Discurso durante a 169ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Evolução das tratativas levadas a cabo pelo governo brasileiro no âmbito internacional, especialmente no que tange à Área de Livre Comércio das Américas (Alca).

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Evolução das tratativas levadas a cabo pelo governo brasileiro no âmbito internacional, especialmente no que tange à Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
Publicação
Publicação no DSF de 25/11/2003 - Página 38554
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, NEGOCIAÇÃO, BRASIL, ADESÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), UNIÃO EUROPEIA, REGISTRO, IMPORTANCIA, GOVERNO FEDERAL, OBSERVAÇÃO, CONTEXTO, POLITICA INTERNACIONAL, ANTERIORIDADE, DECISÃO.
  • DEFESA, REALIZAÇÃO, PLEBISCITO, POSTERIORIDADE, NEGOCIAÇÃO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), OPORTUNIDADE, POPULAÇÃO, PAIS, DECISÃO, PARTICIPAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos tido a preocupação de acompanhar, com muita atenção, a evolução das tratativas que vêm sendo desenvolvidas pelo Governo brasileiro com relação às negociações sobre formação de blocos econômicos, e de forma muito especial em relação à Alca, com a União Européia, na Organização Mundial do Comércio.

São tratativas para constituição de blocos de países para se reportarem a essas instâncias de negociação, como tem sido no caso da OMC em que países em desenvolvimento vêm se articulando. Todo esse cenário bastante complexo tem nos trazido algumas reflexões importantes e perspectivas bastante animadoras.

Na semana passada, participamos de uma tomada de posição envolvendo os Estados Unidos e o Brasil e que se contrapôs a uma articulação liderada pelo Canadá, México e Chile, o G-13, insistindo como condição para dar continuidade às negociações da Alca, uma associação ampla. Ou seja, uma Alca que contemplasse temas como o de compras governamentais, o de patentes e o da propriedade intelectual. Temas preocupantes para nós brasileiros, porque dizem respeito a uma correlação de forças absolutamente insustentável com os Estados Unidos.

A reunião terminou com as tratativas de uma Alca flexível e com a possibilidade de dar prosseguimento às negociações contemplando as diferenças entre os países e trabalhando com a perspectiva de haver uma ampliação de mercados sem que temas nevrálgicos, como por exemplo, o dos subsídios agrícolas para os Estados Unidos e o da propriedade intelectual e das compras governamentais para o Brasil, sejam obrigatoriamente contemplados.

Tal deliberação obviamente não significa que as coisas se encaminharão com toda tranqüilidade, porque não é assim que ocorre no cenário internacional. Ao mesmo tempo em que os Estados Unidos flexibilizam para atender uma verdadeira posição fechada do Brasil junto aos seus parceiros do Mercosul, eles estão em franca negociação aberta com outros países aqui da América do Sul - Peru, Bolívia, Colômbia - e também do Caribe e o Panamá, para negociações bilaterais em caráter mais amplo.

Agora, todos sabemos que essas iniciativas dos Estados Unidos de acelerar esses acordos bilaterais com uma amplitude que eles não conseguem impor na mesa de negociação ao Mercosul e ao Brasil têm as suas limitações, porque, efetivamente, sem que haja o acordo com o Brasil, todos os demais países têm pesos relativos muito menores na mesa de constituição da Alca. Portanto, os Estados Unidos até podem acelerar esses acordos bilaterais, mas, na hora do vamos ver quanto é que é, vamos ver quem é que tem, vamos ver como é que fica a situação da entrada ou não do Mercosul e obviamente do Brasil nessas negociações modifica todo o quadro.

Os Estados Unidos sofreram um profundo revés. Acredito que, nesse cenário internacional das negociações, a decisão da OMC de punir os Estados Unidos com relação à sobretaxa do aço foi, para nós, de relevância fundamental, porque coloca uma atitude que os Estados Unidos adotaram e que trouxe prejuízos imensos, mais de US$300 milhões só no ano passado, às exportações brasileiras. Tudo aquilo que estamos pretendendo jogar para a OMC nos insere em um cenário com grande probabilidade de termos uma correlação de forças melhor para as tratativas de liberações, de levantamento de subsídios, de sobretaxas, nesse protecionismo que os Estados Unidos e vários outros países adotam em prejuízo aos países em desenvolvimento.

Portanto, quando a OMC abre essa perspectiva de retaliação, ou seja, os países prejudicados podem adotar medidas de retaliação à sobretaxa adotada pelos Estados Unidos, coloca-nos em um patamar indiscutivelmente muito mais favorável nessas negociações.

            Há uma outra questão acontecendo que coloca os Estados Unidos em uma situação bastante delicada. A reconstituição do Mercosul, com toda essa tratativa que se deu com a eleição do Presidente Lula e do Presidente Néstor Kirchner na Argentina, facilitando toda essa articulação, faz com que os encaminhamentos de um acordo Mercosul/União Européia estejam em franco desenvolvimento. Tal fato nos dá sinalizações bastante positivas de conseguirmos nestas tratativas levantarmos vários dos subsídios agrícolas que trazem profundos prejuízos, principalmente ao Brasil e à Argentina, nas negociações com os países da União Européia.

            Há toda uma sinalização para que o acordo Mercosul/União Européia esteja concluído até outubro do ano que vem, portanto, antes do prazo final para o término das negociações da Alca. Por isso, está acontecendo uma verdadeira corrida, uma disputa entre os Estados Unidos e a União Européia para ver quem fecha, em primeiro lugar, com o Mercosul este acordo. E isso, para nós, é de fundamental importância, porque, ao se estabelecer essa verdadeira concorrência, essa disputa pelo Mercosul, nos coloca também num patamar diferenciado na mesa de negociação com os Estados Unidos.

Temos esta situação: deliberação da OMC contra a sobretaxa do aço praticada pelos Estados Unidos; tratativas do Mercosul com a União Européia, e essa decisão, da semana passada, de ter uma Alca flexibilizada, por acordo, por acerto, entre o Brasil e os Estados Unidos. Temos todo esse tabuleiro de xadrez colocado em pleno cenário eleitoral nos Estados Unidos, que precisam não perder espaços nem oportunidades de fazer aquilo que lhes interessa, que é o grande controle do mercado das três Américas. Com o cenário eleitoral, os Estados Unidos precisam, obrigatoriamente, ter atitudes, para o público interno, de protecionismo e, ao mesmo tempo, nas mesas de negociação, posições de flexibilidade.

Portanto, essa contradição desses dois movimentos que o governo dos Estados Unidos precisam fazer é algo que a diplomacia brasileira, o nosso Ministro Celso Amorim e todas as tratativas do Governo Lula, têm buscado sistematicamente aproveitar. Talvez não tenhamos, em curto prazo, outro momento tão favorável para que possamos avançar nas nossas negociações.

Só para se ter uma idéia de como essa questão do cenário eleitoral se traduz em oportunidades colocadas, a União Européia, por exemplo, que sofreu as conseqüências, muito mais do que o Brasil, da sobretaxa do aço, não está adotando medidas de retaliação ampla, geral e irrestrita. Não. Estão fazendo um estudo, um mapa-eleitoral dos Estados Unidos com as retaliações focadas. Por exemplo, naqueles estados onde o prejuízo para George Bush será muito maior, eles estão adotando tais medidas; como na questão do suco de laranja, na Flórida, que é um estado bastante complicado, com problemas eleitorais recentes e que para George Bush traz problemas políticos graves. A União Européia está fazendo retaliações na questão do suco de laranja, porque atinge a Flórida e isso repercute na eleição americana.

Acompanhando esse debate e essa evolução do tabuleiro de xadrez, de todas essas negociações, tive a responsabilidade de ser relatora do Projeto de Decreto Legislativo do Senador Roberto Saturnino, do Rio de Janeiro, que apresentou na Legislatura passada, proposta assinada por inúmeros Senadores desta Casa para a realização de um plebiscito para saber se o Brasil deveria participar das negociações da Alca. Depois de várias tratativas e debates que realizamos na Comissão Mista do Mercosul, apresentei meu parecer com um substitutivo. Meu entendimento é o de que nada é mais correto do que a população brasileira poder manifestar-se sobre a questão da Alca. É imprescindível tendo em vista que, a partir dessas negociações, estaremos definindo questões essenciais, fundamentais, para o destino econômico, político e social do nosso País.

A população brasileira, portanto, tem capacidade de entender a complexidade das negociações e o direito de opinar, como vem sendo feito em diversos outros países. Países que participaram do processo de debate da União Européia acabaram realizando plebiscitos. Em alguns países, inclusive, a população rejeitou sua integração à União Européia.

Entendemos que era de fundamental importância garantir a realização do plebiscito. Ao mesmo tempo, entendemos que era impossível, inadmissível - com o cenário que estamos acompanhando de forma atenta, com uma situação extraordinária, especial, criada por vários fatos que se acumularam no último período da conjuntura internacional -, que saíssemos da mesa de negociação em uma situação como essa. Por isso, nosso substitutivo apresenta a realização do plebiscito ao término das negociações, quando o Presidente da República enviar ao Congresso Nacional o acordo seja ratificado, e há um prazo de um ano para essa manifestação, exatamente para esse período estamos propondo a realização do plebiscito.

Negociações encerradas, com o acordo já devidamente especificado, com todas as cláusulas, teríamos condições de debater sobre as vantagens e desvantagens de assinarmos ou não o acordo, a população brasileira seria então convocada a participar do plebiscito para decidir.

No projeto, estamos apresentando que tão logo o Presidente da Repúlbica apresente o projeto de acordo, o Presidente do Congresso imediatamente comunicaria ao Presidente do Tribunal Superior Eleitoral a convocação do plebiscito no prazo de seis meses.

Dessa forma, construímos esse substitutivo que já foi apresentado na Comissão do Mercosul e que deverá ser deliberado provavelmente essa semana.

Com isso, presto contas inclusive do projeto que apresentamos, mas principalmente faço o relato da complexidade das questões internacionais que nosso País está vivenciando nesse momento.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/11/2003 - Página 38554