Discurso durante a 171ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração dos vinte anos do comício das diretas já.

Autor
Heráclito Fortes (PFL - Partido da Frente Liberal/PI)
Nome completo: Heráclito de Sousa Fortes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • Comemoração dos vinte anos do comício das diretas já.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 28/11/2003 - Página 39084
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, REALIZAÇÃO, COMICIO, ELEIÇÃO DIRETA, IMPORTANCIA, RETOMADA, DEMOCRACIA, PAIS.
  • SOLIDARIEDADE, HELOISA HELENA, SENADOR, EXPECTATIVA, AUSENCIA, PUNIÇÃO, EXPULSÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, meu conterrâneo e companheiro de Bancada, Senador Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, não era minha intenção usar esta tribuna neste início de noite. A ressaca das votações de ontem e de hoje me bastaram. Mas de meu gabinete ouvi um pronunciamento do sempre lúcido Senador Eduardo Suplicy - sempre lúcido e de boa memória -, quando fazia aqui uma rememoração daquela grande epopéia que vivemos. Eu, bem jovem, S. Exª um pouco menos jovem do que eu, mas também jovem, vivíamos a epopéia das eleições diretas.

O Senador Eduardo Suplicy registra exatamente o dia de hoje como um marco dessa história. Hoje se comemoram vinte anos do grande projeto e do grande sonho brasileiro, que era a recuperação das eleições diretas, perdidas por ato de força. Apenas o Senador cometeu um equívoco, que reparamos agora, numa conversa a dois. Na realidade, não era o primeiro comício que se realizava na data de hoje, mas era o primeiro comício com a participação de seu Partido, o PT, que foi exatamente o que consolidou definitivamente o movimento.

O comício foi realizado no Estádio do Pacaembu. Senador Mão Santa, Senador Rodolpho Tourinho, se fechar os olhos, vejo exatamente aquele cenário: Ulysses Guimarães, Freitas Nobre, Renato Archer, Heráclito Sobral Pinto, Fernando Henrique Cardoso, Severo Gomes, Evandro Lins e Silva, Eduardo Suplicy, Darcy Ribeiro. Estou me lembrando apenas desses, Senador Eduardo Suplicy, mas V. Exª, privilegiado com uma memória melhor que a minha, haverá de se lembrar de tantos outros.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Posso lembrar-me de uma das pessoas que foi um dos principais coordenadores do movimento Diretas Já, demonstrando assim a sua grande capacidade de organização política: o atual Ministro da Casa Civil, José Dirceu, então Secretário-Geral do Partido dos Trabalhadores. Naquela tarde, o PSDB, na sua inteireza, ainda não havia resolvido...

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - O PSDB não existia.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Perdão, o PMDB ainda não havia resolvido participar.

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - Havia uma divisão interna.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Havia ainda alguns que não acreditavam.

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - Os autênticos e os moderados.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Havia uma das pessoas que depois se engajou e que sempre soube tão bem dignificar a sua vida política, mas que naquela tarde havia resolvido estar em um grande prêmio no Jockey Club, convidado que era, até por ser Governador de São Paulo: André Franco Montoro. Ele não chegou a participar do comício, mas depois foi um dos esteios. No comício de 25 de janeiro, na Praça da Sé, e no seguinte, o maior deles, comparável ao da Candelária, no Anhangabaú, do qual V. Exª participou, o Governador André Franco Montoro foi um dos esteios da sua organização. Mas V. Exª fará, então, a homenagem, e quero que faça. Mas gostaria também de comentar a respeito dessa extraordinária figura da história brasileira que V. Exª vai recordar agora.

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - Nobre Senador Mão Santa, o que lembrávamos aqui foi a nota triste desta noite.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Da tarde!

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - Da tarde-noite. Exatamente quando foi anunciado que usaria da palavra o então Senador Fernando Henrique Cardoso, que comunicou a todos os presentes e ao Brasil, naquele instante, porque havia transmissão direta, o falecimento do Senador Teotônio Vilela, o Menestrel das Alagoas.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Que havia sido convidado para estar no comício.

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - Havia sido convidado, mas já estava num estado de saúde crítico havia mais de mês. Mas ele tinha sido também um dos pilares mestres desse grande movimento.

Estou dizendo isso, Sr. Presidente, Srs. Senadores, nesta tarde de hoje, com a presença em plenário do ainda jovem Senador Eduardo Suplicy, que, ao longo desse tempo, é testemunha e protagonista de uma grande história, de derrotas, de vitórias e de coerências. E nós, Senador Eduardo Suplicy, reverenciamos hoje um marco na vida brasileira, que foi a retomada do processo democrático por meio das Diretas Já. Depois daquilo, lembra muito bem V. Exª, nós, Deputados, naquele quadriênio, talvez o mais importante da nossa geração, fomos vítimas dos panelaços, das ameaças, inclusive de fechamento do Congresso Nacional.

Graças à habilidade e a diálogos de políticos como Tancredo Neves, Ulysses Guimarães e tantos outros, conseguimos atravessar aquele momento difícil da vida político-partidária brasileira. Posteriormente - ainda não pelo sistema direto, uma vez que a emenda das Diretas Já, de autoria do ex-Governador e ex-Senador Dante de Oliveira foi derrotada -, por intermédio do Colégio Eleitoral, foi marcada a transição do sistema autoritário para o sistema democrático, com a eleição de Tancredo Neves e a posse de José Sarney, história que todos conhecemos.

Ocupo a tribuna, neste início de noite, a fim de dizer que 20 anos depois, Senador Mão Santa, o Brasil não pode comemorar nada. Todos os nossos sonhos e os do trabalhador brasileiro, todas as esperanças da população brasileira depositadas não em meu partido, não no partido de V. Exª, Senador Mão Santa, mas no partido de V. Exª, Senador Eduardo Suplicy, foram por água abaixo ontem, com a derrota do servidor público brasileiro na reforma da previdência. Hoje, a pá de cal. O trabalhador brasileiro, o aposentado, saiu daqui, após oito horas e meia ininterruptas de vigília, derrotado e desesperançoso, como quem jogou por terra vários anos de esperança.

Senador Eduardo Suplicy, uma das coisas que mais admiro em V. Exª é a coerência e a perseverança. Mas V. Exª tem um predicado muito raro na vida pública hoje, que é a solidariedade. Apesar de seguir a doutrina de seu partido e obedecer ao comando da sua liderança, V. Exª não faltou em nenhum momento e talvez tenha sido a única companhia e o consolo isolado, único, à Senadora Heloísa Helena. Para nós que vivemos neste plenário e observamos tudo, a todo instante, embora com posição contrária à Senadora, V. Exª foi talvez o único canal que tentou uma aproximação, um entendimento, uma abertura, para que o Governo em algo cedesse, para que em seu partido, em sua base de apoio, saíssem todos arranhados o menos possível.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Heráclito Fortes, primeiro V. Exª deu maior relevância à memória que eu havia aqui registrado do início das Diretas Já. V. Exª muito bem assinalou que houve inúmeras outras manifestações. Mas aquela de 27 de novembro de 1983 foi a primeira grande manifestação à qual compareceram mais de 30 mil pessoas, o que era, na época, um fato político de inegável importância e que levou a todos os demais a perceberem...

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - Uma das estrelas era o hoje Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Exato. E não apenas daquele comício, mas de todos os demais que se seguiram. Não apenas o da campanha das Diretas Já, mas quase 10 anos depois, em 1992, na campanha por Ética na Política, os dois grandes movimentos das últimas décadas, em que o Brasil foi às ruas para mostrar o seu anseio de justiça, a sua vontade de acabar com a corrupção, o seu desejo de transparência nas decisões que efetivamente significassem a inclusão dos destituídos na história passada e recente do Brasil. V. Exª afirmou que a reforma da Previdência votada ontem pode não ser exatamente a reforma dos sonhos de muitos, inclusive dos anseios de todos os envolvidos na campanha pela democracia e das propostas do Presidente Lula durante sua extraordinária trajetória. Tenho uma visão diferente, porque entendo que o Presidente Lula está fazendo aquilo que julga possível, para caminhar numa direção de maior eqüidade em relação não apenas aos servidores públicos, mas com o conjunto da população brasileira. V. Exª lembra também duas personalidades sobre as quais gostaria de traçar um paralelo. Hoje, em um diálogo com o Senador Pedro Simon, S. Exª disse algo muito importante.

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - Pedro Simon era outro presente.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Presente e testemunha das considerações que farei.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa) - Senador Eduardo Suplicy, peço desculpas a V. Exª, mas eu gostaria de lembrar que os servidores do Senado começaram a trabalhar hoje às 8h30. E essa segunda sessão começou às 16h30 e o Regimento Interno determina que encerre às 20h30, e ainda queremos ouvir a Bahia, o próximo orador inscrito, o grande Senador Rodolpho Tourinho.

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - A Bahia ninguém cala, nobre Sr. Presidente, nunca ninguém calou e ela será ouvida. Tenho certeza de que os servidores serão tolerantes por mais dois minutos, porque é importante ouvir o depoimento do Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Sr. Presidente, Senador Mão Santa, pretendo apenas fazer um registro sobre duas personalidades da estima de S. Exª: Teotônio Vilela e Heloísa Helena. V. Exª me permite?

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - Dois alagoanos.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - O Senador Pedro Simon, hoje, observava que a Senadora Heloísa Helena está se tornando, assim como se deu com o Senador Teotônio Vilela, uma das grandes personalidades da história e da vida política do Brasil. Todos nos lembramos quando o Menestrel das Alagoas passou a percorrer este País em busca da anistia, da democracia, das Diretas Já, e, por onde andava, tal era a força de seus argumentos, de sua presença, de sua convicção, de sua assertividade, que se tornou uma figura maior. Todos aqueles que, neste plenário, ontem, assistiram ao pronunciamento da Senadora Heloísa Helena, cujo desempenho temos testemunhado, - e tenho certeza de que no Palácio do Planalto também a ouviram pela TV Senado - percebemos que suas palavras têm enorme significado e grande repercussão. Todos testemunhamos isso. Inclusive os servidores presentes nas galerias a aplaudiram. Conforme salientou V. Exª, procedi de maneira diferente: votei de acordo com a proposta do Governo, porque estou consciente de que poderá ser o melhor para o Brasil e acredito na visão do Presidente Lula, diante das circunstâncias e limitações que existem. Mas considero que há sinceridade e coerência. O próprio Senador Aloizio Mercadante, Líder do Governo, ontem, ponderou que uma coisa são as razões de convicção e outra são as razões do dever. S. Exª, então, disse que o Governo apresentava eram as convicções do dever, mas reconheceu, implicitamente, que, na Senadora Heloísa Helena, havia as razões de convicção. Diante desse reconhecimento e da declaração do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ontem, à Rede Bandeirantes, de que não caberia a Sua Excelência indulto, porque se tratava de uma questão do Partido, logo mais, quando encontrar-me com o Presidente, direi a Sua Excelência que, nessa questão, a palavra do Presidente é extremamente importante. A minha convicção, que estarei transmitindo aos meus companheiros, o Presidente Lula, o Ministro José Dirceu, todos os Ministros e o Presidente José Genoíno, é que a defenestração da Senadora Heloísa Helena seria uma perda irreparável para o Partido dos Trabalhadores. Significaria um grande prejuízo, comparável à saída do Senador Teotônio Vilela de um Partido. Faço esse registro lembrando-me da observação feita pelo Senador Pedro Simon. Está previsto no Estatuto do PT que, quando um membro vota de acordo com sua convicção, com sua filosofia, com o seu sentimento de consciência, ele pode até votar em desacordo com uma orientação do Partido. Mas a Direção Nacional não quis, no caso da reforma da Previdência, conceder esse direito. Considerando que o Presidente Lula está conseguindo o seu objetivo de aprovar a reforma que gerou essa desavença, e que é uma pessoa com um alto grau de generosidade, que tem demonstrado ao longo da vida, direi que também caberá a Sua Excelência, bem como ao Deputado José Genoíno, não manter o seu coração tão fechado para quem demonstra suas convicções e seu sentimento.

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - José Genoíno também estava no Pacaembu.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - É verdade, o Deputado José Genoíno estava lá e foi um dos grandes esteios da campanha das Diretas Já. Então, para que os anseios expressos no Pacaembu, na Candelária, em Teresina ou na Sé sejam, agora, efetivamente realizados, temos que ter o espírito de generosidade que ali estava presente. Meus cumprimentos a V. Exª por recordar uma parte da História brasileira, que é sempre importante estar presente na tribuna do Senado Federal.

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - Agradeço a V. Exª o aparte e peço desculpas ao Senador Rodolpho Tourinho pela demora, pois tinha assumido o compromisso de ser breve. Mas tenho a impressão de que S. Exª, até mais do que eu, está satisfeito com essa aula de História que o Senador Eduardo Suplicy deu a nós e a todo o Brasil, além de uma lição de humildade.

O que o Senador Eduardo Suplicy disse aqui é o que todo o Brasil sente. Senador Rodolpho Tourinho, esta Casa é composta de 81 Senadores, de diferentes matizes ideológicos e de diversas regiões eleitorais. Cada um tem sua maneira de pensar, suas querências, suas paixões e suas preferências. Há, neste Plenário, os que não gostam e os que não simpatizam com a Senadora Heloísa Helena, mas duvido que exista algum parlamentar, por mais adversário, por pior inimigo que seja, que não a admire.

Já que V. Exª, Senador Eduardo Suplicy, vai conversar hoje com o Presidente da República - e sei que V. Exª é um timoneiro das causas que abraça e é daqueles que não se abate e não se cansa - não deixe de lembrá-lo de uma coisa básica nisso tudo: só quem não pode ser punida nesse episódio é a Senadora Heloísa Helena. O meu Partido e eu mudamos de opinião em relação a esta reforma. V. Exª e o seu Partido mudaram de opinião com relação a esta reforma. Quando era Oposição, combateu, não quis a reforma apresentada pelo Governo passado; agora, que é Governo, quis. Nós, que a queríamos quando éramos Governo, agora não a queremos. A única que sempre não quis esta reforma é exatamente a Senadora Heloísa Helena.

Já que falamos em Teotônio, peça ao Presidente da República que respeite a opinião pública nacional, que respeite a ira santa dessa alagoana, que, como Teotônio, vinte anos depois e com as mesmas convicções, defende aquilo que acredita.

Senador Eduardo Suplicy, despeço-me agradecendo ao Presidente e ao Senador Rodolpho Tourinho. Vamos sair daqui, hoje, uns vitoriosos e outros derrotados. Mas os vitoriosos não poderão dar o grito de vitória, porque saem desta luta mutilados. É como o homem que vai à guerra e volta vitorioso para sua casa. Medalha no peito e troféu, mas falta-lhe um braço, uma perna ou, pelo menos, se não lhe falta nada, vem na consciência o peso daqueles que abateu no campo de batalha. Esta é uma vitória sem glória e sem vitoriosos.

O Brasil perdeu muito, Senador, lamentavelmente, nos exatos vinte anos, quando uma chama se acendia, das Diretas Já, outra se apagava, Teotônio Vilela, mas, ambas, marco para a História e exemplos para a nossa geração e as que haverão de nos suceder.

Muito obrigado, Sr. Presidente. E mais uma vez, meu caro amigo Senador Rodolpho Tourinho, obrigado pela paciência e a tolerância. Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/11/2003 - Página 39084