Pronunciamento de Demóstenes Torres em 25/11/2003
Discurso durante a 170ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Considerações sobre lançamento do livro do jornalista Carlos Amorim sobre o crime organizado no País.
- Autor
- Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
- Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
SEGURANÇA PUBLICA.:
- Considerações sobre lançamento do livro do jornalista Carlos Amorim sobre o crime organizado no País.
- Aparteantes
- Ney Suassuna.
- Publicação
- Publicação no DSF de 26/11/2003 - Página 38632
- Assunto
- Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
- Indexação
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- COMENTARIO, LIVRO, ESTUDO, CRIME ORGANIZADO, DENUNCIA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, GUERRA, BRASIL, PERDA, CONTROLE, ESTADO, ESPECIFICAÇÃO, DIVERGENCIA, GRUPO, INTEGRAÇÃO, TRAFICO INTERNACIONAL, CONTRABANDO, ARMA, DROGA, TERRORISMO.
- CRITICA, INEFICACIA, ATUAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), OMISSÃO, PROVIDENCIA, UNIFICAÇÃO, POLICIA, AUSENCIA, MELHORIA, FUNDAÇÃO ESTADUAL DO BEM ESTAR DO MENOR (FEBEM), TRATAMENTO, DELINQUENCIA JUVENIL.
- NECESSIDADE, MELHORIA, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, APERFEIÇOAMENTO, CORREÇÃO, INFRATOR, MENOR, COMBATE, IMPUNIDADE, JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, ESTATUTO, AUMENTO, PRIVAÇÃO, LIBERDADE, OBRIGATORIEDADE, ENSINO FUNDAMENTAL, AMBITO, CASA DE CORREÇÃO.
O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, “Não agrido fatos. Não vi o invisível e não previ o imprevisível” - Petrônio Portella.
No meio da noite, prédios públicos são atacados com rajadas de fuzis automáticos e metralhadoras. Bombas explodem em frente a repartições públicas. Comboios de homens armados percorrem as ruas depois da meia-noite. Param o trânsito em grandes avenidas, saqueiam - pessoas são mortas sem nenhuma razão. Magistrados são emboscados e mortos a tiros. Funcionários de alto escalão são ameaçados. Pelo mar chegam armas e drogas. É cenário de uma guerra que não se quer admitir.
O texto que acabei de ler é uma resenha muito bem elaborada de um País entregue às páginas policiais e parte da abertura de um dos mais vigorosos documentos sobre o crime organizado no Brasil. Trata-se do livro CV/PCC - A Irmandade do Crime no Brasil, lançado ontem no Rio de Janeiro e escrito pelo brilhante jornalista Carlos Amorim, autor do best seller Comando Vermelho - A História Secreta do Crime Organizado.
Apoiada em pesquisa de documentação e observação, a reportagem de 470 páginas historia a formação dos dois mais importantes comandos criminosos do Brasil, disseca os meandros da atividade marginal do País e revela que a federalização do crime organizado é o próximo plano da nova geração que assumiu o poder paralelo.
No cenário da guerra que não se quer admitir, o jornalista percorre os dias de Bagdá registrados no noticiário nacional e descreve com propriedade a desmoralização do Estado. O arsenal do crime não está preocupado com a ação da polícia. Fuzis, granadas e foguetes são necessários para enfrentar os grupos rivais. No alto das favelas, nos esconderijos do bairros pobres, o Estado moderno simplesmente não está presente, não constitui problema maior para o traficante.
Carlos Amorim apóia-se em dados e informações consistentes, que demonstram a trajetória das organizações criminosas no Brasil desde a formação do Comando Vermelho, no início da década de 80, quando o País era mera rota do tráfico de entorpecentes até a integração ao mercado global do crime organizado, um negócio que movimenta no planeta US$1,5 trilhão por ano em dinheiro sujo, proveniente do narcotráfico, do contrabando internacional de armas e do terrorismo.
No centro das atividades, naturalmente está a droga. De acordo com Amorim, a ONU estima que o tráfico movimenta entre US$600 bilhões e US$800 bilhões, mais que a indústria do petróleo e do gás natural, enquanto US$200 bilhões são lavados nas engrenagens obscuras do sistema financeiro internacional.
Srªs e Srs. Senadores, durante todo esse ano, adverti esta Casa de que não se podia comandar o Ministério da Justiça com tamanha improvisação e inapetência. Nos apelos, cobrei do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, um projeto de segurança pública para o País e denunciei que dias piores viriam, caso o Ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, permanecesse como um tolo na colina, contemplando as ruas das nossas Faixas de Gaza, como se essa guerra não fosse, primordialmente, do Governo Federal.
O Ministério da Justiça deveria ter a compostura de poupar a Nação do socorro enganador. No início do Governo Lula, fazia parte da dramaturgia bastosiana excomungar a tese da unificação das Polícias. O argumento era o de que a providência era utópica e que a ela precedia a tal integração das atividades policiais.
O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Concedo o aparte, com muito prazer, ao nobre Senador Ney Suassuna.
O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Nobre Senador Demóstenes Torres, vejo a indignação com que V. Exª está fazendo seu discurso. É a mesma indignação com que, no mandato passado, eu também clamava por providências rápidas, reais. E, nos nove projetos que apresentei aqui nesta Casa para o combate à violência, sempre ouvi: isso não tem importância, isso não é assim. Se for para baixar a idade, não pode, porque não vai adiantar nada. Se for para mandar o preso para uma área inóspita, onde ele vai plantar, colher e saber qual é o valor da vida e da natureza para ver a safra, em vez de estar tomando de terceiros, sempre não pode, isso não funciona. O pior é que o tempo passa e medidas não são tomadas. Não estou desiludido de todo, mas já cheguei à conclusão de que a maior parte da sociedade brasileira perde a sua energia em debates internos, em vez de tomar atitudes contra o crime, que cada vez avança mais, porque ficamos debatendo entre nós ações que já deveriam ter sido tomadas. Medidas dessa natureza têm sido tomadas em outros países e têm funcionado. Louvo o tema que V. Exª escolheu. Tenho certeza de que V. Exª, como homem da área de justiça, poderá colaborar mais. E que essa sua santa indignação deve ser a mesma que queima a alma de todos nós. Mas, lamentavelmente, ainda não iniciamos ações reais e concretas. Parabéns!
O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Muito obrigado, Senador Ney Suassuna. Desde o início, venho pugnando para que medidas concretas sejam tomadas, e o Ministro insiste na retórica. Isso me causa extraordinária indignação.
Então, eu dizia que, no início do Governo Lula, fazia parte da dramaturgia bastosiana excomungar a tese da unificação das Polícias. O argumento era o de que a providência era utópica e que a ela precedia a tal integração das atividades policiais. Agora, o Ministro da Justiça anunciou a pretensão de, talvez em 2004, enviar ao Congresso Nacional proposta de Emenda à Constituição que cria espécie de faculdade aos Estados de unificar as suas Polícias.
O Governo Lula está precisando de alguma lição de auto-ajuda. Não é possível que uma administração respaldada por tanto apelo popular continue trafegando na tibieza. Sr. Presidente, não há por que hesitar na unificação das Polícias. A decisão precisa ser firme, apoiar-se em um projeto consistente, com previsão de regras claras de transição de regime e trazer a possibilidade da reengenharia de uma nova polícia, do contrário, não resistirá ao primeiro rezingue corporativo. Sinceramente, aplaudo a guinada do Ministro da Justiça, mas não vejo sinceridade no propósito. Parece que a intenção é muito mais a de provocar as indisposições sobre o tema do que de fato construir um modelo definitivo de instituição policial no Brasil.
O Dr. Marcio Thomaz Bastos ontem acordou com o animus filosofandi aflorado e decidiu realizar uma expansão física, em uma atitude típica de quem corre atrás de oxigenação política. Também pudera, o brasileiro encerra o ano de 2003 mais pobre de segurança e com a nítida sensação de que o desempenho anêmico do Governo Federal no combate ao crime organizado é o grande responsável pela perda de substância do Estado e da qualidade de vida da sociedade.
Durante solenidade promovida pelo Conselho de Diretores de Polícias Judiciárias e de Investigação criminal da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, o Dr. Marcio Thomaz Bastos mostrou-se um generalista de êxito e desenvolveu o que certamente Beccaria iria classificar de a prática da obviedade do direito, a saber: “O que diminui a criminalidade é a certeza da punição”; “O crime se internacionalizou e nenhum país consegue combatê-lo isoladamente”. Quando se esperava que o Ministro da Justiça fosse dizer, finalmente, a que veio, ou seja, anunciar uma política de segurança pública para o País, o Dr. Marcio Thomaz Bastos saiu com mais uma evasiva sobre o combate ao crime organizado: “A intenção do Governo Federal é estabelecer um plano estratégico para 2004”.
O Ministro da Justiça não perdeu a oportunidade para realizar o seu ato preferido à frente do que deveria ser a mais importante pasta da administração da República, que é excomungar as instituições do Brasil. Desta vez, o alvo foi a Febem. Da mesma maneira que considera inútil reformar a lei penal, porque os estabelecimentos prisionais são repositórios de párias, o Dr. Márcio Thomaz Bastos entende que alterar o “Estatuto da Criança e do Adolescente” é desnecessário, porque há a Febem, “a primeira linha de montagem do crime”. Ora, se as instituições não funcionam, um dos grandes responsáveis é justamente o Ministro da Justiça.
Daqui a praticamente um mês, este expediente bucaneiro de transferir a responsabilidade natural do Estado para os defeitos das instituições vai fazer aniversário. Não é possível, por exemplo, que os danos sociais da delinqüência juvenil sejam tratados de forma escorregadia. Observem, Srªs e Srs. Senadores, que, no Orçamento de 2003, o programa do Ministério da Justiça intitulado “Unidade de Internação de Adolescentes em Confronto com a Lei” realizou neste ano alguma coisa próxima do nada. No que se refere à construção de estabelecimentos destinados à privação da liberdade, foram destinados R$13 milhões e executado zero. Quanto à atividade de reinserção social, a previsão orçamentária era de R$53 milhões, mas só 3% foram efetivados.
Quando o Brasil promulgou o Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, assinou um contrato com o futuro. Finalmente o País passou a ter um regime jurídico que garantia a proteção integral à infância e à juventude. A lei foi um avanço extraordinário, uma vez que revogou normas, disciplinadas pelo Código Civil de 1917, carcomidas pelo tempo, eivadas de preconceitos e absolutamente inadequadas a uma sociedade que acabara de voltar à democracia.
Mais que isso, o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe o conceito de que a primeira idade era prenhe de plenos direitos e a base do que se convencionou chamar de cidadania.
À época em que o estatuto foi elaborado, a Nação vivia a transição para o sistema de plena liberdade e não deixou de receber influência da ideologia, então em vigor, de que era possível estabelecer direitos sem ponderar obrigações. O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma ótima lei, mas perdeu a credibilidade por não ter considerado em sua formulação sociológica que o mesmo Brasil que ascendia aos novos tempos de Estado de Direito estava em decomposição por conta da ação do tráfico de drogas e toda manifestação do crime organizado. O legislador olvidou a realidade das ruas e a década de 90 comprovou que a norma era inadequada para um País violento e maculado pela impunidade.
O erro primordial foi tratar a questão da criança e do adolescente com um misto de pureza e candura. Observem que o Estatuto empresta a mesma cortesia a responsabilidades distintas. Ou seja: se no aspecto civil, o Estatuto da Criança e do Adolescente é formidável ao consagrar direitos como a proteção material e intelectual, o direito ao respeito e o atendimento prioritário das políticas públicas, no que se refere à punição do ato infracional, a lei é inocente e gutural. Foi um lamentável equívoco tratar as medidas sócio-educativas com a abstenção da dogmática penal. Isso precisa ser corrigido, e cabe ao Senado fazê-lo.
Não se trata de trazer a discussão à seara do fulanismo, nem de reagir com espasmo punitivo a partir de fatos que salientam o ambiente de insegurança e crueldade, como o que ocorreu em São Paulo com o assassinato do casal de adolescentes, mas de considerar o ato infracional uma conduta de conseqüência gravíssima. Estudo realizado pelo Ipea sobre a eficiência dos estabelecimentos destinados a aplicar as medidas sócio-educativas constatou que 71% das unidades não atendem aos requisitos mínimos de higiene, instalação física, atendimento médico, jurídico e educacional exigidos pela ONU. O Ipea traçou um perfil dos adolescentes internos cujo resultado é preocupante e assevera a necessidade de alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente. Da população de aproximadamente 10 mil adolescentes privados da liberdade, 90% são do sexo masculino e não concluíram o ensino fundamental, enquanto 85,6% eram usuários de drogas. O mais grave é o quadro dos atos infracionais praticados. De acordo com as estatísticas do Ipea, 29,5% das medidas sócio-educativas aplicadas reportam-se a roubo,18,6 a homicídios e 8,7% ao tráfico de entorpecentes.
O Brasil precisa de uma norma que imponha limites à prática da conduta anti-social dos adolescentes, uma vez que a técnica jurídica consagrada no Estatuto mostrou-se ineficiente, e a sociedade, estarrecida e em pânico, perdeu a paciência, tanto que as pesquisas de opinião mostram tendência majoritária de apoio à redução da maioridade penal. A insegurança generalizada faz o brasileiro raciocinar com os extremos, e cidadãos da mais alta qualidade moral e intelectual, com participação ativa nos grandes momentos da vida política brasileira, a exemplo do rabino Henri Sobel, passam a admitir até mesmo a pena capital.
Na semana passada, ingressei com projeto de lei que traz o Estatuto da Criança e do Adolescente para a realidade brasileira e retira da norma jurídica o patronímico da impunidade. São três eixos principais. O primeiro prolonga o tempo máximo da medida sócio-educativa de internação dos atuais três para oito anos, e a liberdade compulsória passa de 21 para 25 anos. O segundo consagra um tempo mínimo para o cumprimento da medida. Conforme a gravidade do ato infracional, o lapso será de dois a quatro anos. Por fim, o projeto impõe a obrigatoriedade de o estabelecimento de segregação, intramuros, implementar a escola em tempo integral nos ensinos fundamental e médio, além de ter de oferecer emprego ao menor infrator que de lá sair.
O estudo do Ipea revelou que a medida sócio-educativa de privação da liberdade só surtirá efeito caso seja cortado o vínculo com as drogas e realizada política educacional efetiva. O projeto de minha autoria contempla as duas sugestões e recupera a credibilidade do Estatuto da Criança e do Adolescente ao impor à privação da liberdade caráter também retributivo ao mal que o adolescente praticou à sociedade. Espero que esta Casa acolha o projeto, que sintetiza o legítimo clamor da sociedade brasileira de viver com dignidade.
Muito obrigado, Sr. Presidente.