Discurso durante a 168ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Dia Nacional da Consciência Negra. Exemplo de Zumbi e outros mártires negros à causa da liberdade humana.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Dia Nacional da Consciência Negra. Exemplo de Zumbi e outros mártires negros à causa da liberdade humana.
Publicação
Publicação no DSF de 22/11/2003 - Página 38476
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, NEGRO, HOMENAGEM, VULTO HISTORICO, CONTINUAÇÃO, LUTA, LIBERDADE.

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, temos que falar aqui, o tempo todo, de Alagoas. Isso porque está demais a propaganda do Piauí que o Senador Mão Santa está fazendo. S. Exª levou até o Senador Sibá Machado para lá, agora. Está levando todos para fazer propaganda do delta do Piauí. Alagoas é mais bela que o Piauí. Vou levá-lo para Alagoas para S. Exª ver que lá é mais belo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem, em função de matérias muito polêmicas que foram votadas nesta Casa, eu estava inscrita, mas não tive a oportunidade de fazer a saudação que faço todos os anos. Às vezes, faço essa saudação, caminhando na serra da Barriga, em União dos Palmares, na minha querida Alagoas, homenageando, de pé no chão, Zumbi, Dandara, Acotirene e a República dos Palmares.

Ontem, infelizmente, não tive a oportunidade de subir a serra da Barriga, como faço todos os anos, porque aqui estava cumprindo a obrigação que as mulheres e os homens de bem e de paz da minha querida Alagoas me deram, que é representar Alagoas no Senado.

Sr. Presidente, ontem e hoje vários Senadores, como o Senador Paulo Paim, Senador Sibá Machado, Senadora Serys Slhessarenko e o Senador Rodolpho Tourinho, prestaram suas homenagens às mulheres negras. Tive a oportunidade de ouvir o Senador Rodolpho Tourinho fazer uma retrospectiva, homenageando as mulheres guerreiras da Bahia e seus terremotos de tambores nos candomblés da Bahia. S. Exª fez uma verdadeira historicidade desse processo, ou seja, de como as mulheres conseguiram garantir a resistência da sua religião, do seu espaço. Sr. Presidente, nós, cristãos, católicos, temos a oportunidade de ver negritas e negras, santas como Nossa Senhora Aparecida, a virgem negra, a negrita padroeira de La Habana, talhada no cedro de Madri, enfim, elas merecem nossa homenagem.

Não tenho dúvida de que muitos dos chorosos de hoje iriam suspirar de alívio se a morte de Zumbi tivesse sido hoje, porque a liberdade ofende, Senador Mão Santa. Geralmente, a causa da liberdade é comemorada quando choramos os mortos do passado. Mas o sonho da liberdade, o desejo da liberdade, o empenho em defesa da causa da liberdade quando se expressa no presente, muitas vezes é reprimido com truculência, com intolerância, com arrogância. Como diz a música Pagu, de Rita Lee: “Mexo remexo na inquisição. Só quem morreu na fogueira sabe o que é ser carvão”, neste Brasil e mundo afora.

Registro a minha alegria de ter correndo nas veias, como muitos nesta Casa, o sangue dos negros e das negras guerreiras de Alagoas e do Brasil. Sinto-me muito feliz por também ter esse sangue nas veias, até porque minha mamãe não me pariu para ser escrava. Ainda bem!

Portanto, saúdo todos aqueles que lutam pela liberdade, aqueles que, sem dúvida alguma, fazem hoje o que fizeram Zumbi, Dandara, Acotirene, a República dos Palmares, todos aqueles que continuam consagrando a terra que pisam, continuam lutando, sem descanso e sem consolo, continuam chorando e lutando com a certeza , como diz um Salmo belíssimo, de que “quem semeia com lágrimas colhe com alegria.”

Portanto, ao fazer essa saudação a todas as mulheres e homens da minha querida Alagoas da união dos Palmares e do Brasil, gostaria de ler duas pequenas histórias de Eduardo Galeano, homenageando as mulheres negras, intituladas: “Elas se Calaram” e “Elas Levam a Vida nos Cabelos.”

Vejam V. Exªs que histórias lindas!

Elas se Calaram [se calaram para não entregar os seus irmãos e os seus sonhos de liberdade.]

Os holandeses cortam o tendão de Aquiles do escravo que foge pela primeira vez, e quem insiste fica sem a perna direita; mas não há jeito de evitar que se difunda a peste da liberdade no Suriname.

O capitão Molinay desce pelo rio Paramaribo. Sua expedição volta com duas cabeças. Foi preciso decapitar as prisioneiras, porque já não podiam se mover inteiras através da selva.

Essa época é como hoje também, nobre Senador Luiz Otávio. O que fizerem com elas? Elas eram escravas fugitivas. Mas como já não eram escravas fugitivas pela primeira vez - quando o escravo fugia pela primeira vez, cortavam-lhe o tendão de Aquiles para ele não fugir de novo; na segunda, cortavam-lhe perna direita - cortavam-lhes as partes de seus corpos. E sabem o que elas faziam? Silêncio absoluto. Não falavam, ainda que soubessem, para aonde tinham fugido os homens.

Não abriram a boca apesar dos açoites, do fogo e das tenazes incandescentes, teimosamente mudas como se não tivessem pronunciado palavra alguma desde o remoto dia em que foram engordadas e untadas de óleo e lhes rasparam os cabelos desenhando-lhes nas cabeças estrelas e meias-luas, para vendê-las no mercado de Paramaribo.

Quanto as trouxeram de volta, só poderiam trazer as duas cabeças, porque foram cortando cada um dos pedaços de seus corpos. E elas resistiram, não falaram e não entregaram seus irmãos negros que fugiram, sonhando o sonho da liberdade. A essas mulheres sobreviventes desses dias brasileiros, essas que conjugam o verbo da liberdade no presente, e não apenas homenageando o passado, a essas mulheres a nossa homenagem.

A outra história, que também acho muito bonitinha, do Eduardo Galeano, diz, assim, Senador Sibá Machado:

Elas Levam a Vida nos Cabelos

Por mais negros que crucifiquem ou pendurem em ganchos de ferro que atravessam suas costelas, são incessantes as fugas nas quatrocentas plantações de toda a costa do Suriname. Selva adentro, um leão negro flameja na bandeira amarela dos cimarrões. Na falta de balas, as armas disparam pedrinhas ou botões de ossos; mas a floresta impenetrável é o melhor aliado contra os colonos holandeses.

Isso aconteceu em vários lugares do mundo, como lá na nossa União dos Palmares, como na Serra da Barriga e na República dos Palmares.

Antes de escapar, as escravas roubam grãos de arroz e de milho, pepitas de trigo, feijão e sementes de abóbora. Suas enormes cabeleiras viram celeiros. Quando chegam nos refúgios abertos na selva, as mulheres sacodem as cabeças e fecundam, assim, a terra livre.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, agradeço ao Senador Luiz Otávio pela permuta, que meu deu a oportunidade de homenagear a todos os que lutam pela liberdade. Sei que a liberdade ofende os prisioneiros dos cárceres do poder. Sei que muitas vezes a liberdade é homenageada no passado, mas condenada no presente. A todos que se dedicam à causa da liberdade quero deixar o meu abraço apertado, o meu carinho e, de uma forma muito especial, às mulheres e aos homens de bem e de paz da minha querida Alagoas, muito especialmente às guerreiras mulheres negras do meu Estado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/11/2003 - Página 38476