Discurso durante a 168ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Dia Nacional da Consciência Negra. Homenagem aos afro-brasileiros.

Autor
Eurípedes Camargo (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Eurípedes Pedro Camargo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Dia Nacional da Consciência Negra. Homenagem aos afro-brasileiros.
Publicação
Publicação no DSF de 22/11/2003 - Página 38489
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, NEGRO, HOMENAGEM, POVO, LUTA, LIBERDADE, SAUDAÇÃO, MOBILIZAÇÃO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, BUSCA, INSERÇÃO, SOCIEDADE.
  • DEFESA, APROVAÇÃO, ESTATUTO, IGUALDADE, RAÇA, COMBATE, DESIGUALDADE SOCIAL, ELOGIO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, POLITICA NACIONAL, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, IMPORTANCIA, DEBATE, COTA, RESGATE, DIVIDA, NEGRO.

O SR. EURÍPEDES CAMARGO (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srª Senadora Heloísa Helena, Srªs e Srs. Senadores, ao dirigir-me a V. Exªs, nesta data tão importante e tão especial para a comunidade afro-brasileira e - por que não dizer? - para todo o povo brasileiro, proponho algumas reflexões, acreditando que serão merecedoras da atenção e do respeito de V. Exªs e considerando que esta Casa representa a síntese da vontade política das comunidades de seus respectivos Estados e, por conseqüência, o equilíbrio da Federação.

Tentar explicar o sentimento de aqui representar o Distrito Federal e os anseios de sua população por si só me comprazem de orgulho, mas quero dizer da satisfação de representar uma parcela da população que historicamente vem sendo excluída dos espaços de decisão da sociedade, principalmente espaços como este, em que a participação de negros afro-brasileiros sempre foi e ainda é muito rara.

Não desejo somente homenagear Zumbi dos Palmares e o Movimento Negro Brasileiro, mas desejo, sim, com muita convicção e consciência étnico-racial, agradecer do fundo de minha alma pelo fato de essa imensa Nação afro-brasileira não se ter deixado vencer pelo desânimo, tampouco pelas adversidades e dificuldades, que foram e ainda são inúmeras.

Por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não me falta emoção e energia positiva neste momento, energia que acredito esteja sendo passada pelos milhares de homens e mulheres negros e negras que estão, por este Brasil, reivindicando e lutando por seus direitos. A comunidade negra está cansada de esperar por gestos concretos de respeito e solidariedade. Queremos afirmar essa data como um momento de eterna vigilância e disposição dos movimentos negros organizados, que nos fazem acreditar em muitas conquistas que haveremos de alcançar de forma tensa muitas vezes, mas sempre com respeito às diferenças.

Não creio que seja exagero expressar mais uma vez a satisfação de estar nesta tribuna para, juntamente com outros Senadores negros e defensores da causa, em nome da comunidade negra e do Movimento Negro Brasileiro, dividir a responsabilidade de resgatar, em homenagem à memória de Zumbi dos Palmares, parte da nossa história e da nossa dignidade humana.

Por falar em humanidade, a dívida social que o Brasil tem para com a comunidade afro-brasileira, descendente de pessoas escravizadas, poderá ser minorada, mas a dívida moral e ética - que expressa valores humanitários não somente do Brasil, mas de boa parte do mundo dito civilizado - é impagável.

Iniciativas como a da ONU, Organização das Nações Unidas, que ajudou na organização da III Conferência Mundial Contra as Práticas de Racismo, Discriminação e Todas as Formas de Intolerância Correlatas, ocorrida em Durban, na África do Sul, em 2001, em que foram reconhecidas práticas de racismo e de escravismo como crime de lesa-humanidade, tiveram enorme repercussão.

O tempo contado em anos não poderá apagar os registros da história contada com sangue, suor e lágrimas de milhares de homens e mulheres, famílias e até nações africanas inteiras. E tudo isso por quê? Para satisfazer a ambição materialista e a vontade de alguns mandatários sanguinários e cruéis que ironicamente podem ter entrado para história como heróis.

Este é um questionamento que queremos fazer: será que essas pessoas que submeteram seres humanos a situações de crueldade e humilhação não deveriam, mesmo em memória, ser responsabilizadas pelos crimes que cometeram contra a humanidade? Nós descendentes de escravizados sobreviventes entendemos que sim, na figura do Estado que representam.

Somos sobreviventes, pois sabidamente dois terços de nossos irmãos africanos ficaram no caminho, dado o grau de perversidade e crueldade a que eram submetidos pelos mercenários, mercadores de gente, em seus navios negreiros.

Nesse sentido, quando o Movimento Negro Brasileiro discute ações afirmativas com a sociedade e ergue bandeiras pelas “reparações”, parece-me muito justo que o Senado da República tome a iniciativa na perspectiva de afirmar-se como guardião dos direitos de todos os cidadãos e cidadãs da Federação.

Dizer, então, da importância da aprovação do Estatuto da Igualdade Racial é, sem dúvida, lutar para que se comecem a corrigir as desigualdades sociais, que são, em grande parte, decorrentes desse nefasto quadro histórico.

Por outro lado, vivemos um novo momento da história, com o advento da eleição do Presidente Lula e de sua demonstração de compromisso com a nossa causa, por meio de atos concretos como a nomeação histórica do maior número de Ministros e Ministras negros e negras para compor o primeiro escalão do Governo ou como o atendimento da demanda do conjunto do Movimento Negro organizado pela criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). Foi nomeado, pela primeira vez na história da República, um representante negro na Suprema Corte.

São esses, portanto, os dados concretos dessa nova leitura que se está fazendo da nossa luta e das nossas conquistas.

Estamos escrevendo uma nova página da história em que a liberdade e o direito de ser diferente não pode e não deve servir para que o Estado fique ausente e alheio e não cumpra com o seu dever de promover o bem-estar das pessoas.

Nesse contexto, lembramos e reverenciamos o maior líder negro do Brasil, Zumbi dos Palmares, que vem sendo resgatado e reconhecido pela sua importância como um dos primeiros líderes a tentar fazer do Brasil uma nação justa e solidária.

Zumbi dos Palmares foi um desses sonhadores que, na prática, experimentou e propiciou aos diferentes viverem como iguais. Nós, herdeiros desse legado e desse sonho, não abriremos mão de continuarmos resgatando a memória, enaltecendo os nossos líderes guerreiros que lutaram não para dominar, mas para ter paz e liberdade. Desejo que o resgate à memória e à sabedoria de Zumbi nos sirva de lição e de inspiração, para buscarmos e encontrarmos caminhos para uma vida saudável, com paz, felicidade e muita dignidade para todos.

Lembro que, ontem, o Presidente Lula esteve no Município alagoano de União dos Palmares, para as comemorações do aniversário de morte do líder maior do movimento negro, Zumbi dos Palmares, ocasião em que assinou três decretos importantes. Um deles cria o Conselho Nacional de Igualdade Racial; um outro determina a regularização de terras remanescentes de quilombos; e o terceiro lança a política de igualdade racial.

Reporto-me a um artigo de Ângela Lacerda sobre União dos Palmares. Ela noticia que, em Alagoas, o Presidente Lula lembrou que 70% da mortalidade infantil se refere às crianças negras.

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem, no discurso que marcou o Dia Nacional da Consciência Negra, que o Brasil é uma “república branca” e a “inércia branca, que sempre comandou a vida política nacional”, pelo fato de apenas 36 dos 743 remanescentes de quilombos mapeados terem suas terras regulamentadas 115 anos depois da abolição da escravatura.

Portanto, foi preciso aguardar 115 anos para que houvesse uma medida governamental no sentido de reconhecer as terras dos quilombos.

Ela prossegue, citando palavras do Presidente:

Está na hora de este País encarar uma verdade disfarçada há quatro séculos: quem paga a principal conta da desigualdade é a mulher negra, o homem negro, o idoso negro, o jovem negro, a criança negra.

A injustiça secular cristalizou situações de desigualdade, e hoje estamos a discutir as políticas compensatórias tanto com relação às cotas de educação como em outras situações. As cotas deveriam ser desnecessárias. Infelizmente, o acúmulo histórico da desigualdade, que permaneceu e permanece ao longo da história brasileira, faz com que se torne urgente a compreensão de que o estabelecimento das cotas não é um privilégio, não é um ato isolado ou uma condescendência, mas, no mínimo,a tentativa de fazer com que essa diferença seja diminuída. É resgatar historicamente a nossa situação.

Chamo a atenção para que estejamos atentos à discussão da desigualdade. As cotas são medidas concretas que podem ser tomadas para tentar, no mínimo, diminuir a desigualdade entre raças em nosso País.

Neste momento, repito, solicito que estejamos atentos a essa questão das cotas. A meu ver, isso significa, no mínimo, colocar a discussão dessa desigualdade. São medidas concretas e imediatas que podem ser tomadas para diminuir essa diferença e essa distância.

Lembro que hoje ocorrerá a abertura do Encontro dos Parlamentares Negros das Américas e do Caribe, nesta Casa, que se estenderá até domingo. O Presidente estará presente na abertura e, em seguida, haverá a participação de vários parlamentares convidados de todos os países do Caribe e das Américas. Espero contar com a presença de todos os Srs. Senadores e dos funcionários nesse encontro.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa) - Cumprimentamos o companheiro Eurípedes Camargo e o louvamos pela sua capacidade de síntese nesse brilhante pronunciamento, ouvido pelos seus eleitores de Brasília e por todos os brasileiros.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/11/2003 - Página 38489