio ativo é o produto químico temefós, que, por sua vez, pertence ao grupo químico organosfosforado. Muitos mata-mosquitos foram contaminados por esse produto, que é utilizado principalmente no combate ao mosquito da dengue.

Também tenho coligida uma nota oficial da Funasa, na qual - motivado o órgão por acusações contra ele veiculadas por um programa de televisão -, se esclarece...

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Permite-me um aparte, Senador?

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - (...) que “o larvicida Abate, amplamente utilizado no combate ao mosquito transmissor da dengue, o Aedes Aegypti, em todo o mundo, é um produto recomendado pela Organização Mundial de Saúde, não havendo qualquer evidência de que esse produto cause danos à saúde humana.” O documento vem assinado pelo Centro Nacional de Epidemiologia da Funasa e é datado de 2 de junho de 2003.

Ora, isso é mais do que um descaso! Trata-se de acinte, de mentira, de verdadeiro deboche, sarcasmo com o sofrimento dos mata-mosquitos contaminados. O servidor que redigiu essa nota deveria ser imediatamente exonerado do serviço público.

A prova da mentira deslavada está em um informativo editado pela própria Funasa! Mais especificamente, editado pela Coordenação Regional da Funasa o Rio de Janeiro. Com o intuito de esclarecer os servidores sobre as características dos diversos tipos de inseticida que existem, diz o Rio Informa, na edição nº 1, de 1998, da qual tenho cópia, a respeito dos organofosforados, grupo ao qual o Abate pertence: “São mais tóxicos para os vertebrados que os organoclorados, podendo intoxicar facilmente o indivíduo com uma dose relativamente pequena”. É um jornal da própria Funasa que nos dá essa informação.

Então como é que, segundo a nota que citei, não há qualquer evidência de que o Abate causa danos à saúde humana e, ao mesmo tempo, a mesma substância pode intoxicar facilmente um indivíduo com uma dose relativamente pequena? Isso é muito grave e tem de ser esclarecido.

Concedo o aparte ao Senador Mozarildo Cavalcanti.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos) - Antes que V. Exª faça o aparte, Senador Mozarildo Cavalcanti, a Presidência gostaria de registrar a presença, nas galerias desta Casa, dos alunos do Colégio Deraldo Campos, de Maceió, Estado de Alagoas. Para nós, Srªs e Srs. Senadores, é uma honra a presença dos estudantes em nossa sessão plenária.

Tem V. Exª a palavra, Senador Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Senador Papaléo Paes, V. Exª faz uma denúncia grave, tratando-se V. Exª de um médico e conhecedor do problema. A saúde brasileira tem sido negligenciada sob várias aspectos: no que tange ao combate efetivo da doença, no cuidado com quem está em campo combatendo a doença, no descuido no uso dos medicamentos ou dos agrotóxicos adequados. No caso da dengue, por exemplo, é inadmissível o que temos visto ao longo desses anos: o aumento da doença, o recrudescimento periódico, a falta de uma campanha adequada e, voltando no tempo, o desmonte feito na Fundação Nacional de Saúde com a demissão, no Governo Collor, de milhares de funcionários, e depois a exposição indevida dos chamados mata-mosquitos a produtos tóxicos que levaram a doenças - como disse V. Exª - incuráveis, permanentes, cada vez mais agravadas. Cumprimento V. Exª pelo alerta e pela denúncia que faz, me juntando a V. Exª e apelando para que o Ministro da Saúde e o Presidente da Funasa façam uma revisão no trabalho da saúde no País, dando ênfase à prevenção e, principalmente, proporcionando reciclagem ao pessoal especializado que trabalha nessa área, melhores condições de trabalho e melhor remuneração.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - Agradeço o seu aparte, Senador Mozarildo Cavalcanti, e faço um complemento sobre a questão dos servidores. Os agentes de saúde são os principais componentes dessa linha de frente. A Funasa tem servidores efetivos e temporários, e a situação dos temporários tem que ser revista pelo Ministério. Não podemos pegar esses servidores, usar por um tempo determinado e depois descartá-los. Suas funções trazem conseqüências na saúde de cada um e insegurança profissional, por não terem nenhum vínculo trabalhista com qualquer órgão governamental. O Governo tem uma responsabilidade social muito grande e jamais poderia usá-los temporariamente e depois descartá-los, sem sequer ter notícias das conseqüências desse descarte.

Concedo o aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Papaléo Paes, reafirmo o que disse anteriormente: V. Exª simboliza o funcionário público padrão, com estoicismo, abnegação, servindo ao povo do Brasil. É de chamar a atenção, no quadro que V. Exª apresenta, o momento que vivemos: do desrespeito e do desmonte do serviço público. V. Exª traz este caso particular, dos riscos a que os servidores da Funasa são submetidos. Portanto, é bom que façamos uma reflexão sobre este assunto, pois fatos como esses ocorrem em todo o serviço público, como é o caso dos demais serviços hospitalares e da área de segurança pública, que também estão sujeitos à contaminação e ao risco de vida. O pronunciamento de V. Exª, em defesa desses servidores da Sucam, serve para uma melhor reflexão com relação ao respeito que devemos ter com todos os servidores públicos do nosso País.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - Agradeço a V. Exª, Senador Mão Santa, pelo seu aparte. Ficamos satisfeitos quando esta Casa, como sempre faz, pega determinadas referências e reforça a vontade de um Senador, ou de um grupo de Senadores, de lutar pelo bem-estar, seja lá de que classe for, mas principalmente pelo bem-estar e da saúde da população. Agradeço a V. Exª.

Então, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trouxe à apreciação de V. Exªs uma questão grave, de desrespeito à saúde do servidor público, de desrespeito à vida humana, cometida por um órgão público, a Funasa, que é ligada, ironicamente, ao Ministério da Saúde.

O desrespeito vai a ponto de mentir em nota oficial com papel timbrado! Isso tem de ser esclarecido. O direito desses servidores contaminados, desses valorosos mata-mosquitos tem de ser garantido. Não se pode abandonar essa gente à sua própria sorte!

Faço um apelo veemente para que o Ministro da Saúde, Humberto Costa, o Ministro da Casa Civil, José Dirceu, e o Senhor Presidente da República tomem conhecimento desses fatos e sobre eles deliberem e adotem as providências que o caso requer, por ser de inteira justiça. Vou acompanhar o desenrolar dos fatos e não me furtarei a cobrar as ações necessárias à solução do problema.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR PAPALÉO PAES EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/11/2003 - Página 37965