Pronunciamento de Rodolpho Tourinho em 19/11/2003
Discurso durante a 166ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Homenagem pelo Dia da Consciência Negra.
- Autor
- Rodolpho Tourinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
- Nome completo: Rodolpho Tourinho Neto
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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HOMENAGEM.:
- Homenagem pelo Dia da Consciência Negra.
- Publicação
- Publicação no DSF de 20/11/2003 - Página 37981
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
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- HOMENAGEM, DIA NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, NEGRO.
O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, trato hoje de um tema que o Senador Paulo Paim abordou na semana passada. É um prazer ter V. Exª na Mesa.
Ao registrar que o mês de novembro é dedicado à Consciência Negra e que, em todo o País, se comemora o anseio de liberdade dos escravos, o Senador Paulo Paim homenageou os lanceiros negros, escravos que lutaram na Revolução Farroupilha.
Hoje, lembro alguma coisa de Zumbi e muita coisa ligada à minha Bahia.
Há mais de 300 anos, morria Zumbi dos Palmares, vítima de emboscada e traição. Já se podiam contar pelo menos 150 anos de um hediondo tráfico de seres humanos, destinado a durar mais de 3 séculos neste País. Os africanos eram atirados aos porões infectos de barcos precários, que cruzavam o Atlântico para que fossem vendidos como escravos. Zumbi é um ícone não apenas da resistência negra, mas também da luta do povo brasileiro pela liberdade. Como tal, inscreve-se em um processo secular de libertação do negro, que ainda hoje não conseguiu o seu devido lugar na sociedade brasileira.
Todavia, Zumbi teria perecido em vão se deixasse uma lição de ódio ou rancor - ao contrário, deixou uma lição de luta justamente contra os valores do ódio, da intolerância, do preconceito, da rapina; lição essa que não deve ser apenas dos negros, mas de todos os cidadãos brasileiros unidos na mesma consciência, para que se persiga o caminho da integração, de uma sociedade pluriracial e democrática, com direitos verdadeiramente iguais para todos, independente de cor, credo ou classe social.
Como Senador da Bahia, Estado de maioria afro-descendente, conheço de perto a problemática do negro. Salvador é a segunda cidade negra do mundo, perdendo somente para Lagos, na Nigéria. Mãe Aninha, a mais renomada Mãe de Santo de todas, chamava a Bahia de Roma Negra. Na história da luta do negro por sua liberdade e auto-afirmação, é marcante o papel das Grandes Mães Negras, que, graças a seu espírito de liderança e ao vigor de seu poder matriarcal, foram capazes de cimentar as bases da sociedade negra atual na Bahia e, por extensão, no Brasil.
Um povo só sucumbe quando é esmagado culturalmente. Agrupando em torno de si a coletividade negra nas comunidades-terreiro, as Grandes Mães de Santo da Bahia criaram um potente foco de resistência cultural, o que garantiu a sobrevivência do negro por meio da preservação de sua cultura e do fortalecimento de sua auto-estima. No princípio, os senhores, notando que os escravos trabalhavam melhor quando batiam seus tambores, passaram a permitir seus cultos sem saber que estavam incentivando a resistência e, sobretudo, a formação cultural que tanto influenciou a minha terra.
O candomblé chegou à Bahia no século XVIII, com a princesa gêmea Otampê Ojarô, que plantou o Terreiro de Alaqueto nos arrabaldes da cidade, para onde, desde logo, afluem negos livres ou fugidos, porque os terreiros de candomblé eram verdadeiros quilombos ainda mais protegidos pelo mistério. Tenho certeza, mistério, como diria Jorge Amado, que ainda os envolve até hoje.
Com a Abolição, as mulheres detinham mais capital e foram arrendando terras e criando os grandes candomblés na Bahia, núcleos de integração e de resistência até hoje. Mãe Menininha, Mãe Aninha, Mãe Senhora, no passado, Mãe Stella, Mãe Carmen, Olga de Alaketu, Mãe Tatá, no presente, são líderes de resistência negra que merecem tanto louvor quanto Zumbi, porque a luta do negro não pode ser limitada a um episódio. A luta do negro é um processo que está vivo e deve estar vivo, no dia-a-dia, de todos nós.
Quando homenageamos, no dia 20 de novembro, amanhã, a Consciência Negra, é preciso relembrar os horrores e a suprema vergonha do passado escravagista, da mesma forma que devemos relembrar os horrores e a hodienda vergonha do holocausto dos judeus e outras minorias na Segunda Guerra Mundial.
Talvez para fazer mais presente o horror dos trezentos anos de tráfico de escravos seja preciso tornar estas datas mais próximas: o holocausto e o tráfico negreiro.
Quando homenageamos o dia da Consciência Negra, Senador Paulo Paim, é preciso lembrar não só o exemplo dos que lutaram e das Mães de Santo da Bahia, mas, sobretudo, meditar acerca do contínuo processo de exclusão da raça negra na sociedade baiana e na sociedade brasileira, que deve ser objeto de nossas preocupações não somente em um dia de festa, mas em todos os dias do ano.
Muito obrigado.