Discurso durante a 166ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise dos últimos meses do Governo Lula, elogiando a postura do Planalto na negociação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Análise dos últimos meses do Governo Lula, elogiando a postura do Planalto na negociação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Pedro Simon, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 20/11/2003 - Página 38045
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, POLITICA EXTERNA, GOVERNO FEDERAL, ELOGIO, CRITERIOS, PARTICIPAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), PRIORIDADE, NEGOCIAÇÃO, INTERESSE NACIONAL, AUSENCIA, EXCLUSIVIDADE, BENEFICIO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DEFESA, SOBERANIA NACIONAL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, INICIATIVA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REALIZAÇÃO, VIAGEM, EXTERIOR, OBJETIVO, AMPLIAÇÃO, MERCADO EXTERNO, REGISTRO, CRESCIMENTO, EXPORTAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA, ESCLARECIMENTOS, ACORDO, GOVERNO FEDERAL, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), PROTEÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, CRISE, EXPECTATIVA, CURTO PRAZO, CONCLUSÃO, MATERIA.
  • ANALISE, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, AMPLIAÇÃO, CREDITOS, AGRICULTURA, PROPRIEDADE FAMILIAR, ESFORÇO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), EXPLORAÇÃO, PETROLEO, CRIAÇÃO, EMPREGO, RENDA, RETOMADA, INVESTIMENTO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), EXPECTATIVA, AQUISIÇÃO, AÇÕES, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), RECUPERAÇÃO, EMPRESA NACIONAL.
  • COMENTARIO, POSSIBILIDADE, RETOMADA, CONTROLE, EMPRESA BRASILEIRA DE TELECOMUNICAÇÕES S/A (EMBRATEL), AQUISIÇÃO, AÇÕES, BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), CRITICA, POLITICA, PRIVATIZAÇÃO, DESNACIONALIZAÇÃO, EMPRESA, DEFESA, EMPRESA NACIONAL, ESTADO.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador José Sarney, Srªs e Srs. Senadores, o Governo do Presidente Lula - obviamente há uma percepção geral, há um sentimento de toda a Nação, uma compreensão - trilha um caminho extremamente difícil, cuja delineação, cujo projeto de trajetória é, em muitos pontos, ainda indefinido. É quase um caminho definido pelo poeta espanhol, quando dizia: “Caminhante, não há caminho; caminho se faz a caminhar”.

Na verdade, para se trilhar um caminho, devem-se levar em consideração as pressões concretas, objetivas, reais do chamado mercado financeiro, do mercado internacional, do mercado nacional, que é uma projeção dele, e do império - as razões do império, as pressões do império. E, de outro lado, acionar a própria máquina de Governo para atender às exigências nacionais, às exigências da injustiça nacional, às exigências da enorme vergonha nacional, que é essa distribuição de renda desigual, e os compromissos assumidos pelo candidato Lula na eleição para a Presidência da República.

Achar a trilha que considere essas gigantescas pressões, de um lado, e as decisivas exigências, de outro, requer muita sabedoria e uma boa dose de ousadia, para avançar até o limite do possível, do politicamente, do realisticamente viável, porque, se for além, cairá, como caiu João Goulart.

Aqui, no Congresso Nacional, presenciei, participei dos episódios que levaram à queda de João Goulart, exatamente por não compreender os limites do viável e do possível e por pretender avançar além disso. Também acompanhamos, de longe, a experiência de Salvador Allende, no Chile, que foi um farol para todos nós, uma referência que nos guiava nas nossas ações políticas, nos nossos pensamentos.

O Presidente Lula não pode avançar além do limite que mantém a segurança do exercício do poder e não pode ficar muito aquém desse limite, sob pena de repetir o que ocorreu com Lech Walesa, um fenômeno cuja vida política tem muitas analogias com a de Luiz Inácio Lula da Silva, e que se transformou numa decepção mundial exatamente por não saber que poderia avançar e por se submeter a todas as exigências do mercado do neoliberalismo e do império, que, então, triunfou sobre a sua contrapotência, que era a União Soviética.

É claro que é preciso ir até onde for possível, e não ficar paralisado pelas pressões e pelas exigências de potências internacionais.

Penso que, ao trilhar esse caminho dificílimo, o Presidente Lula e o seu Governo - com erros, obviamente, que todos cometem; é impossível deixar de cometer erros e equívocos aqui e ali - estão avançando com a sabedoria necessária, como, por exemplo, com relação à negociação da Alca.

O Presidente repetiu enfaticamente - e o faz com muita freqüência - que a Alca só seria possível se interessasse ao Brasil, se fossem respeitados os interesses do País. E a fórmula encontrada pelo Governo Lula e levada aos demais negociadores - de que há um acordo geral, sim, mas que cada país adere a ele até o ponto que quiser - é realmente uma ousadia.

Era impensável, há alguns anos, enfrentar a vontade e o interesse da grande potência, do império. No entanto, o enfrentamento foi feito com tal sabedoria que deixou em dificuldade os Estados Unidos. É claro que o país partiu para a retaliação, para tentar acordos bilaterais com alguns países que mais dependiam dele, como Equador, Peru, Panamá, etc.

Tudo isso é um jogo de exercício de poder, mas é um poder que encontrou um outro poder. É claro que bem mais fraco, menos armado e menos rico, mas que exerceu sua parcela de poder e impôs o seu limite, que tem que ser respeitado.

Esse episódio da negociação da Alca é histórico, Sr. Presidente. Na história deste continente e na América do Sul, é um exemplo de sabedoria encontrar um caminho que não submeta o País à grande potência, mas no qual o País avance até o limite que pode avançar.

Não se comete a imprudência de negar tudo, de se retirar, de enfrentar, mas se insiste na negociação, que pode até resultar na prorrogação ou em uma fórmula que resulte em uma Alca muito menor para nós, brasileiros. Ela pode ser completa para outros países, que quiseram, mas, para nós, será algo menor, que atenderá aos nossos interesses e não atingirá a nossa economia, submetendo-a completamente à lógica da economia hegemônica do mundo.

Assim também a sabedoria de iniciativas que têm sido tomadas para a abertura de novos mercados é extremamente importante. O crescimento das exportações do Brasil para a China, por exemplo, é muito relevante. A economia chinesa, em pouco tempo, será maior, em valor absoluto, do que a economia americana. Dizer que só existe um mercado, o mercado americano, é uma balela. O mercado chinês é um mercado em evolução, numa taxa de crescimento bastante alta.

O Brasil conquistou uma posição importante no comércio internacional com a China, assim como a Índia e a África do Sul. O expressivo crescimento das exportações brasileiras não é só uma decorrência dos esforços de Governos passados. Reconhecemos que o Governo passado tem os seus méritos nesse crescimento, mas isso não é só resultado da desvalorização do real, que é outra componente importante no crescimento desse comércio. O crescimento das exportações brasileiras têm algo mais e vai em uma terceira dimensão, que é resultante exatamente da política comercial brasileira, da política externa brasileira, dos esforços do Ministro Celso Amorim e do Presidente da República, com suas viagens. Essas viagens freqüentes do Presidente Lula têm dado um excelente resultado, que não pode ser subestimado. É claro que há a crítica de que o Presidente viaja demais, mas é exatamente essa projeção do Brasil, por meio das viagens do seu Presidente, que está contribuindo para criar essa terceira dimensão, além dos esforços de todos os Governos anteriores, além da desvalorização do real, que leva as exportações brasileiras a bater todos os recordes e a superar todas as expectativas feitas anteriormente.

Esse é um resultado muito positivo, proveniente da boa ousadia, da ousadia que pode e deve ir até o limite, a fim de que o Brasil saia da condição de país fragilizado pela dependência internacional.

A própria negociação com o FMI, que para muitos resultou em decepção, é mais um acordo. Mas, se verificarmos o que resultou desse acordo - ainda que sejam ampliações pequenas, muito aquém do que gostaríamos -, veremos que é um acordo extremamente limitado em termos de novo endividamento, limitado no tempo, o que já se explicita como sendo o derradeiro e findo no próximo ano. A falta do acordo poderia - já que as reservas brasileiras são pequenas - tornar o País vulnerável a ataques especulativos internacionais. Portanto, o acordo foi suficiente para garantir que tais ataques não ocorressem e chegou ao limite certo: só por um ano; daí para a frente, acaba o compromisso. Agradecemos muito, mas, a partir daí, nós mesmos cuidaremos da nossa economia.

Tudo isso está dentro dessa estratégia e desse caminho dificílimo, comprimido entre pressões de um lado, exigências do outro e ações internas também. É claro que a liberação do Brasil no campo internacional tem sido a face mais óbvia desses avanços do Governo do Presidente Lula, mas internamente também tem havido avanços importantes no que diz respeito à ampliação do microcrédito, da agricultura familiar, da criação do programa Bolsa-Família. Tudo isso é relevante.

Também há a ação da Petrobras, por exemplo, garantindo um suprimento nacional mínimo muito maior para as atividades de exploração dos novos campos de petróleo e a construção no Brasil de navios, que antes eram encomendados e afretados no exterior. A ação da Petrobras traz a atividade econômica para o Brasil, gerando emprego, renda, riqueza.

A atividade do BNDES, a meu juízo, é simbólica, definidora de uma posição governamental. O BNDES retoma a sua qualificação de banco de desenvolvimento, de banco que vai cuidar da economia brasileira, da geração de empregos no Brasil, de banco que vai cuidar também da área social, que financiará saneamento, habitação, todo um conjunto de investimentos sociais. Também cuida do econômico e vai ao ponto de se preocupar com a possibilidade de perda de controle nacional da nossa segunda maior empresa, a Vale do Rio Doce.

Sei que essa operação de compra das ações da Vale do Rio Doce foi muito criticada. A nossa imprensa está cheia de colunistas que servem aos interesses que dominaram a nossa economia durante todo esse tempo. É claro que esses colunistas sempre vão criticar toda ação que tenha como objetivo preservar a soberania, a autonomia, a independência, a capacidade, o controle nacional sobre a economia brasileira e sobre as grandes empresas que impulsionam essa economia.

O controle nacional da Vale do Rio Doce é decisivo em termos de estratégia de desenvolvimento nacional. Então, não é de pouca importância comprar ações necessárias para manter a maioria do Conselho Administrativo da Vale em mão de brasileiros. BNDES e Previ, agora, dominam o Conselho de Administração, e a estratégia política da Vale do Rio Doce seguirá no sentido de dar respostas aos interesses nacionais brasileiros e não mais ao puro interesse de lucratividade e de remuneração de seus acionistas, em grande parte estrangeiros e também nacionais.

Porém, a Vale do Rio Doce é uma empresa estratégica - como é a Petrobras, obviamente -, cujo controle deve estar em mão de brasileiros. Não se pode correr o risco de deixar que esse controle venha a ser assumido por empresas estrangeiras. Pode-se dizer que a Vale comprou as ações por um preço maior do que a Mitsui. A Mitsui havia comprado as ações em setembro, e a Vale o fez em novembro. Os preços das ações da Vale se elevaram. A Mitsui comprou uma quantidade muito maior, e, obviamente, quando se compra uma quantidade maior, o preço por ação tende a ser menor.

A justificativa do BNDES é absolutamente aceitável, totalmente correta. Era fundamental que assim tivesse sido feito, para que não houvesse o risco de perda de controle. Pessoalmente, penso que o BNDES está querendo interferir na venda da Embratel. Se pudermos recuperar para os brasileiros o controle da Embratel, meus Deus do céu! A Embratel é outra empresa estratégica, que foi privatizada e desnacionalizada e entregue a capitais estrangeiros. Mas, se houver chance - e, ao que parece, há - de o BNDES ajudar uma empresa nacional a adquirir o controle da Embratel, penso que isso será plenamente não só justificável, como também correto, adequado e muito importante para a recuperação do controle das grandes alavancas da economia brasileira, perdido pela política suicida, entreguista, em que se achava que não tinha importância nenhuma o controle nacional sobre as grandes empresas brasileiras.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Senador Roberto Saturnino, V. Exª me permite um aparte?

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Com muita alegria, concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Penso que merece felicitação o BNDES pela atitude tomada. No meio do silêncio, com tudo o que ocorreu com a Vale do Rio Doce, foi uma atitude de coragem e de grande credibilidade do BNDES. Em uma hora em que as empresas multinacionais poderiam adonar-se totalmente da Vale do Rio Doce, o Dr. Carlos Lessa teve uma atitude corajosa. A imprensa noticiou que houve crítica do Presidente Lula, o que não é verdade. Fui informado de que o Presidente Lula não fez crítica alguma; quem a fez foi um jornalista do Ministério da Fazenda, que vem de governos anteriores. Na verdade, ocuparei também essa tribuna para felicitar o Presidente do BNDES, que teve uma atitude altamente positiva, o que talvez permita que recuperemos ou, pelo menos, tenhamos uma posição, a Vale do Rio Doce. Em uma hora como esta, da maior importância, felicito o Presidente do BNDES pela atitude tomada e V. Exª pelo pronunciamento.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Obrigado, Senador Pedro Simon, o aparte de V. Exª tem muito valor para o meu pronunciamento e para este momento que estamos vivendo.

A posição assumida pelo Presidente do BNDES, Carlos Lessa, foi oportuníssima, porque tinha de ser exatamente naquele momento. A decisão do BNDES foi estratégica e aplaudida pelo Governo. Tenho absoluta certeza do que estou dizendo, corroborando com o que V. Exª mencionou no seu aparte.

Assim, o BNDES tornou-se outra vez defensor dos interesses brasileiros, da economia nacional, o que é de uma importância inestimável nesse processo, que será lento. A retomada do controle para os brasileiros não se dará de uma hora para outra, mas será algo lento. Trata-se de uma política que foi traçada pelo Governo e que está sendo seguida com prudência, pois tem de haver prudência, há que se combinar sempre, como disse, a ousadia com a prudência e a sabedoria. É isso o que está sendo feito, e é muito importante que seja levado à frente, às últimas conseqüências.

É um caminho difícil e, muitas vezes, encontra incompreensão. E é natural que encontre, porque nesse caminho se tem de confrontar e até assumir posições contrárias ao que o próprio Partido e o Presidente diziam em momentos muito próximos, anteriores. É preciso haver a compreensão de que o quadro mudou com a agregação de uma frente maior e com as dificuldades que o Governo tem de enfrentar. A lógica de Governo é diferente da lógica da Oposição. A ética de Governo é a ética de responsabilidade, mais do que a ética de convicção. Isso é sabedoria filosófica de Max Weber, mas que temos de levar em conta, sim, porque as responsabilidades de um governo, sabendo os obstáculos e as dificuldades que encontrará, são grandes. Não se pode correr o risco de perder-se tudo, como perdeu Salvador Allende, João Goulart. Perderam experiências que não levaram em conta essa necessidade, essa sabedoria e essa prudência.

Mas é preciso avançar dentro do possível. No Plano Plurianual -- PPA, por exemplo, devemos avançar um pouco mais em relação ao que foi posto para o Congresso em termos de superávit. Não há necessidade de se manter aquele superávit elevado durante todo o tempo do Governo Lula, porque isso vai dificultar muito a retomada do desenvolvimento. É preciso elastecer e buscar taxas de crescimento mais elevadas. O Brasil não pode se satisfazer com um crescimento de 3,5 ou 4%. A economia brasileira tem que crescer mais que 5% para manter vivo o compromisso do Presidente da República de geração de 10 milhões de empregos. Esses compromissos têm que ser mantidos vivos. Para isso, é preciso ter aquele coeficiente de ousadia, de ir mais à frente, pois a excessiva prudência poderia levar o Presidente a repetir a experiência de Lech Walesa. Deus nos livre disso, porque não saberíamos o que isso resultaria em termos de estabilidade política no País. Seria uma ducha fria, uma decepção semelhante ao que foi Lech Walesa na Polônia. No Brasil, talvez fosse algo que destruiria o nosso ideal democrático em grande profundidade.

É preciso manter essa sabedoria, trilhar esse caminho extremamente difícil, ousando até onde deve ser ousado, mas respeitando os limites da realidade e das forças terríveis existentes limitando os nossos interesses, que são as forças do mercado e da grande potência.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Com muito prazer, ouço meu Líder, Senador Tião Viana.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Caro Senador Roberto Saturnino, estou atento ao pronunciamento de V. Exª, mediante o qual faz um diagnóstico situacional da realidade do País, da política estratégica em áreas fundamentais do desenvolvimento. V. Exª aponta um debate sobre o financiamento, também nacional, em uma economia globalizada, nessa saída que estamos tendo do neoliberalismo - este perdeu a sua identidade pela própria realidade, entrando em crise efetiva no cenário internacional. Muitos países procuram encontrar uma saída que diga respeito à afirmação da sua soberania, mas que não atrofie a idéia de um novo momento da globalização e de uma realidade internacional com um multilateralismo efetivamente instalado e assegurado para o desenvolvimento das nações. Quando V. Exª pontua o debate da Companhia Vale do Rio Doce, traz uma reflexão de todos. Penso que o Governo brasileiro deixou claro que tem salvaguardas que asseguram a preservação da Vale do Rio Doce como patrimônio nacional. Não haveria possibilidade de pulverização para empresas privadas internacionais, e essa é a visão estratégica que tem o Brasil sobre a Vale do Rio Doce. Estamos sabendo ter a convivência com empresas particulares e privadas, nacionais, e saberemos aperfeiçoá-la ao longo do tempo. E houve acordo do Governo golden share no sentido de garantir efetivamente a Vale do Rio Doce como um patrimônio nacional. Em nenhum momento se cogita, como Governo, a re-estatização da Vale do Rio Doce, porque não seria uma medida inteligente, como V. Exª muito bem pondera. Não queremos retroceder, queremos afirmar a nossa identidade com uma visão correta de soberania, mas nunca pensando em uma política estatizante que não tenha a inteligência devida. A Vale do Rio Doce não corre perigo porque tem salvaguardas, hoje, que asseguram a sua identidade como patrimônio nacional.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Obrigado, Senador Tião Viana. Agradeço a V. Exª pelo aparte e aproveito para cumprimentá-lo pela sabedoria que tem manifestado na condução da Bancada do PT nesses momentos difíceis que estamos vivendo.

E, nesses momentos, incompreensões são suscitadas precisamente porque o caminho que estamos percorrendo é difícil e muito complicado. Mas se decidiu, definitivamente, que neoliberalismo, no Brasil, não existe mais por parte do Governo. Ou seja, acabou o recuo do Estado; a entrega total às forças de mercado; a abertura completa da economia sem preocupação alguma com a defesa; as privatizações. Isso acabou, o neoliberalismo no Brasil, em termos de política econômica, acabou.

Contudo, o fim do neoliberalismo não significa fazer uma revolução no sentido de desrespeitar uma realidade que existe, que é muito forte e que tem de ser confrontada e enfrentada com a devida sabedoria e as devidas cautelas.

É verdade que isso gera incompreensões em aliados, em companheiros nossos devido a uma vida de luta política de tanto tempo. Mas são incompreensões, porque aquele que pensar com mais profundidade e reconhecer a realidade, há de reconhecer também que a trilha que está sendo seguida pelo Governo é a correta e extremamente difícil, aquela que não pode levar nem à síndrome João Goulart e Salvador Allende, nem à síndrome Lech Walesa. Tem que ser algo que avance substancialmente, mas respeitando a realidade, que impõe a nós certas reservas, cuidados e sabedoria.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permite-me um aparte, Senador Roberto Saturnino?

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Com muito prazer, Senador Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Roberto Saturnino, V. Exª faz observações de que o Presidente Lula não deverá seguir - e, na sua previsão e avaliação, não seguirá - caminhos como os dos Presidentes Salvador Allende ou Lech Walesa. Comungo com V. Exª nessa certeza, primeiro porque a forma como o Presidente Lula chegou ao Poder já leva em conta um grande amadurecimento e progresso político para os povos do Terceiro Mundo da América Latina. V. Exª também citou o episódio do Presidente João Goulart. Pois bem, na eleição do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, houve como que um acúmulo de aprendizado. O que aconteceu de diferente foi que, no Brasil, desde 1988, instituiu-se o sistema de dois turnos, o que trouxe maior legitimidade para o escolhido nas eleições. E Lula, felizmente, foi escolhido no segundo turno de maneira tal que a ninguém restou dúvida, pois, com 62% dos votos dos brasileiros, 53 milhões de eleitores praticamente, houve um respaldo muito diferente do que caracterizou a eleição de Salvador Allende, que obteve 37% dos votos. Logo, parcela da sociedade chilena começou a dizer que ele não tinha legitimidade nem maioria absoluta. No Chile, apenas o Congresso havia afirmado sua legitimidade, porque quem confirmava o segundo turno era o Congresso, e não a população. Esse fato, pois, já fez enorme diferença. O segundo ponto é que Lula tem-se caracterizado, inclusive em seus pronunciamentos, por sempre dizer que nunca abandonará seus maiores compromissos e anseios de realização de justiça. E Sua Excelência está pronto para ser cobrado com respeito às metas que estipulou, sobretudo assegurar a todo o povo brasileiro que, até o final de seu mandato, todos poderão ter neste País pelo menos três refeições ao dia. Além disso, poderão ser cobradas as metas de crescimento de emprego e de oportunidades, ainda não inteiramente realizadas. É muito importante que o povo brasileiro cobre isso, e Sua Excelência sabe que, inclusive dentro do PT, alguns de seus companheiros e amigos, com muita lealdade, estão cobrando o cumprimento de tais metais. Mas tenho a confiança, sim, de que as autoridades econômicas, o Ministro Antonio Palocci, o Ministro Guido Mantega, todo o corpo ministerial e o Presidente Lula conseguirão fazer a economia deslanchar e atingir esses objetivos. Também tenho a certeza de que o Presidente Lula não decepcionará a população, como ocorreu no caso do Presidente Lech Walesa. Sei de muitos segmentos da sociedade que hoje estão preocupados, inclusive aqueles que, quanto à reforma da Previdência, dirigem-se a nós, a V. Exª e a mim próprio, dizendo: “Puxa! E os compromissos que havia conosco, servidores?” Mas percebo que é preciso ver a reforma da Previdência com o sentido amplo de realização de eqüidade e de justiça. Com respeito a esse assunto, há companheiros e companheira nossos que, muitas vezes, têm manifestado críticas severas. Entretanto, isso tudo é parte da riqueza e do amadurecimento do nosso Partido. É a história do nosso Partido. Concordo inteiramente com a sua tese, Senador Roberto Saturnino: o Presidente Lula vai, sim, realizar os grandes sonhos e anseios da população brasileira, pois foram eles que o levaram a se eleger Presidente.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Senador Eduardo Suplicy, agradeço a colaboração de V. Exª. Seu aparte foi extremamente lúcido - como são todas as suas intervenções - e veio reforçar minhas convicções, não obstante serem elas bem profundas. V. Exª tem toda a razão em lembrar que o êxito do Presidente Lula, que todos esperamos e no que acredito firmemente, obviamente se deverá às suas qualidades - inteligência, habilidade de negociador, lealdade, ética, moral -, às qualidades de nós todos que o apoiamos, mas dever-se-á também, em grande parte, à experiência adquirida com episódios políticos anteriores, como, por exemplo, o de João Goulart, que vivi mais de perto. João Goulart assumiu a Presidência quando um louco se demitiu, mas não havia expectativa de poder por parte dele, não houve preparação. João Goulart assumiu a Presidência cheio de compromissos políticos, mas sem nenhuma preparação, sem nenhuma ordenação, sem nenhum planejamento, sem nenhum amadurecimento. Assim, naquele tiroteio entre as vanguardas políticas, que exigiam avanços cada vez maiores, e os mais experientes, que pediam prudência, o Governo acabou soçobrando, porque lhe faltou o necessário amadurecimento.

Como V. Exª lembrou bem, Salvador Allende não teve a maioria absoluta. O segundo turno para Lula foi muito importante, primeiro porque lhe deu legitimidade - não foram os 37% de Salvador Allende, mas foram mais de 60% dos votos - e segurança em outros setores que não eram as áreas políticas originárias de Lula. Quer dizer, ele teve que assumir outros compromissos, porque, obviamente, ao ser ampliada sua área de apoio político, ampliou-se também sua área de compromisso. De certa forma, isso causou alguma mágoa, alguma desilusão em companheiros tradicionais da primeira hora do PT, mas ele o fez por necessidade, exigida por tal legitimidade. Os 62% exigiram de Lula uma reformulação nos seus projetos originais, mas isso, em contrapartida, deu-lhe a solidez e a estabilidade para cumprir aqueles compromissos fundamentais, que ele não pode negar, não negará nunca e estão estabelecidos na sua carta-compromisso, já como candidato de segundo turno.

E V. Exª lembrou muito bem: esse aspecto é decisivo para compreensão dessa realidade, que está sendo enfrentada com sabedoria e com a dose de prudência e de ousadia necessárias para trilhar esse caminho que, como eu disse, é extremamente difícil.

Sr. Presidente, agradecendo a atenção de todos e a paciência de V. Exª, encerro as minhas palavras.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/11/2003 - Página 38045