Discurso durante a 167ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Dia Nacional da Consciência Negra.

Autor
Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Dia Nacional da Consciência Negra.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/2003 - Página 38299
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, NEGRO, LEITURA, OBRA LITERARIA, DENUNCIA, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, REGISTRO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE).
  • HOMENAGEM, VULTO HISTORICO, NECESSIDADE, CONTINUAÇÃO, LUTA, LIBERDADE, IGUALDADE, RAÇA.
  • ELOGIO, CRIAÇÃO, SECRETARIA ESPECIAL, POLITICA, PROMOÇÃO, IGUALDADE, RAÇA.

A SRA FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,

"Vou dá uma prova franca/ falando para seu dotô/ gente preta e gente branca/ tudo é de Nosso Senhô/ mas tem branco inconsciente/ que querendo sê decente diz que o preto faz e nega/ que o preto tem toda faia/ não vê os rabo de paia/ que muitos branco carrega."

Inicio meu discurso que remete ao Dia Nacional da Consciência Negra com a leitura de um poema do grande e infelizmente falecido Patativa do Assaré, genial poeta cearense que, com sua simplicidade de palavras, tão bem nos mostrou a dureza dos sertões, a vida da gente simples do Brasil.

As contradições, as posições de confronto que historicamente as classes sociais no Brasil vivenciam, estão colocadas nestes versos de Patativa do Assaré, neles estabelecendo-se claramente as diferenças que, ao longo dos anos, a cultura dominante - a dos brancos - impôs às demais.

Na sua sabedoria, o poeta nos desperta para a reflexão pois propõe a igualdade entre as raças, a abolição do preconceito. Coloca o dedo na ferida, como se diz no popular.

Srªs e Srs. Senadores, o Dia Nacional da Consciência Negra é celebrado desde 1972 pelos negros brasileiros como o símbolo da liberdade, da resistência de uma raça na força e coragem de Zumbi dos Palmares, o líder de revoltosos que, durante muitos anos, enfrentou a fúria dos soldados portugueses para que seu povo fosse respeitado. Há 308 anos, no dia 20 de novembro, Zumbi dos Palmares foi assassinado. 

Mas seu sonho permanece inabalável na força dos movimentos sociais. Se em sua época Zumbi lutava por sua liberdade e pela liberdade de todos os escravos, hoje a população negra ainda luta: pela igualdade de acesso às políticas públicas de saúde, educação e moradia; luta para a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho; luta para mudar a condição de vida miserável em que muitos se encontram, nas favelas, sem emprego, perseguidos pela polícia, tratados com inferioridade pelo branco descrito nos versos de Patativa do Assaré.

E se os movimentos sociais, ao longo de anos, vem crescendo, se multiplicando, estabelecendo formas de colóquio com a sociedade que exclui negros, mulheres, índios e homossexuais, muito se deve a heróis como Zumbi dos Palmares.

De sua dignidade e altivez não se afastou um milímetro, recusando acordos espúrios, qualquer tentativa de fazê-lo abandonar seu povo, abandonar o Quilombo dos Palmares, uma verdadeira cidade, que chegou a ter mais de 20 mil pessoas, em Pernambuco.

De outro lado, a própria história de Zumbi dos Palmares, nada ou muito pouco retratada nos livros escolares produzidos e ditados pelo sistema que exclui as “minorias”, nos foi revelada pelo movimento negro nas décadas de 60 e 70.

Existem muitas dúvidas sobre a época em que tenha vivido Zumbi dos Palmares, mas não há duvida sobre sua autoridade, o símbolo de resistência negra em que se tornou, e a data de seu assassinato se transformou nesta que lembramos hoje, Dia da Consciência Negra.

Em todo o Brasil se promovem hoje eventos para marcar a resistência do povo negro, marcar seu grito pela inclusão social, e não podíamos deixar de registrar que, com a criação da Secretaria Especial das Políticas de Promoção da Igualdade Racial, pelo GOVERNO LULA, a dimensão dos problemas do povo negro ganham a visibilidade que merecem.

Sobretudo, ganham um canal para que os movimentos sociais e governo possam construir políticas públicas que atendam suas aspirações, justas e legítimas aspirações de um povo que no trabalho escravo forjou nossa rica cultura, presente em todos os cantos do País.

Estas aspirações, Srªs e Srs. Senadores, requerem a construção da cidadania negra, com igualdade de oportunidades, e é isso que aflora nos debates de hoje em todo o País, passando pelos quilombolas do Vale do Mamoré, em meu Estado, pela comunidade do Maranhão, que resiste nos arredores da Base de Alcântara, pelos negros da Bahia e de todos os lugares.

Vive, portanto, os ideais de Zumbi dos Palmares. Em Rondônia, o Grupo de União e Consciência Negra desenvolve atividades há doze anos, organizado em municípios importantes como Ji-Paraná, Vilhena, Cacoal e Jaru. O Grupo vem difundindo na sociedade rondoniense a cultura e os valores da raça negra, denunciando a discriminação e o preconceito. 

Neste dia de hoje está promovendo palestras, o que também está ocorrendo na capital do Estado, Porto Velho, numa parceria entre a Assembléia Legislativa e movimentos da sociedade civil organizada. Aliás, é de bom tom registrar a iniciativa inédita da Assembléia, que dará à população local a oportunidade de conhecer os povos quilombolas dos Vales do Guaporé e Mamoré.

Profissional da educação, quero, dentre tantos indicativos que sustentam a exclusão do negro das políticas públicas, abordar um em especial - o acesso ao ensino superior. Mas quero, em primeiro lugar, reafirmar que somente por meio da educação não somente os negros, mas milhões de brasileiros excluídos dos serviços que o Estado tem obrigação constitucional de prestar, terão cidadania plena.

Segundo o Censo de 2000, dos 2 milhões, 864 mil e 46 brasileiros matriculados em cursos superiores, 78,5% eram brancos, 0,23% eram negros e 1,61% pardos. Estes e outros dados têm revelado que o percentual é cada vez mais decrescente do número de negros à medida que avança o nível superior.

O que ocorre é exclusão prematura da escola, conforme os estudos do Sistema de Avaliação da Educação Básica. A quantidade de negros na última série do ensino médio é reduzida pela metade se comparada ao último ano do ensino fundamental.

Na hora do vestibular, os candidatos negros evitam cursos mais concorridos, como Medicina, preferindo área ‘mais fáceis de passar’, significando que, além de serem minoria, não se distribuem de maneira uniforme nas diferentes opções acadêmicas. No vestibular de 2003, somente dois candidatos negros foram aprovados para os cursos de Medicina oferecidos pelas universidades públicas paulistas.

Outro dado do IBGE, de 2002, reforça a “peneira” que alija do ensino superior o negro brasileiro. Só 26% da população de negros e pardos, entre 18 e 24 anos, está apta a prestar o vestibular, ou seja, possui o ensino médio completo, enquanto os brancos contabilizam 72%. E o mais grave é que, do percentual de 26%, menos da metade se inscreve no exame.

Sabemos que o governo se mexe para combater esta inclusão, o debate e experiências com cotas já ganham espaço nas universidades, mas é preciso acelerar medidas que de fato garantam a inclusão dos negros no ensino público, ao longo de séculos marginalizados pela sociedade. 

E entendo que, nesse processo, se trata de incluir a pobreza, as classes sociais desassistidas, atendidas com péssima qualidade de ensino ou nem mesmo isso, e o negro obviamente aí está incluído.

Garantir a inclusão social da população negra é garantir a inclusão social das classes mais baixas do País. Isso é tarefa do Estado, mas todos podem e devem colaborar.

Assim, registro com muita satisfação uma inédita iniciativa no País da ONG Sociedade Afro-Brasileira de Desenvolvimento Sociocultural que inaugura, em São Paulo, nesta sexta-feira, a faculdade Zumbi dos Palmares, com 50% das vagas reservadas para negros. 

O destemido líder Zumbi dos Palmares certamente festejaria esta pioneira frente de combate à exclusão. Que ela tenha vida longa e possa se multiplicar pelo País afora.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/2003 - Página 38299