Discurso durante a 168ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Descoberta científica brasileira publicada na revista Ciência Hoje, a respeito do uso cirúrgico e terapêutico do látex da seringueira nativa da Amazônia.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Descoberta científica brasileira publicada na revista Ciência Hoje, a respeito do uso cirúrgico e terapêutico do látex da seringueira nativa da Amazônia.
Publicação
Publicação no DSF de 22/11/2003 - Página 38491
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, RESULTADO, PESQUISA CIENTIFICA, UTILIZAÇÃO, PRODUTO FLORESTAL, REGIÃO AMAZONICA, CIRURGIA, DETALHAMENTO, BENEFICIO, SAUDE.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como médico e como parlamentar da Amazônia, fiquei cativado pela notícia de uma descoberta científica brasileira publicada pela revista Ciência Hoje, em seu número de setembro, e repercutida pelo site Amazônia.

A descoberta diz respeito a um surpreendente e inovador uso cirúrgico e terapêutico do nosso velho conhecido: o látex da seringueira nativa da Amazônia. Trago o assunto a esta tribuna, pois creio que é de interesse geral. Mais do que interessante, é notícia fascinante, da qual se podem derivar relevantes comentários: sobre o tremendo potencial de sinergia entre ciência brasileira e biodiversidade brasileira; sobre a possibilidade de desenvolvimento sustentável da Amazônia; sobre a natureza complexa do fenômeno da globalização acelerada, da qual devemos saber aproveitar o que for vantajoso para o Brasil, como o é o intercâmbio científico.

Passo a narrar o caso. A médica brasileira Fátima Mrué, pesquisadora de próteses que possam substituir esôfagos danificados, trouxe do Japão, em 1994, conhecimentos cirúrgicos de ponta sobre próteses esofágicas e tentou produzi-las e aperfeiçoá-las na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, em trabalho coordenado pelo médico Joaquim Coutinho Netto, chefe do Laboratório de Neuroquímica daquela faculdade.

Diante de dificuldades encontradas com o uso dos materiais sugeridos pela pesquisa japonesa, a equipe brasileira tentou o caminho de construir uma prótese de esôfago de látex da Hevea brasiliensis. Testada essa prótese no esôfago de um cachorro, o sucesso foi extraordinário. A pesquisa pioneira redundou num biomaterial, à base de látex, capaz de estimular o crescimento de tecidos e de vasos sangüíneos ou, em termos médicos, a neoformação e a angiogênese.

Compreenderam nossos pesquisadores que estavam diante de uma descoberta que poderia ser útil não apenas em próteses de esôfago, mas também em várias outras situações complexas em que se deseja um processo estimulado de cicatrização de feridas e de recomposição de tecidos.

A inovação científica obtida no âmbito daquela faculdade de medicina levou à formação de uma empresa para manufaturar o novo produto, seguindo um procedimento adotado em muitas universidades, no Brasil e no mundo. A nova empresa chama-se Pele Nova.

É preciso ter em mente a complexidade do processo de descoberta que acabo de descrever. A pesquisa levou 5 anos e fez uso de 30 cães. Em 1998, tiveram início os tratamentos em humanos. Foram tratadas, inicialmente, úlceras crônicas de perna, de alta incidência na população, e que têm como origem diabetes e varizes, entre outras causas. Ao invés dos 6 meses de demora dos tratamentos tradicionais dessas úlceras, o produto do látex leva a resultados em 12 dias.

Especial sucesso foi obtido em cirurgias de reconstrução do tímpano, conhecidas em medicina como miringoplastias. Com o novo produto, já foram realizadas cerca de 200 dessas operações. As propriedades neoformadoras do novo material fizeram com que a taxa de sucesso nas miringoplastias saltasse de 75% para 99%.

Eis uma bela história, Sr. Presidente. De um intercâmbio científico com o Japão, nasceu uma notável conquista médica brasileira. Com o cruzamento da riqueza natural amazônica com nossa ciência, galgamos um significativo degrau de progresso. Imaginemos esse processo, essa interação, multiplicada por cem, por mil! As possibilidades são imensas!

É por meio da atividade humana inteligente, bem direcionada, que devemos ocupar a Amazônia, com suas infinitas riquezas. Não é o falido conceito de intocabilidade da Amazônia que a levará a uma convivência harmônica e produtiva entre comunidade humana e natureza.

É reveladora, instrutiva e sumamente positiva, a esse propósito, a posição adotada pelo geógrafo americano David McGrath, professor do curso de doutorado do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará, em entrevista concedida à revista Veja, em seu número de 12 de novembro próximo passado. Sua idéia central é a seguinte: na Amazônia, não é a tese da intocabilidade, nem a mera multiplicação de áreas de reservas naturais e indígenas o melhor caminho para aquela região. Realisticamente, a ocupação e a exploração econômica da Amazônia são inevitáveis. O esforço do Poder Público deve ser no sentido de disciplinar e orientar a ocupação e as correspondentes atividades humanas, sendo possível a convivência com a mineração, a agricultura e a pecuária, com uma dose admitida de desmatamento.

O processo de ocupação é inevitável, segundo o professor McGrath. Ele ocorreu em todas as sociedades humanas, em todos os lugares e em todas as épocas. No entanto, alerta aquele estudioso que é preciso ordenar esse processo. Se isso não for feito, de nada adiantarão todas as áreas de reserva, que acabarão por ser atingidas.

Sr. Presidente, a Amazônia precisa ser pensada racionalmente. A aliança dos interesses brasileiros precisa dar-se com a verdadeira ciência, e não com ideologias retrógradas de origem obscura. Ciência essa que vem de dar um belo exemplo de avanço na medicina, como o que acabei de relatar, fruto do encontro da melhor pesquisa científica brasileira com nossas riquezas naturais.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/11/2003 - Página 38491