Discurso durante a 171ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre o Seminário "15 anos da Constituição Federal Brasileira" realizado entre os dias 04 e 06 deste mês e patrocinado pelo ILB e a UNILEGIS.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO.:
  • Comentários sobre o Seminário "15 anos da Constituição Federal Brasileira" realizado entre os dias 04 e 06 deste mês e patrocinado pelo ILB e a UNILEGIS.
Publicação
Publicação no DSF de 28/11/2003 - Página 39096
Assunto
Outros > SENADO.
Indexação
  • REGISTRO, PROGRAMAÇÃO, SEMINARIO, REALIZAÇÃO, SENADO, ANALISE, EFICACIA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, realizou-se, entre os dias 4 e 6 deste mês, o Seminário “15 anos da Constituição Federal Brasileira”, evento promovido por recomendação do Presidente José Sarney, organizado e patrocinado pelo Instituto Legislativo Brasileiro e a Universidade do Legislativo. 

À sessão de instalação, presidida pelo Senador Romeu Tuma, Primeiro-Secretário do Senado Federal, estiveram presentes, entre outras personalidades, o ex-Ministro da Saúde e ex-Senador Jamil Haddad, o ex-Ministro Paulo Afonso Martins de Oliveira, o ex-Senador Ronan Tito, o Dr. Agaciel da Silva Maia, Diretor-Geral do Senado Federal, o Dr. Florian Madruga, Diretor-Executivo do Instituto Legislativo Brasileiro, o Professor Heitor Gurgulino, Vice-Reitor Acadêmico da Universidade do Legislativo Brasileiro e o Dr. Guido Farias de Carvalho, Organizador do Seminário.

O Seminário contou com a seguinte programação:

4 de novembro:

Palestra Magna

Bernardo Cabral, relator da Assembléia Nacional Constituinte, ex-Presidente do Conselho Federal da OAB, ex-Ministro da Justiça, ex-Senador.

Mesa 1: Organização do Estado

Tema 1 - Organização Político-Administrativa das Unidades da Federação

Paulo Brossard, ex-Senador, ex-Ministro da Justiça, ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal - STF, Professor e Jurista.

Tema 2 - Administração Pública

Geraldo Campos, ex-Presidente da Subcomissão de Direitos dos Trabalhadores e Servidores Públicos na Assembléia Nacional Constituinte.

DEBATE

Moderador: Mauro Benevides, 1º Vice-Presidente da Assembléia Nacional Constituinte, ex-Presidente do Senado Federal, Deputado Federal.

Mesa 2: Direitos e Garantias Fundamentais

Tema 1 - Direitos Individuais, Coletivos e Sociais

Renan Calheiros, ex-Deputado Federal, ex-Ministro da Justiça, Senador.

            Tema 2 - Nacionalidade, Direitos Políticos e Partidos Políticos

Paulo Kramer, Professor no Instituto de Ciências Políticas da Universidade de Brasília.

DEBATE

Moderador: Deputado Mauro Benevides.

5 de novembro

Mesa 3: Organização dos Poderes

Tema 1 - Organização do Legislativo

David Fleisher, ex-Professor de Ciências Políticas da Universidade de Brasilia, ex-Membro do Centro de Estudos e Acompanhamentos da Constituinte (CEAC).

Tema 2 - Organização do Executivo

Marco Maciel, ex-Presidente da Câmara dos Deputados, ex-Governador de Pernambuco, ex-Vice-Presidente da República, Professor e Senador.

Tema 3 - Organização do Judiciário

Nelson Jobim, ex-Membro da Comissão de Redação e Sistematização da Assembléia Nacional Constituinte, Relator da Revisão Constitucional de 1993, ex-Ministro da Justiça, Ministro do STF.

DEBATE

Moderador: Deputado Mauro Benevides

Mesa 4: Tributação e Economia

Tema 1 - Tributação e Orçamento

Horácio Lafer Piva, Presidente da FIESP/CIESP, Membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República.

Tema 2 - Ordem Econômico e Financeira

João Paulo dos Reis Velloso, Economista, ex-Ministro do Planejamento, Professor.

DEBATE

Moderador: Deputado Mauro Benevides

Mesa 5: A Constituição no Contexto Internacional

Stephane Monclaire, Professor Titular de Ciências Políticas da Universidade de Sorbonne, Paris, França.

DEBATE:

Moderador: Deputado Mauro Benevides

Mesa 6: Defesa do Estado

Rubens Aprobatto Machado, Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

DEBATE

Moderador: Deputado Mauro Benevides

6 de novembro

Mesa 7: Ordem Social - Família, Criança, Adolescente e Idoso

Lúcia Vânia, ex-Deputada Constituinte, Jornalista, Professora e Senadora.

DEBATE

Moderador: Deputado Mauro Benevides

Mesa 8: Medidas Provisórias e Imunidade Parlamentar

José Fogaça, Relator Adjunto da Assembléia Nacional Constituinte, ex-Senador, Professor.

DEBATE

Moderador: Deputado Mauro Benevides.

Lembrou o ex-Senador e atualmente Deputado Federal Mauro Benevides que “A primeiro de fevereiro de 87, o então Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Moreira Alves, instalava a Constituinte, em meio a discurso primoroso, que haveria de servir de roteiro para a ação que iniciaríamos, sob os melhores augúrios, porque acompanhado por todos os estamentos da sociedade civil brasileira”. 

A seguir comentou que “Na confluência de todas estas diversificações políticas, econômicas, sociais e culturais - levamos a cabo a nossa jornada, tendo por lema a qualificação da nova Lei Fundamental como Carta Cidadã, na que se acham inseridas todas as conquistas que, na época, significavam legítimas reivindicações da cidadania”.

“O objetivo primeiro do Seminário foi, exatamente, - segundo o Dr. Guido Farias de Carvalho, Organizador do Seminário -, o de analisar a Carta de modo crítico e reflexivo para sabermos se ela, nesses quinze anos, atendeu às necessidades da Nação e às expectativas político-econômico-sociais dos cidadãos.

A escolha dos palestrantes atendeu a um critério duplo, os que fizeram a Constituição e os que, pelo talento e experiência política, estão relacionados intimamente com o tema a eles propostos”.

Na condição de palestrante, sobre o tema “Organização do Executivo”, fiz as seguintes considerações:

“Presidencialista convicto, o fato de ter coordenado a Frente Presidencialista que defendeu essa opção no plebiscito determinado no art. 2º das Disposições Transitórias, da nossa Carta Constitucional de 1988, certamente me vinculou definitivamente à defesa do sistema presidencial. Em compensação, deixou em segundo plano a tese que sempre sustentei, entre a compatibilidade dos três subsistemas que compõem o sistema representativo: o eleitoral, o partidário e o de governo. Na minha concepção, os sistemas políticos não são sistemas fechados nem trazem em si a garantia de equilíbrio entre seus componentes. Poderíamos dizer, ao contrário, que são sistemas abertos e sujeitos a uma certa dose, aliás tolerável, de entropia.

Tanto o sistema de governo parlamentarista, como de resto o presidencialista, em que é evidente o predomínio do Executivo, admitem uma grande variedade de combinações. No parlamentarismo clássico inglês, de regras não escritas, uma delas é que o partido dominante, isto é, que obtém o maior número de cadeiras no parlamento, mesmo não majoritário em relação ao conjunto dos demais, forma automaticamente o governo. Isto implica em dizer que os partidos não majoritários não podem coligar-se para formar governo. Já nas demais variações européias - e menciono especificamente os casos da Alemanha, da Itália e da Espanha - se não há maioria, com ou sem coalizão, não há governo. Isto implica em dizer que sistemas de governo da modalidade parlamentarista da Europa continental com os sistemas eleitorais proporcionais, casos da Itália, são dotados de maior grau de entropia do que aqueles que adotam os sistemas mistos, como a Alemanha, de estabilidade notória e incontestavelmente maior. Outro exemplo é o da Espanha, que não adota nem o sistema eleitoral misto existente da Alemanha, nem o proporcional da Itália, mas se chama sistema proporcional de listas fechadas com cláusulas de desempenho, o que gera um sistema partidário menos fragmentado e portanto mais estável do que na Itália. Aí reside o cerne de minha tese, é mais importante adotar sistemas compatíveis entre si do que simplesmente escolher um ou outro, por simples opção ideológica ou doutrinária, em razão de preferências de cunho meramente político. Assim, sistemas partidários fragmentados em decorrência desses sistemas eleitorais proporcionais sem cláusulas de desempenho, contribuem para a instabilidade dos gabinetes, ou que pode fazer do parlamentarismo um regime político instável, em confronto com sistemas presidencialistas que, sendo de mandatos fixos tendem a ser mais estáveis.

Esse debate nunca deixou de estar presente na agenda acadêmica e ser objeto de preocupações dos cientistas políticos, sendo enorme a bibliografia sobre o assunto, desde que se instituiu o primeiro sistema presidencialista do mundo, o dos Estados Unidos, consumado com a Constituição de 1787. A Editorial Paidós lançou no mercado a obra “Presidencialismo y Democracia en América Latina”, organizado pelo brasilianista Scott Mainwaring e seu colega Mathew Shugart, abrangendo a interessante análise sobre sistemas presidencialistas do Brasil, da Colômbia, do México e da Argentina. Lamentavelmente, é impossível abordar com mais detalhes qualquer das monografias que compõem o livro. 

Creio porém que para esse nosso debate podemos cingir-nos a algumas observações dos compiladores, quando se referem ao adensamento desse debate na década de 1980, em decorrência da onda de restauração que varreu o mundo, depois do fim do socialismo real na antiga União Soviética. “O debate sobre presidencialismo teve considerável vigência em numerosos países latino-americanos porque os autores acadêmicos e políticos terminaram por se convencer de que as instituições políticas formais podem contribuir ou serem obstáculos aos esforços por construir democracias estáveis”. 

Referindo-se ao Brasil especificamente, assinalam: “Foi no Brasil onde esse debate chegou mais longe, dado que existia a possibilidade real de que o Congresso Constituinte de 1987/88 votasse a instituição de um governo semi-presidencialista, no qual o primeiro-ministro ser escolhido pelo parlamento e o presidente eleito popularmente compartiriam o poder executivo. Em 1993 se celebrou no Brasil um referendum acerca de sistema de governo, criando novamente a possibilidade real de um salto a uma modalidade de semi-presidencialista. Mas as primeiras pesquisas mostravam apoio majoritário às propostas de reformas e apesar disso finalmente o presidencialismo triunfou com facilidade no Brasil.”

“Inclusive ali onde existiam melhores possibilidades de uma saída do presidencialismo, se pode ver preocupação por seu modo de funcionamento e surgiram esforços por reformar. O Presidente Raul Alfonsin formou uma comissão de alto nível para produzir propostas de reformas constitucionais, incluindo a passagem do governo parlamentarista. A Colômbia adotou uma nova Constituição em 1991, em parte para retificar a falta de harmonia entre o presidente e o Congresso. Também no parlamento chileno foram debatidas reformas constitucionais relativas às relações entre o Executivo e o Legislativo. Na Bolívia, o Congresso mergulhou em discussões sobre possibilidades de mudanças na direção do parlamentarismo, quando revisou a Constituição de 1993”. Depois de abordar esses casos notórios, concluem os autores: “é significativo, não obstante, que todas as reformas que contemplavam a possibilidade de abandonar o presidencialismo tinham sido derrotadas”.

O estudo a que estou me referindo utilizam alguns critérios no que dizem respeito a qualquer das modalidades do presidencialismo vigentes na América Latina. Quando se referem a presidentes “fortes” ou “fracos” tendem a centrar-se na capacidade dos presidentes de pôr a sua marca na formulação de políticas públicas e apontam os dois meios principais através dos quais os presidentes podem exercer a sua influência. Um é exercer poderes constitucionais inerentes ao cargo de presidente que obrigue a que suas preferências sejam levadas em consideração na hora de aprovar as leis. Outra é que tem o efetivo controle sobre seus próprios partidos e que esses controlem a maioria das cadeiras do parlamento. Isso significa que esses dois poderes, constitucionais e partidários interagem para determinar o grau de influência que têm os presidentes sobre as políticas públicas.

Como são fatores determinantes que se influenciam positiva ou negativamente, pode-se concluir, como demonstra a experiência brasileira, ser preciso que a existência e efetividade concorrente desses dois poderes atuem concomitantemente. Se tiver os poderes constitucionais, mas não tiver os partidários, são menores as suas possibilidades de influenciar na adoção de políticas públicas. O mesmo ocorrerá se tiver poderes partidários, mas não constitucionais. Esses poderes são classificados como pró-ativos, quando permitem ao presidente estabelecer um novo status quo, e reativos, quando só lhe permitem defender o status quo contra as tentativas das maiorias legislativas para mudá-lo. O primeiro decorre das faculdades legislativas que lhe concede a Constituição, como o decreto lei do regime militar ou as medidas provisórias do texto constitucional em vigor no Brasil. O segundo exercido através do poder de veto, total ou parcial.

Sob esse aspecto o presidencialismo brasileiro é um dos mais fortes na América Latina na medida em que o papel do presidente é pró-ativo. Mas, em compensação, não têm a mesma dimensão os seus poderes partidários em decorrência da inconsistência em sistema eleitoral e sistema partidário que adotamos. A combinação de presidencialismo com pluripartidarismo exacerbado tem que dar origem aos que os analistas brasileiros chamam de “presidencialismo de coalizão”, aquele em que as maiorias parlamentares têm que ser negociadas e obtidas virtualmente a cada votação. O professor Mainwaring, cujos trabalhos sobre o sistema eleitoral brasileiro são conhecidos, faz uma síntese razoavelmente fiel de suas conseqüências: “numerosos traços do sistema eleitoral brasileiro têm estimulado a formação de um sistema partidário fragmentado, no qual desde 1950 nenhum presidente popularmente eleito logrou obter maioria no Congresso. A situação do presidencialismo de minoria parlamentar conduz facilmente à paralisia na relação entre Executivo e Legislativo. Dado o calendário eleitoral fixo do sistema presidencialista, não existem meios institucionalizados para resolver essa situação de presidentes que carecem de apoio legislativo estável. Este problema, conclui ele, se viu exacerbado pelo caráter maleado dos partidos “omnibus”. Faço uma pausa para lembrar que essa expressão latina, cuja tradução literal é “para todos”, é a mesma que em inglês se exprime pela expressão “catch all-parties” (partidos que acolhem todos) e em espanhol pela palavra “atrapatodo” (abrangem todos).

A conclusão dele guarda íntima relação com a realidade que temos podido observar, ao afirmar: “quando os presidentes gozam de aprovação popular são apoiados por políticos de todas as cores, porém quando perdem o favor do público costuma ter dificuldade para manter o apoio legislativo. Em conseqüência, os presidentes encontram problemas para formular e implementar políticas em tempos difíceis e se vêem forçados a governar em forma de “ad hoc” e a contornar as instituições democráticas, em especial, o Congresso e os partidos”.

            Muito embora possamos discordar dessas observações, retificando-as em relação a uns e outros aspectos, creio que a fórmula mais apropriada de analisá-las é confrontá-las com a nossa experiência de 15 anos da vigência da atual Constituição. Afinal é preciso lembrar que os poderes presidenciais por ela concedidos ao presidencialismo que escolhemos, permitiram, tanto em 1990, a adoção de medidas econômicas que levaram ao congelamento da poupança e dos depósitos privados em escala jamais vista em nossa história, quanto em 1994, a materialização do mais bem sucedido plano de restauração da estabilidade econômica que o País jamais assistiu”.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/11/2003 - Página 39096