Discurso durante a 170ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à reforma da previdência a ser votada hoje pelo Senado Federal.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • Críticas à reforma da previdência a ser votada hoje pelo Senado Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/2003 - Página 38636
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • LEITURA, TRECHO, OBRA LITERARIA, SAUDAÇÃO, LUTA, JUSTIÇA, EXPECTATIVA, ORADOR, VOTAÇÃO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.
  • DENUNCIA, AMEAÇA, PERDA, DIREITOS, TRABALHADOR, SETOR PUBLICO, INICIATIVA PRIVADA, REGISTRO, HISTORIA, ATUAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), CONTRADIÇÃO, INJUSTIÇA, PROPOSTA, GOVERNO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, ESPECIFICAÇÃO, ALTERAÇÃO, TEMPO DE SERVIÇO, APOSENTADORIA ESPECIAL, PREJUIZO, POPULAÇÃO CARENTE, OBEDIENCIA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), REITERAÇÃO, POSIÇÃO, ORADOR, INDEPENDENCIA, FIDELIDADE PARTIDARIA.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de iniciar meu pronunciamento, agradeço a V. Exª, Senador Eduardo Siqueira Campos, a gentileza, a delicadeza de me oferecer uma rosa, na manhã de hoje, na sessão em homenagem às mulheres. Entre tantos que jogam espinhos, alguém oferece flores.

Passo a ler uma história muito antiga - contada, como sempre, muito bem pelo grande Eduardo Galliano -, sobre uma menina de sete anos chamada Juana.

Pelo espelho vê entrar a mãe e solta a espada, que cai com o rumor de um canhão, e dá Juana tamanho pulo que toda a sua cara fica metida debaixo do chapéu de abas imensas.

- Não estou brincando - zanga ante o riso de sua mãe. Livra-se do chapéu e aparecem os bigodões de carvão. Mal navegavam as perninhas de Juana nas enormes botas de couro; tropeça e cai no chão e chuta, humilhada, furiosa; a mãe não pára de rir.

- Não estou brincando! - protesta Juana, com água nos olhos. - Eu sou homem! Eu irei à universidade, porque sou homem!

A mãe acaricia sua cabeça:

- Minha filha louca, minha bela Juana. Deveria açoitar-te por estas indecências.

Senta-se ao seu lado e docemente diz: “Mais te valia ter nascido tonta, minha pobre filha sabichona”, e a acaricia enquanto Juana empapa de lágrimas a enorme capa do avô.

            Sr. Presidente, estou chorando, mas não choramingando. Choro porque mulher é assim e, graças a Deus, não precisa se envergonhar de suas lágrimas, principalmente hoje, quando teremos uma votação muito importante.

            Dizem que as lágrimas provocam cicatrizes na alma. Certamente todo esse processo me deixou com muitas cicatrizes na alma. Mas também sei que só tem cicatrizes na alma quem não se acovardou, quem não se ajoelhou covardemente, quem esteve no campo de batalha, quem teve coragem de defender as suas posições.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como a mãe que acariciou a filha e lhe disse que melhor seria ter ela nascido tonta, também para muitos de nós, Senador Romeu Tuma, melhor seria termos nascido demagogos, neoliberais, termos nascido carreiristas obcecados, covardes. Talvez fosse muito mais cômodo.

Hoje, debateremos a reforma da Previdência. Não será esta a primeira oportunidade de alguns membros desta Casa e de alguns militantes da política brasileira, pois já houve outras oportunidades. Mas é importante deixar claro que os direitos dos trabalhadores do setor público, como os direitos dos trabalhadores do setor privado, não foram concessão da elite política e econômica, nem de nenhum parlamentar ou partido. Os direitos dos trabalhadores do setor público, como os dos trabalhadores do setor privado, são reflexo de tanta e tantas lutas, de tantos e tantos combates, de conquistas, de sonhos.

            Mas não é a primeira vez que os trabalhadores do setor público do Brasil vêem seus direitos arrancados. Esta Casa mesmo, em 1998, viu, pois votou, evidentemente debaixo de protesto, de combate e do voto “não” do Partido dos Trabalhadores, esta Casa votou a reforma da Previdência para os trabalhadores do setor público em 1998, retirando direitos que estavam assegurados. Esta Casa votou, em 1999, a retirada de direitos dos trabalhadores do setor privado com a reforma da previdência do setor privado, mas com o voto contrário, o voto “não”, com a combatividade do Partido dos Trabalhadores.

Não é à toa, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, que o Partido dos Trabalhadores impediu a conversa de seus dois Governadores com o Governo Fernando Henrique Cardoso sobre a reforma da Previdência, porque estava arraigado em nossas concepções programáticas, na nossa tradição histórica que queríamos a reforma do aparelho de Estado, parasitado e privatizado a serviço de uma elite política e econômica decadente, irresponsável, cínica e incapaz. Mas, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, nunca defendemos uma reforma da Previdência que signifique clara transferência de renda do setor público para o setor privado, que significa clara redução dos gastos sociais para encher a pança dos banqueiros internacionais, para continuar vivenciando o superávit, pagando mais de 120 bilhões de juros de serviço da dívida, para continuar aumentando em mais de 60%, só nesse primeiro semestre, em relação ao ano passado!

Esse é o debate que está sendo feito.

Devemos acabar com essa conversa fiada, com essa cantilena enfadonha e mentirosa, que vem desde o Governo Fernando Henrique, de que se trata de rombo na Seguridade Social. Ora, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, muitos desta Casa reivindicavam auditoria para mostrar quais ratazanas de terno e gravata roubaram a Previdência, para mostrar os verdadeiros saqueadores da Previdência, pediam auditoria para mostrar o faz-de-conta do déficit da Seguridade Social, porque a Desvinculação de Receita da União arranca, só dos cofres da Seguridade Social, R$36 bilhões, arranca, saqueia oficialmente R$36 bilhões dos cofres da Seguridade, mas depois alega que não tem dinheiro, que o Tesouro vai ter que investir.

Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, mais uma vez estamos diante de graves injustiças. Infelizmente, tentamos muito garantir uma regra de transição, porque esta mudança não se trata de coisa qualquer. Não entendo. Sinceramente, só se houver muito ministério em jogo, muito cargo em jogo, muito balcão de negócio sujo em jogo, porque não consigo entender como alguém defende que a um trabalhador do setor público que ganha R$300,00 ou R$400,00 seja imposto trabalhar mais seis, sete, oito ou nove anos de serviço para não ter um corte de até 35% em sua aposentadoria. Não consigo entender como alguém vota tranqüilo diante da diferença clara que esta proposta de reforma trará. O filho da pobreza começa a trabalhar mais cedo, começa a trabalhar com 15 anos de idade. Filho de Senador, com certeza, não começa a trabalhar com 15 anos de idade. Filho de Senador tem a oportunidade de entrar na universidade, de se formar, e só entra no mercado de trabalho com 25 anos de idade. O que está acontecendo? Quem começou a trabalhar mais cedo vai perder dez anos de contribuição à Previdência e dez anos de trabalho.

Será que alguém continuará dizendo que isso é justo? Será que alguém consegue dormir tranqüilo pensando dessa forma? Como alguém pode ser contra a aposentadoria especial? Como alguém pode impor a um policial trabalhar mais de 60 anos? Como retirar o direito à aposentadoria de uma trabalhadora com 25 anos de serviço? Não adianta a justificativa demagógica de que ela vai trabalhar menos cinco anos, porque ela terá o aumento de sua carga de trabalho e dos anos trabalhados para não sofrer corte de até 35% em sua aposentadoria.

Sr. Presidente, alguns são contra a aposentadoria especial, quando tantos ex-governadores trabalharam quatro anos e tiveram aposentadoria especial! O Presidente da República tem aposentadoria como anistiado, mas a maioria dos anistiados ainda não receberam. São tantos os que têm aposentadoria especial, mas falam contra a aposentadoria especial para o trabalhador da educação, da saúde, da segurança pública.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não se trata de coisa qualquer. O pior mesmo é saber onde está a inspiração. Está lá, no acordo com os gigolôs do Fundo Monetário Internacional. Estão lá os quatro pontos: reforma da Previdência, privatização dos bancos federalizados, lei de falência, autonomia do Banco Central. Estão lá os quatro pontos. E, certamente, alguém virá e dirá: “Mas tem que haver dinheiro para investir em segurança, em educação, em infra-estrutura!”

Quanta demagogia! Quanta mentira!

O problema não é sobrar dinheiro para investir nas áreas sociais e na infra-estrutura. O problema é sobrar dinheiro para continuar transferindo renda para o capital financeiro internacional, para os gigolôs do Fundo Monetário e para os parasitas das instituições de financiamento multilaterais. É isso que está em jogo. É a partilha da riqueza do País. É isso que estamos discutindo.

Infelizmente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, este é um dos momentos mais difíceis da minha vida. Não é o momento mais difícil. Já tive momentos muito, muito mais difíceis na minha vida.

E volto a repetir: choro porque dediquei os melhores anos da minha vida ao Partido dos Trabalhadores e sei que estou defendendo aqui o que aprendi no Partido dos Trabalhadores. Não estou defendendo algo que aprendi numa cartilhazinha pessoal; estou aqui falando o que passei quatro anos falando como Líder do PT, como Líder da Oposição ao Governo Fernando Henrique. E falava exatamente isto que estou falando. Exatamente isto.

Hoje, infelizmente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, existe um grande abismo entre o que éramos, enquanto Parlamentares da Oposição, e o que estamos fazendo. 

Por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apesar de tudo o que pode significar o meu voto, estou com a consciência tranqüila. Repito para mim mesma todos os dias uma passagem bíblica: “De que vale a um homem ter toda a riqueza do mundo a seus pés, se ele perde a sua alma?”. E repito também para mim, todos os dias: “É melhor o coração partido do que a alma vendida”.

Estou com a consciência tranqüila. Não me arrependo de nenhum dos passos que dei. Não me arrependo dos melhores anos da minha vida que dediquei à construção desse Partido. E muito mais: se alguém resolver retirar de mim a legenda, não vai arrancar de mim a minha alma libertária, o meu compromisso com o socialismo, o meu coração. Esses, não arrancarão! Podem até me tirar uma legenda partidária, mas jamais conseguirão arrancar a minha alma, o meu coração, as minhas convicções ideológicas, a minha visão de mundo - que não têm preço!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/2003 - Página 38636