Discurso durante a 169ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a reforma da previdência, que poderá ser votada amanhã. Análise do acordo do Brasil com o Fundo Monetário Internacional - FMI.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL. POLITICA EXTERNA.:
  • Considerações sobre a reforma da previdência, que poderá ser votada amanhã. Análise do acordo do Brasil com o Fundo Monetário Internacional - FMI.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 25/11/2003 - Página 38563
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, PROPOSTA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, DESVIO, OBJETIVO, INCLUSÃO, TRABALHADOR, AUSENCIA, RECEBIMENTO, BENEFICIO PREVIDENCIARIO, CRITICA, MANUTENÇÃO, PRIVILEGIO, CLASSE SOCIAL, CONCENTRAÇÃO DE RENDA.
  • CRITICA, ACORDO INTERNACIONAL, BRASIL, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), PREVISÃO, REDUÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, INVESTIMENTO, SANEAMENTO BASICO, INFRAESTRUTURA, CUMPRIMENTO, CLAUSULA, ACORDO, GARANTIA, VERBA, BANCO ESTRANGEIRO.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez, falarei sobre a reforma da previdência e sobre o acordo com o Fundo Monetário Internacional, até porque um assunto está diretamente relacionado ao outro.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, repetirei - porque aqui já foram repetidas coisas diferentes, e o farei quantas vezes necessário for - que a proposta de reforma da previdência que está tramitando nesta Casa, e que possivelmente será votada amanhã, não faz nada para combater os privilégios nem para incluir os filhos da pobreza, os excluídos e os marginalizados.

E evidentemente que, com o acordo que certamente estará sendo montado na partilha de cargos, na possibilidade de usufruir o banquete farto do poder, teremos a oportunidade, inclusive, de desmascarar o falso moralismo de alguns que dizem que essa proposta de reforma da previdência combate os super-salários de R$30 mil, de R$40 mil, de R$50 mil. Teremos a oportunidade de mostrar que ela efetivamente não faz.

Amanhã será um dia muito importante. A votação pode ser na terça-feira, na quarta-feira, porém, mais cedo ou mais tarde, a realidade implacável se encarregará de mostrar a verdade. Refiro-me à mentira que alguns políticos pregam, com desfaçatez, de que os filhos da pobreza, os marginalizados, aqueles que são alvo do discurso oficial de políticos que, em época de eleição, tocam, pegam na mão e até entram em suas casas pobres, serão incluídos na PEC paralela. Isso não é verdade.

Sr. Presidente, faço questão de dizer que as PECs que estão tramitando não combatem os privilégios nem os super-salários. Amanhã e depois, veremos, com a mais absoluta clareza, a defesa dos penduricalhos dos Senadores, dos super-salários dos Estados do mesmo jeito que veremos que, quando se tratar do pobre, trata-se de norma de eficácia limitada. E como o Senado se predispõe a ser um medíocre anexo arquitetônico dos interesses do Palácio do Planalto ou da Câmara também nada irá fazer. Pode até se comprometer a votar - Deus sabe quando! - a PEC nº 77, mas mesmo a de nº 77 é norma de eficácia limitada e não confere direito. Poderia conferir se aqui no Senado se quisesse realmente incluir as emendas que conferem o direito e não apenas a possibilidade de direito.

Mais uma vez, concederemos ao Governo, ou por meio de um projeto de lei complementar a ser votado no ano eleitoral ou por meio de uma medida provisória, aquilo que efetivamente nos cabe como norma estabelecida na Constituição do nosso País.

Do mesmo jeito que nem a PEC nº 67 nem a PEC nº 77 conferem paridade. Não vamos mentir porque fica feio, Senador Mão Santa. Para entrar aqui é preciso ter idade mínima. E o cidadão mentir depois de velho é horrível. Então, não vamos mentir: essas PECs não conferem paridade alguma. Só confere paridade se o servidor tiver, cumulativamente, 60 anos, sendo 35 anos de contribuição e 25 anos de serviço público. Não vamos mentir porque é muito feio fazer isso. Não há paridade nem na PEC nº 67 nem na PEC nº 77. Não há.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é importante que mais uma vez fiquemos repetindo isso. Dizia o grande Fernando Veríssimo em um poema muito lindo: “Se a virtude estivesse mesmo no meio-termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris seria em tons de cinza”.

Sei que para todos desta Casa este é um momento especial. Talvez seja muito especial para mim, porque pelo debate da reforma da previdência, do tal voto da reforma da previdência, terei, mais uma vez, de mexer e remexer na inquisição. Mais uma vez vou virar carvão nas fogueiras estabelecidas por aqueles que acham que defender o que estamos defendendo não é fidelidade partidária. Muitos que vomitam o debate da fidelidade partidária fomentam nos partidos alheios a infidelidade. Muitos dizem que é preciso haver fidelidade conjuntural por ser uma fidelidade governista e não partidária. Fidelidade partidária é defender aquilo que, ao longo da história, é acumulado como concepção programática por um partido. Sinto-me absolutamente tranqüila por estar defendendo aquilo que, ao longo da história, aprendi ser concepção programática, convicção ideológica, visão de mundo, dentro do meu Partido, o Partido dos Trabalhadores.

Florestan Fernandes dizia que a coisa mais difícil que ele fez na vida foi permanecer fiel à sua classe de origem. Sei o que realmente me espera nos próximos dias.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, farei algumas breves considerações a respeito do acordo com o Fundo Monetário Internacional. A vice-Diretora do FMI, Anne Krueger, é considerada a irmã mais malvada de Fred Krueger, que aparece em filmes de terror. Todos sabemos o que significa o acordo com o Fundo Monetário Internacional. Lógico que conhecemos também a propaganda triunfalista do Governo em relação ao FMI. É algo impressionante!

Os economistas moderados, os ganhadores do Prêmio Nobel de Economia, personalidades do mundo econômico que já foram diretores importantes do Banco Mundial, que conduziram órgãos importantes na área econômica do Governo Bill Clinton, do espaço enaltecido e privilegiado da Meca do capitalismo internacional, que são os Estados Unidos, atribuem ao receituário do Fundo Monetário Internacional, as crises nos países periféricos. Imaginem! Personalidades diretamente vinculadas a esses organismos, personalidades que discursaram, ao longo de suas histórias, a respeito de consenso - nem consenso é mais, porque já existe dissenso e consenso 2 -, fazem críticas a essa política e atribuem ao receituário do Fundo Monetário Internacional crises nos países periféricos, como a crise na Argentina. Existe verdadeira propaganda triunfalista em relação ao Fundo Monetário Internacional, às instituições de financiamentos multilaterais. Sempre houve isso. Agora, o atual Governo, infelizmente, faz a mesma coisa. É impressionante alardear perante mentes e corações que a possibilidade de reduzir o superávit em 0,05% - possibilidade, porque o Fundo nem aceitou ainda. A redução do superávit é alguma coisa? É algo impressionante enaltecer perante a opinião pública que um país pode investir em esgoto. Isso é algo para ser enaltecido? É impressionante!

A Constituição, a chamada Constituição burguesa, estabelece, em seu Capítulo da Ordem Econômica, no inciso I, que deve ser observado o princípio da soberania nacional. Portanto, esse é um requisito irrenunciável para o estabelecimento da política econômica de um país. E por que estamos dizendo que o acordo é bom? O acordo é bom porque cria a possibilidade de reduzir o superávit em 0,05%.

Podemos comparar essa situação com a de uma dona-de-casa que guardou R$100 para que o agiota da esquina soubesse que ela ia pagar o que lhe deve. Aí o agiota diz: “Oh, dona-de-casa querida, eu te darei uma chance maravilhosa. Tira 5 centavos dos R$100 e faz alguma coisa com eles”. Aí a dona-de-casa compra um pão? Não compra, porque um pão custa 20 centavos. Então, a dona-de-casa vai à padaria, manda dividir o pão francês em quatro pedaços para que ela possa levar um.

Do mesmo jeito, é uma grande coisa dizer que vai investir em saneamento básico? Um país que precisa da autorização para usar o excedente do que deixou de investir? Porque o superávit não se constrói remexendo em papéis. Para que ele seja construído, há gente que perde. Ele resulta da reforma agrária que não foi feita, da política para as cidades, da reforma urbana que não foi feita, do saneamento que não foi feito, do recurso que não foi para a segurança pública, do recurso que não foi para a educação ou para a saúde. É assim que se constrói superávit primário; não é simplesmente mexendo em papéis. Para construí-lo, tirou-se de alguém. De quem? Dos Senadores? Não. Dos filhos dos Senadores? Não. Tirou do meu filho? Não. Tirou do filho da pobreza, porque esse é que foi para a marginalidade como último refúgio, porque sua família é desempregada. Ele é quem viu a violência em sua própria casa, porque seu pai, desempregado, ou foi para a cadeia, ou para o alcoolismo, ou para o narcotráfico, como último refúgio. Tirou da família que está embaixo da ponte vendo seus filhos disputarem, no lixão, o que comer com ratos e urubus. Não tirou de ninguém daqui. Talvez não tenha tirado nem de quem nos assiste pela TV, mas tirou de alguém para construir o superávit. E esse superávit foi construído para dar dinheiro a quem? Aos banqueiros. Esvaziam o prato do pobre para encher a pança dos banqueiros internacionais, daqueles que não pagam imposto, daqueles que não geram empregos, daqueles que não dinamizam a economia local, daqueles que não fazem absolutamente nada pelo povo brasileiro. Dizem que se deve fazer o acordo segundo os humores do mercado, segundo a histeria do mercado, o piti do mercado, considerando o risco Brasil no mercado, enfim, considerando essas regrinhas metodológicas que todos sabemos como se constróem.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sei, mais uma vez, que para alguns isso é considerado absurdo. Significa ser fiel a dogmas petistas, a uma herança de rancor e sectarismo que o partido sempre adotou. É muito mais fácil ceder ao pragmatismo, à conveniência, à política do silêncio, da boquinha calada e da pancinha cheia de cargos, de prestígio e de poder, em vez de dizer aquilo que temos a obrigação de dizer. E por que o Fundo Monetário Internacional está diretamente relacionado com a reforma da previdência? Porque esse foi um dos quatro pontos negociados em 1998.

Quem não leu não tem obrigação de saber. Não há problema algum para quem não leu os memorandos técnicos, as cartas-compromissos, as cartas de ajuste, para quem não trabalhou, como trabalhamos, para mover até mesmo uma ação pública contra o Governo Fernando Henrique quando S. Exª fez o acordo com o Fundo Monetário Internacional em 1998. E não é o caso de ninguém daqui, porque aqui é tudo cobra criada. É ninho de serpente. Aqui o mais besta não anda; voa. Aqui todo mundo sabe tudo. Alguém pode silenciar por convicção, e não há absolutamente problema em ser neoliberal. Mas o que não é possível é fingir que não o é e defender isso, fazendo de conta que não sabe o que está defendendo.

Quanto a um dos quatro pontos do acordo com o Fundo Monetário Internacional, em 1998, quem não se lembra da audiência do Sr. Pedro Malan, aqui em dezembro do ano passado? Quem não se lembra da última carta encaminhada em novembro? Quem não se lembra da última audiência dos Srs. Armínio Fraga e Pedro Malan? Fica tudo igual quando se considera Henrique Meirelles e Antonio Palocci. Em dezembro, já se falavam dos quatro pontos do acordo, entre os quais estava a reforma da previdência, porque é fundamental transferir renda. O que estamos discutindo não é nada corporativista e, mesmo que fosse, seria mentira, já que ninguém está combatendo privilégio nem incluindo pobre. O que aqui será votado é um faz-de-conta. É atribuir-se a quem ganha R$300,00, R$400,00, R$500,00 mais oito anos de trabalho para não haver um corte de 35% na sua aposentadoria. Incutiram na cabeça do povo que só estamos falando de quem ganha acima de R$2.400,00, o que é uma farsa intelectual, uma fraude política, porque a partir de R$2.400,00 é outro debate, é dos fundos de pensão, de aposentadoria complementar. Não tem nada a ver.

O que estamos dizendo, Senador Ramez Tebet, é que sequer aceitaram a emenda sobre transição, que apresentei para que pelo menos haja transição, já que não haver transição é injusto. Os trabalhadores do setor público já passaram por uma regra de transição com o Governo Fernando Henrique em 1998. Aos trabalhadores do setor privado já foi imposto trabalhar mais dez anos para não terem um corte de até 45% na sua aposentadoria. Não se permitir, sequer, que aquele servidor que ganha até o teto do Regime Geral da Previdência, que é de R$2.400,00... Tínhamos que colocar esta “moçada” aqui - e falo de todos nós - para viver com R$1.000,00. Vamos ver quem é que consegue. Há pessoas aqui que não vivem nem com salário de Senador, pois ganham muito mais. Alguém que ganha R$300,00, R$400,00, ser comunicado agora que vai ter de trabalhar mais sete, oito, nove anos para não ter um corte de até 35% em sua aposentadoria é uma injustiça inimaginável, Sr. Presidente!

Concedo um aparte ao nobre Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senadora Heloísa Helena, inspirado por Ulysses Guimarães, ouço a voz rouca das ruas. O Senador Alberto Silva disse-nos: “Homem se escreve com “H”; mulher, “HH” (com dois agás). Com dois agás escreve-se Heloísa Helena. Há pouco ouvi o Senador Ney Suassuna, do PMDB, dizer: “É a nossa Joana D’Arc.” Quero afirmar-me entre os ícones dos médicos-políticos. Não vou analisar, mas nenhum foi maior do que Juscelino Kubitschek nesses 503 anos de Brasil. S. Exª teve coragem de romper com o FMI. Caso contrário, estaríamos andando de jumento, de carroça, não teríamos indústrias. O Nordeste não está atrasado graças à Sudene. S. Exª teve a coragem de romper, a coragem que V. Exª desperta no PT.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Agradeço o aparte de V. Exª.

Para encerrar - até porque comprometi-me com o Senador Maguito Vilela de ser rápida - afirmo que estamos vivendo um momento muito importante para o Senado.

Sei que alguns preferem a reacionária coexistência pacífica do faz-de-conta; sei que esse debate deve ser considerado inimaginável ou ridículo por alguns carreiristas obcecados; sei que isso deve ser olhado como absolutamente ridículo por aqueles que realmente preferem partilhar o banquete farto do poder; eu sei disso, Sr. Presidente. Mesmo assim, é aquela história: enquanto eu tiver um único pulso nas minhas veias, vou continuar falando nesta Casa quantas vezes quiser, até porque a liberdade ofende, eu sei disso.

Muitos dos que comemoram Zumbi, Dandara, República dos Palmares e a liberdade estariam suspirando aliviados diante do negão morto, se o fato ocorresse hoje, eu sei disso, porque a liberdade e a luta são sempre enaltecidas e aplaudidas quando conjugadas no passado. Quando conjugadas no presente, é diferente, porque muitas vezes isso é motivo para a intolerância, a truculência, a arrogância, que deixaram marcas profundas na história da Esquerda do mundo. A intolerância que marcou profundamente corpos, mentes e corações. A intolerância que ousa expurgar todas as outras vertentes teóricas que se atrevem a questionar o pensamento único. Isso não é coisa qualquer, Sr. Presidente, Srs. Senadores.

Enquanto eu estiver neste Senado, até porque o meu mandato não me foi dado por burocracia partidária nem por uma podre e decadente elite alagoana, mas pelo povo de Alagoas. Enquanto aqui eu estiver não deixarei que ninguém o retire. E me sinto absolutamente fiel às concepções programáticas, à convicção ideológica, à visão de mundo que aprendi no meu partido, o Partido dos Trabalhadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/11/2003 - Página 38563