Discurso durante a 168ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a reforma da previdência. Postura do governo federal frente às questões sociais.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL. REFORMA AGRARIA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Considerações sobre a reforma da previdência. Postura do governo federal frente às questões sociais.
Publicação
Publicação no DSF de 22/11/2003 - Página 38457
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL. REFORMA AGRARIA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, AUTORITARISMO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), TRAMITAÇÃO, PROPOSTA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, DESRESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • CRITICA, POLITICA SOCIAL, GOVERNO FEDERAL, FALTA, APOIO, SEM-TERRA, ENTIDADE, IGREJA CATOLICA, CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA (CNTA), CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUARIA DO BRASIL (CNA), UNIÃO DEMOCRATICA RURALISTA (UDR), PLANO NACIONAL, REFORMA AGRARIA, DESCUMPRIMENTO, COMPROMISSO, CAMPANHA ELEITORAL.
  • GRAVIDADE, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), AUMENTO, TRABALHO, INFANCIA, REDUÇÃO, RENDA, TRABALHADOR, AUSENCIA, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA, PROGRAMA, POLITICA DE EMPREGO.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Senador Mão Santa, com o seu entusiasmo e sensibilidade humana, faz bem a esta Casa, porque, com seus discursos, traz a presença inesquecível do grande Ulysses Guimarães, que, com postura de estadista, liderava o Parlamento brasileiro, especialmente na Assembléia Nacional Constituinte de 1988.

A lembrança de Ulysses faz com que reflitamos sobre os efeitos da sua ausência. Como faz falta, Senador Mão Santa, Ulysses Guimarães no momento tão difícil em que vivemos no Parlamento brasileiro. Ele, que batizou a nossa Constituição de Constituição Cidadã, certamente, não gostaria de vê-la afrontada como nos dias atuais, porque ainda ontem, pela manhã, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania cumpriu o seu ritual, cumpriu o ritual da encenação, vencendo mais uma etapa, para que o Governo possa fazer valer a sua vontade de impor ao País um modelo de previdência social que não é aquele desejado pela sociedade brasileira. Discordamos frontalmente da forma e do conteúdo. Atropela o Regimento Interno do Senado Federal e agride a Constituição brasileira, esbofeteando-a a cada passo das alterações propostas na reforma da previdência social.

Ficamos, evidentemente, impotentes diante da força do Governo. É força demais, Sr. Presidente, para quem acreditava num Governo extremamente democrático, em função da pregação de tantos anos, que o Brasil acompanhou através da voz dos mais ilustres petistas nacionais. Desde o início do processo de reforma, já na Câmara dos Deputados, sobressaiu a autoridade governamental, expondo-se e impondo-se da forma mais cruel, impedindo, por exemplo, que lideranças sindicais se manifestassem livremente por ocasião do debate das reformas na Câmara dos Deputados. Isso levou lideranças sindicais à exacerbação, provocando um atentado até contra o Congresso Nacional, quando pedras foram atiradas contra os vitrais desta Casa.

Estive aqui, no período autoritário, como Parlamentar ainda jovem, e confesso que nem no período mais dramático do autoritarismo no Brasil esta Casa impediu que as manifestações ocorressem de forma aberta, livre, espontânea e democrática, porque cabia ao Parlamento preservar o que restava de democracia no País.

Combato, portanto, a forma e o conteúdo das reformas propostas pelo Governo. Teremos, a partir da próxima semana, certamente, o espaço para que possamos aqui extravasar todo nosso inconformismo, que chega às raias da revolta, em relação a procedimentos condenáveis, inesperados, surpreendentes, inusitados por parte daqueles que representam o Governo do Brasil neste momento.

Hoje, abordo um outro tema: a postura perversa do Governo em relação às questões sociais no Brasil. Os trabalhadores sem-terra se encontram concentrados em Brasília. O Governo anunciou o Plano Nacional de Reforma Agrária e conseguiu desagradar a gregos e troianos. Não ouvi nenhuma manifestação de alegria em relação ao plano anunciado pelo Governo. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, por exemplo, classifica de ridícula a reforma agrária pretendida pelo Governo Lula. A proposta do Planalto de assentar 335 mil famílias até 2006, que deve ser a base do novo Plano Nacional de Reforma Agrária, repito, desagradou a todos os movimentos sociais. A Comissão Pastoral da Terra chamou o projeto do Governo Lula de mesquinho. A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura considerou a proposta insuficiente. Dom Tomás Balduíno, presidente nacional da Pastoral da Terra, que há pouco concedeu entrevista à Rede Bandeirante no Programa do Jornalista José Woitechumas, diz: o Governo está indicando que fará uma reforminha agrária. Segundo dom Tomás Balduíno: não chega a ser frustrante, porque não poderia se esperar outra coisa do Ministro Rosseto; estou vendo uma coisa calculista e mesquinha. O MST salientou que o Governo deveria, pelo menos, honrar os princípios históricos do PT.

Mas, e a reação da CNA? O outro lado do balcão? A reação da Confederação Nacional da Agricultura, da Sociedade Rural Brasileira e da UDR, no noroeste do Paraná, foi unânime em criticar o Governo Lula, por não terem sido consultados sobre o novo plano nacional de reforma agrária.

Para Antonio Ernesto de Salvo, Presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, a agropecuária se sente como o amputado que não foi consultado pelo médico antes da cirurgia.

O MST também não aceita a titulação de posseiros - regularização fundiária como meta da reforma agrária. E o Governo anuncia essa meta de 335 mil famílias até 2006. Seriam 30 mil neste ano de 2003. Mas o Governo já não cumpre o compromisso deste ano, porque exatamente até o dia 10 de outubro o Presidente demissionário do Incra informava: assentamentos até esta data: 13.672, sendo que 12.830 pelo Governo Federal, 666 famílias pelos governos estaduais e 176 pelos governos municipais e Incra. Portanto, apenas 13.672 famílias foram assentadas neste ano. O Governo não alcançará agora, em 1 mês e 10 dias, o seu objetivo de assentar 30 mil famílias, e, portanto, essa projeção que faz não é real. Aliás, não sabemos onde iremos parar em matéria de credibilidade, se os governos, Senador Mão Santa, continuarem a desrespeitar a própria palavra, a esquecer o próprio compromisso, porque, como disse Churchill, o grande Estadista: “As promessas do candidato são o sepulcro caiado do estadista”.

Quantos compromissos do Presidente Lula, na campanha eleitoral, foram sepultados até agora, em quase um ano de Governo, especialmente, quando abordamos a questão social, que é a mais sensível, a mais cara e que deveria exigir maior presença, atenção e respeito da parte do Governo?

Veja, por exemplo, Senadora Serys, a nossa infância, a infância desperdiçada, o crescimento de 50% neste ano de crianças trabalhadoras de 10 a 14 anos, que foram obrigadas a trabalhar para contribuir, de forma humilde, é verdade, mas importante, com o sustento da sua família. Em vez da escola, o trabalho.

Os dados são revelados pelo IBGE. Portanto, não tenho, como Senador de Oposição, o direito de contestar uma instituição governamental quando apresenta números oficiais reveladores de uma situação estarrecedora neste País, que afronta os direitos humanos já na primeira idade. O trabalho nessa faixa etária é ilegal, segundo estabelece a nossa legislação. Estamos cometendo um crime contra a infância, com isso, semeando mal para a colheita do futuro. Houve um aumento de 132 mil crianças, o que, em relação a setembro de 2002, representa alta de 76%. Segundo o IBGE, esse fenômeno é conseqüência da queda de renda dos trabalhadores, confirmada no mesmo levantamento. Portanto, o IBGE retrata o mapa da pobreza, apresenta sobretudo o caminho do empobrecimento humano no Brasil.

Aprofundou-se de forma cruel a crise social no Brasil neste ano. Mais um milhão de desempregados se juntaram a outros onze milhões de desempregados já existentes no País. O Governo prometeu a geração de 10 milhões de empregos. Vejam a enorme responsabilidade do Governo... A queda de renda provoca esse fenômeno que agride a infância brasileira. Nelma de Azeredo, Secretária de Política de Assistência Social, diz: “É um fenômeno horroroso e precisa ser atacado.” É uma prioridade do Governo, mas que demanda orçamento. O Governo não aplica o Orçamento, não investe sequer o que está aprovisionado no Orçamento para investimentos na área social.

Vejam este absurdo: neste ano, o Governo investiu apenas 6% do que estava programado para a área social. O absurdo maior é o que Governo investiu apenas 0,01% do que estava destinado ao Programa de Geração de Empregos. Como pretendemos agredir os problemas sociais que sacodem a população brasileira, investindo apenas 0,01% do que estava programado para a geração de empregos no País?

Senador Luiz Otávio, que preside esta Casa neste momento, como quer o Governo crescimento econômico, geração de emprego, distribuição de renda, com as reformas da previdência e tributária que quer impor? Uma exclui ainda mais os excluídos ao invés de incluí-los. Em vez de fazê-los beneficiários do sistema previdenciário nacional, os afasta, lançando-os para o terreno da informalidade, sem direitos, excluídos dos benefícios da legislação vigente no País, como se não fossem cidadãos. Porque cidadão não são, já que não podem exercer na plenitude a cidadania aqueles que estão proibidos dos direitos estabelecidos pela legislação do País. Da mesma forma a reforma tributária, que aumenta a carga tributária e inibe a produção, o crescimento econômico e, por conseqüência, impede a geração de empregos para atender à demanda crescente nesse País daqueles que buscam trabalho e salário para sua sobrevivência.

Do total previsto para investimentos, obras e novos projetos, R$14,2 bilhões, apenas 7,99% foram gastos até o momento, ou seja, R$1,1 bilhão no Brasil todo, este País continente. Isso é um grão de areia na imensa praia nacional. O Senador Mão Santa apresentou aquilo que chamou de quadros da realidade, destacando a miséria de investimento no seu Piauí, no seu Nordeste. E não é diferente em nenhuma outra região do Brasil, porque apenas 7,99% do que estavam provisionados no Orçamento de 2003 representaram investimentos. Sabemos que investimento público é fundamental para a alavancagem do crescimento econômico do País. O investimento público, o acionamento dos instrumentos públicos como BNDES, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, a favor do crescimento econômico, é fundamental para que a economia seja aquecida, e o País economicamente cresça, oferecendo oportunidades de trabalho.

Nilmário Miranda, Secretário dos Direitos Humanos, culpa a política macroeconômica do arrocho, imposta pelo Fundo Monetário Internacional, pelo aumento do trabalho infantil no Governo Lula - mais 132 mil menores, em seis capitais. Se fosse outro o Governo, se fosse um governo da Direita, é evidente que compreenderíamos essa submissão às regras implacáveis do Fundo Monetário Internacional, em detrimento do crescimento econômico do País e, sobretudo, em detrimento da massa assalariada ou da massa desempregada do Brasil.

Não há, na história universal, nenhum país que tenha alcançado o crescimento econômico sob o impacto das regras impostas pelo Fundo Monetário Internacional. E ninguém radicaliza a ponto de exorcizar o FMI, como se fosse um demônio. Ele é necessário, em determinados momentos transitórios da economia de todos os países. É imprescindível até, mas não pode perenizá-lo, ditando as regras econômicas interminavelmente, como está ocorrendo no Brasil. Alguém pode dizer: “Mas e o Governo passado?” Mas no Governo passado eu dizia a mesma coisa. Eu não mudei de postura em relação à necessidade de se retomar o crescimento econômico do País, antes que construamos uma gigante favela nacional, abrigando desempregados, marginalizados, destruídos como cidadãos uma vez que estão impossibilitados de viverem uma vida digna que existe não apenas para ser cantada, mas para ser vivida.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vou concluir dentro do meu tempo, fazendo eco à lembrança carinhosa da imagem de Ulysses Guimarães, com quem tive a honra de conviver no MDB. Que Ulysses, das profundezas do mar, como gosta de se referir o nobre Senador Mão Santa, seja a inspiração para a conduta de dignidade dos Parlamentares que devem expor aqui, no exercício pleno do seu mandato, de forma transparente e incontida, o seu desejo de agir livremente e votar com a própria consciência a reforma da previdência na próxima semana.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/11/2003 - Página 38457