Discurso durante a 167ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Dia Nacional da Consciência Negra.

Autor
Serys Slhessarenko (PT - Partido dos Trabalhadores/MT)
Nome completo: Serys Marly Slhessarenko
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Dia Nacional da Consciência Negra.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/2003 - Página 38301
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, NEGRO, HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, VULTO HISTORICO, REGISTRO, ATUAÇÃO, HISTORIA, BRASIL, COMBATE, ESCRAVATURA.
  • REGISTRO, DADOS, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, BRASIL, NECESSIDADE, LUTA, IGUALDADE, JUSTIÇA SOCIAL.

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho hoje à tribuna juntar-me àqueles que celebram o Dia da Consciência Negra. Como é sabido, em 20 de novembro de 1695, era morto Zumbi dos Palmares. Um dia como hoje é importante não apenas para lembrarmos os nossos heróis, mas, também, para refletirmos sobre graves problemas que ainda acometem o nosso País: a desigualdade e a discriminação racial.

Gostaria de começar falando sobre Zumbi. Pouco se conhece sobre ele. O que se sabe é fruto de esforços do Movimento Negro, que, ao longo das décadas de sessenta e setenta, lutou para reconstituir, no que fosse possível, a trajetória desse incrível homem.

Poucos têm a exata consciência do que representava, no Brasil colonial, resistir à escravidão. Os métodos usados pelos escravocratas para manter sob controle os seus escravos incluíam espancamento, tortura, mutilação e violência sexual. Fugir era um ato de extrema coragem, pois, se fosse capturado, o escravo seria punido severamente. Resistir, então, exigia coragem, ousadia e um fantástico amor pela vida e pela liberdade.

Em todo o Brasil, inúmeros quilombos surgiram como focos de resistência à escravidão. Podemos verificar que existem, no interior do Brasil, muitas comunidades que foram originalmente quilombos. Um exemplo, bem perto de nós, são os Calungas, que estão estabelecidos na Chapada dos Veadeiros, em Goiás.

O nome de Palmares, mais do que todos, ficou gravado na alma do povo brasileiro. Não obstante as muitas tentativas de apagá-lo de nossa história, Palmares imortalizou-se como o símbolo de dois sonhos. O primeiro deles é a possibilidade de uma vida comunitária, igualitária e democrática, possível para todos, independentemente de sua cor. O segundo é a constatação de que o brasileiro é um povo corajoso e amante da liberdade.

O que verdadeiramente impressiona em Zumbi é que ele não se dispôs a fazer concessões. Palmares, em seu auge, chegou a ter 20 mil habitantes e se tornou autêntica ameaça à Coroa Portuguesa. A metrópole, diante disso, propôs a paz, desde que os negros não nascidos em Palmares fossem reconduzidos à escravidão. Zumbi rejeitou a proposta, mesmo sabendo que o custo de sua negativa seria uma luta penosa contra os portugueses. Zumbi tinha plena consciência de que os colonizadores jamais aceitariam um Palmares livre e independente. Zumbi morreu e viveu por seu sonho.

Fernando Pessoa disse, certa vez, que o homem é do tamanho de seus sonhos. Zumbi foi grande porque não teve medo de sonhar e de ousar. Zumbi foi grande porque seus sonhos transcenderam a ele e se tornaram os sonhos de muitos outros brasileiros.

Os anseios de Zumbi, infelizmente, ainda não se cumpriram. Aqueles que foram trazidos à força do outro lado do Atlântico, pagando com suas vidas a construção deste País, ainda são tratados como cidadãos de segunda categoria.

Podemos verificar isso, por exemplo, na forma como as novelas brasileiras retratam o negro. Apesar de constituírem expressivo percentual da população brasileira, os negros são praticamente invisíveis nas novelas. Existem poucos personagens negros e, em geral, são os personagens secundários e com cargos e profissões subalternas. Todos somos sabedores da importância das novelas como formadoras de conceitos e de idéias na população brasileira. Aqui, creio eu, cabe um elogio ao escritor Gilberto Braga, que incluiu, em sua última novela - Celebridade - um personagem negro, o fotógrafo Bruno, que é um personagem com bastante destaque na trama.

Feita essa observação, voltemos à vida real. Qualquer um que caminhe pelas ruas de nossas cidades pode, facilmente, verificar como o negro é maltratado no dia-a-dia. As estatísticas mostram que os negros são detentores dos piores empregos, das piores taxas de escolarização, dos maiores índices de trabalho infantil e que são a maioria dos trabalhadores subempregados. Basta uma caminhada pelas nossas cidades para que tudo isso seja verificado.

Gostaria, porém, de mostrar algumas estatísticas que dirimem quaisquer dúvidas sobre a existência de dois Brasis muito diferentes, um negro e um branco. Vejamos: em 2001, 7,7% dos brancos com mais de 15 anos eram analfabetos. Entre os negros, esse número subia para 18,2%. Enquanto 3% da população branca vive em favelas, esse número sobe para 6,1% quando falamos dos negros. Enquanto o branco tem 6,9 anos de média de estudo formal, quando se trata do negro esse número cai para 4,7 anos. Da mesma forma, quando contratados para empregos semelhantes, o negro recebe um salário menor do que o branco.

Todos os dias, os meios de comunicação, os políticos e a sociedade falam sobre a construção de uma sociedade mais justa, mais igualitária e mais democrática. Não podemos, porém, alcançar esse ideal sem que ajamos de forma decisiva para a inclusão do negro em nossa sociedade. Não faremos do Brasil um País mais justo enquanto o negro continuar a ser tratado como cidadão de segunda categoria. Só faremos do Brasil uma Nação no momento em que o negro for tratado com dignidade, respeito e igualdade.

Palmares, mais do que tudo, foi e é um símbolo de todas as pessoas, de todos os guerreiros que se levantaram contra a opressão e a escravidão. A opressão e a escravidão, em nossos dias, se transformaram em subemprego, preconceito e desigualdade racial.

A luta de Palmares e de Zumbi é, agora, a nossa luta. Devemos agir como Zumbi, sem fazer concessões e sem desistir de nosso sonho: construir uma nação em que todos sejam iguais, sem preconceito de qualquer espécie.

Termino com as palavras de outro grande homem - Martin Luther King: “Eu tenho um sonho no qual um dia esta nação se erguerá e viverá o verdadeiro princípio do seu credo: Nós acreditamos que esta verdade é auto-evidente, que todos os homens são criados iguais”.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/2003 - Página 38301