Discurso durante a 169ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Adoção de atos violentos por parte de alguns madeireiros do Pará contra decreto presidencial que criou a reserva extrativista Verde para Sempre.

Autor
Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Adoção de atos violentos por parte de alguns madeireiros do Pará contra decreto presidencial que criou a reserva extrativista Verde para Sempre.
Publicação
Publicação no DSF de 25/11/2003 - Página 38551
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ILEGALIDADE, EXPLORAÇÃO, MADEIRA, ESTADO DO PARA (PA), AUMENTO, AREA, DESMATAMENTO, REGIÃO AMAZONICA.
  • REGISTRO, EMPENHO, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), GOVERNO FEDERAL, COMBATE, DESMATAMENTO, REGIÃO AMAZONICA, ESPECIFICAÇÃO, FISCALIZAÇÃO, IMPEDIMENTO, ILEGALIDADE, EXPLORAÇÃO, MADEIRA, ASSINATURA, DECRETO FEDERAL, CRIAÇÃO, RESERVA EXTRATIVISTA.
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, VIOLENCIA, ESTADO DO PARA (PA), AUTORIA, EMPRESARIO, MADEIRA, PROTESTO, INICIATIVA, GOVERNO FEDERAL, CRIAÇÃO, RESERVA EXTRATIVISTA, ALEGAÇÕES, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO, PROVOCAÇÃO, DESEMPREGO.
  • DENUNCIA, PARTICIPAÇÃO, PREFEITO, MUNICIPIO, PORTO DE MOZ (PA), ESTADO DO PARA (PA), ILEGALIDADE, EXTRAÇÃO, MADEIRA.
  • SOLICITAÇÃO, AUTORIDADE, REFORÇO, SEGURANÇA, FISCAL, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), DIRIGENTE SINDICAL, SINDICATO RURAL, PARTICIPANTE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), DEFESA, CRIAÇÃO, RESERVA EXTRATIVISTA, ESTADO DO PARA (PA).
  • CONGRATULAÇÕES, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), CRIAÇÃO, GRUPO DE TRABALHO, PARTICIPAÇÃO, GOVERNO, EMPRESARIO, MADEIRA, TENTATIVA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, EXPLORAÇÃO, MEIO AMBIENTE.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao público que nos assiste e nos ouve e àqueles aqui presentes eu queria registrar, Senador Pedro Simon, que também espero uma solução melhor para a Previdência.

Mas venho hoje mais uma vez ocupar a tribuna para falar de um assunto sobre o qual já falei, mas é necessária a repetição devido à dificuldade da situação no nosso Estado.

A ação do Governo Federal, principalmente por meio do Ibama e do Incra no combate à devastação da Amazônia, está criando uma reação absurda, ilegal e ilegítima por parte do setor madeireiro, mas também por alguns setores ruralistas.

Nunca é demais lembrar o que significa a exploração ilegal de madeira no Pará. Estima-se que em 2001 a produção total desse bem tenha chegado a 10,8 milhões de metros cúbicos; entretanto, no mesmo período, a produção total proveniente dos planos de manejo florestal chega apenas a 4 milhões e 665 mil metros cúbicos. No mesmo ano, enquanto a área autorizada para o desmatamento pelo Ibama era de apenas 5.342 hectares, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) detectava por fotos de satélite a destruição de 523.700 hectares, ou seja, apenas 1% autorizado.

Por trás desses números, encontra-se a situação de absoluta ilegalidade na qual se encontra a grande parte das propriedades usadas para a extração da madeira. Na verdade, o quadro que começa a surgir é que a grande maioria das terras exploradas foram adquiridas por meio de grilagem. Aliás, é sempre bom lembrar a origem desse termo, que se referia justamente à prática de se colocarem esses documentos falsos dentro de uma caixa com grilos, para que os animais os sujassem, os roessem e, assim, dessem uma aparência de antiguidade a esses documentos.

Hoje, as reações partem principalmente da Região da Transamazônica, concentrando-se nos Municípios de Altamira e Porto de Moz, inclusive com ameaça expressa de fechamento da rodovia Transamazônica contra o que consideram perseguição do Incra/Ibama, acusados por essas pessoas como responsáveis pela falta de regularização fundiária e pela falta de uma política florestal que atenda aos interesses do comércio madeireiro nesses Municípios, onde esta é uma das principais atividades econômicas.

Essa é uma luta que tem como causa imediata a assinatura do decreto por parte do Presidente Lula, que cria a reserva extrativista Verde para Sempre, com 1 milhão e 300 mil hectares de terra, abrangendo terras exatamente nessa região sudoeste do Pará.

Há três anos, as comunidades de Porto de Moz e Prainha lutam pela criação dessa reserva a fim de garantir o uso responsável e o manejo sustentável dos recursos florestais da região, bem como garantir à população o direito à terra. Essa reserva já havia sido proposta anteriormente, mas, na época, o então Governador do Pará, Almir Gabriel, foi contra a sua criação, e o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso vetou tal iniciativa. Agora, com a provável entrada em vigor desse decreto até dezembro alguns madeireiros sentem que perdem o que para eles seria uma excelente oportunidade de extrair madeira predatoriamente e tentam, com esse tipo de pressão, reverter essa situação.

A ação desses madeireiros acabou por vir na forma de ações violentas. Cito algumas delas: o Secretário de turismo do Município de Porto de Moz amarrou-se ao navio do Greenpeace, fundeado no Município, e até uma reunião do Sindicato dos Trabalhadores Rurais foi ameaçada quando um telefonema anônimo disse que o local de sua realização seria incendiado. São atos terroristas que estão sendo praticados pelos madeireiros, setor produtivo no Estado do Pará.

E quero dizer que nesse caso não vale a generalidade. Não se trata de todo o setor madeireiro, mas parte de parte dele. Os madeireiros dizem que ações como a criação da reserva impedirão o desenvolvimento da região, porque prejudicarão essa indústria e a conseqüente geração de empregos para a população.

Esse argumento é desmentido na própria grande imprensa do Pará. A reportagem publicada no jornal paraense O Liberal, em 28 de outubro, assinada pelo jornalista Carlos Mendes, diz o seguinte: “A realidade é bem diferente. Porto de Moz tem hoje cerca de dois mil desempregados e por uma única razão: a madeira retirada de suas florestas é toda beneficiada em serrarias que estão localizadas em Belém e na região do Arquipélago de Marajó, como Breves e Portel”.

Para se ter uma idéia do continuado desrespeito à lei, no início deste mês, o Ibama da região de Santarém, que fica no oeste do Pará, no chamado Baixo Amazonas, notificou a todos os detentores de plano de manejo florestal sustentado na região de Porto de Moz e Prainha que estaria fazendo vistoria dentro da Operação Verde para Sempre, preparatória para a criação dessa reserva extrativista, no período de 11 de novembro a 06 de dezembro. Então, o Ibama avisou antes que iria fazer a vistoria nessas terras, porque há anos está se lutando para a criação da Reserva Verde para Sempre. Dos 12 projetos objeto da vistoria, três já foram vistoriados e todos se encontram em situação irregular.

Não se pode esquecer que essa área fica dentro do território conhecido - já citei isso várias vezes - como “terra do meio”, onde a ação indiscriminada de bandidos já levou o Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, a uma reunião com o Governador do Estado do Pará, Simão Jatene, com o intuito de criar uma ação integrada entre a Polícia Federal, a Polícia Militar e a Polícia Civil, dado exatamente o excesso de execuções que existe naquela região por parte de pistoleiros.

Retorno à denúncia que fiz recentemente sobre a ação do grupo Campos, controlado pelo Prefeito de Porto de Moz, Gerson Salviano Campos, sócio proprietário da Serraria Cariny, e dois dos seus irmãos, Rivaldo Salviano Campos, Vereador em Porto de Moz, e Francimeire Salviano Campos, proprietários da Indústria Madeireira Maturu Ltda.

Em agosto de 2002, há pouco mais de um ano, o Ibama descobriu uma serraria ilegal operando perto do rio Marauá, nas proximidades da Floresta Nacional Caxiuanã, pertencente a Rivaldo Campos. Mesmo tendo sido a madeira apreendida e Rivaldo Campos multado em R$212 mil, a equipe de fiscalização descobriu posteriormente que a madeira serrada havia sido enviada para o Município de Breves para ser exportada. As toras estavam na balsa Rainha Rondônia, junto ao rebocador Comandante Campos.

            Ao final da história, o Prefeito Gerson Campos foi colocado como fiel depositário de toda a madeira ilegal apreendida por ordem do gerente executivo do Ibama, em Belém, na época. E duas semanas mais tarde, o fiscal do Ibama que havia descoberto, Amarildo Formentini, que encabeçou a fiscalização, foi exonerado. Esse fiscal teria afirmado - isso está registrado na revista Época - que o Prefeito de Porto de Moz, diversas vezes, perguntou quanto ele queria para “ficar quieto sobre a madeira de Breves”. Essa teria sido a afirmação do fiscal exonerado. E imaginem que o Prefeito foi colocado como fiel depositário da madeira apreendida.

            O Grupo Campos é citado seis vezes, por violência e invasão de terras na região, no relatório do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos. Na semana passada, cerca de vinte agentes do Ibama, da Polícia Federal e do Exército foram mantidos em cárcere privado, por várias horas, dentro de um hotel em Medicilândia, cidade paraense que fica também à beira da rodovia transamazônica. O hotel foi cercado por mais de 300 madeireiros, furiosos com a operação desencadeada pelo Ibama para fiscalizar a exploração ilegal de madeira no entorno e no interior dessa área reivindicada por ribeirinhos de Porto de Moz para a criação da Reserva Extrativista Verde para Sempre.

            Tenho em mão uma cópia da solicitação de reforço de policiais federais feita pela Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ao Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. E deixo aqui um apelo às autoridades de segurança, federais e estaduais, para que adotem medidas eficazes que garantam, não só a ação fiscalizadora do Ibama e a implantação dos planos de manejo da região, como também a integridade física dos servidores e dirigentes do Ibama, dos trabalhadores e dos dirigentes de sindicatos rurais, que até são ameaçados de exclusão quando se reúnem.

            Além disso, várias pessoas que participam de entidades não-governamentais e que lutam pela criação dessa reserva extrativista também precisam ter a integridade física garantida, para que, mais tarde, não choremos por mais um cadáver da luta ambientalista.

O momento exige uma atitude, e acredito que o Governo Federal está sendo firme. Está em disputa a forma de utilização das riquezas da Amazônia: se manteremos a predação ilegal que, hoje, grassa contra a floresta ou se começaremos a definir um novo modelo de desenvolvimento sustentável que garanta melhores condições de vida para a população, preservando e usando as riquezas naturais, patrimônio de todos os brasileiros.

Cito o exemplo do Projeto de Desenvolvimento Sustentável do BNDES, juntamente com o Governo do Estado. Existe um financiamento do BNDES, e a Fundação Viver, Produzir e Preservar conta com uma contrapartida do Governo do Estado para a criação de assistência técnica e para a instituição de escolas familiares rurais, com um projeto que beneficiará 10 mil famílias. Será um projeto de desenvolvimento sustentável, que vem ao encontro do nosso desejo de evoluir da atual situação do extrativismo puro e simples do recurso natural para a agregação de valores àquele recurso e, assim, podermos investir em toda a cadeia produtiva, gerar emprego e distribuir renda, sem entrar em conflito com a floresta; muito pelo contrário, utilizando de forma sustentável os recursos, que são de todos.

A continuar o desmatamento, a previsão do Ibama - ainda há pouco falava com o Diretor do órgão - é que, em três anos e meio, não haverá mais floresta densa na Amazônia.

Por isso, não tenho dúvidas de que é decisivo, o quanto antes, a criação da Reserva Extrativista Verde para Sempre. Que seja o início de uma ampla rede de defesa do incalculável patrimônio biogenético da Amazônia.

Parabenizo o Governo e a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, pela criação de um grupo de trabalho permanente. Se S. Exª ainda não assinou, está prestes a assinar o decreto de instalação desse grupo. Esse decreto irá efetivar um grupo que, há cerca de três meses, vem trabalhando com o nome de Operação Pará e reúne o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério do Desenvolvimento Agrário por meio do Incra. Esse grupo permanente contará com as presenças, além dos Ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário, do Ibama e do Incra, dos órgãos estaduais como o Iterpa, a Sectam, o Ministério Público Federal e também dos setores produtivos, como a Federação das Indústrias, a Aimex - o setor produtivo organizado dos madeireiros.

Por isso, parabenizo o nosso Governo pela criação desse grupo, que tem por objetivo exatamente resolver de forma definitiva a questão fundiária e florestal no Estado do Pará. Não queremos mais situações como essa.

Infelizmente, os planos de manejo estão errados e foram feitos de forma incorreta, em áreas realmente ilegais e griladas. Mesmo assim, o Governo tem demonstrado capacidade de diálogo e vontade democrática. Está, inclusive, convidando para esse grupo de trabalho permanente esses setores madeireiros, para que possamos enfrentar o problema. Na verdade, ao longo de tanto tempo, sempre se encontrou uma forma, que, depois da pressão, acabava sendo esquecida e os problemas fundiários e florestais no Estado do Pará permaneciam. Não podemos mais permitir isso.

O Governo está demonstrando de forma concreta, não mais com discursos. Está aqui o grupo de trabalho para o qual o Governo está chamando todos. Mesmo diante de um quadro em que há cárcere privado, ameaças, cerco ao Ibama, ocupação do Incra - como ocorreu na última semana no Pará -, reação do setor ruralista. Das onze ações que o Incra empreendeu no Estado do Pará, exatamente na região de Anapu, para reaver as terras dentro do Projeto de Desenvolvimento Sustentável, o Incra venceu em todas.

Essa com a reação violenta do setor, desmedida, ilegítima, o Governo tem mostrado a sua feição democrática e está chamando o setor para se fazer representar nesse grupo. Não queremos impedir a ação de indústrias ou empresas, mas queremos que seja feita dentro dos marcos da legalidade e da sustentabilidade da nossa região amazônica, que tem como maior riqueza a sua biodiversidade. Portanto, não devemos homogeneizar a região.

Concluo, Sr. Presidente, dizendo que, mesmo diante de uma situação de conflito e de crise, o Governo está realizando ações concretas, em parceria com o Governo do Estado. Até porque seria impossível fazer isso sem o órgão responsável pelas terras no Estado, que é o Iterpa. O Governo do Estado já vinha agindo. Eu mesma fui, juntamente com o Presidente do Ibama, ao Governador do Estado, que, por sua vez, esteve várias vezes no Ministério.

Enfim, o que queremos e o que está demonstrado nessa ação concreta, pela assinatura desse decreto que cria o grupo permanente de trabalho, é que daremos um basta a essa situação de violência e resolveremos de vez a situação fundiária e florestal no Estado do Pará, para alegria não só de todos os paraenses, mas, tenho certeza, de todos os brasileiros e brasileiras que acreditam que, na região amazônica, não estão os problemas para o País, mas, sim, as melhores soluções.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/11/2003 - Página 38551