Discurso durante a 172ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Questão da segurança pública. Necessidade de combate à corrupção nos Três Poderes. Atuação da Polícia Federal em operações especiais de combate ao crime organizado.

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Questão da segurança pública. Necessidade de combate à corrupção nos Três Poderes. Atuação da Polícia Federal em operações especiais de combate ao crime organizado.
Aparteantes
Demóstenes Torres, Eurípedes Camargo.
Publicação
Publicação no DSF de 29/11/2003 - Página 39358
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • GRAVIDADE, CRESCIMENTO, VIOLENCIA, CRIME, NECESSIDADE, COMBATE, IMPUNIDADE, JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUMENTO, PUNIÇÃO, JUIZ, DESEMBARGADOR, PARTICIPAÇÃO, CORRUPÇÃO, FAVORECIMENTO, CRIME ORGANIZADO.
  • COMENTARIO, APROVAÇÃO, LEGISLAÇÃO, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), AUTORIZAÇÃO, SECRETARIA DE ESTADO, PUNIÇÃO, DEMISSÃO, POLICIAL, CRITICA, EXCEÇÃO, ADVOGADO.
  • NECESSIDADE, COMBATE, DEMORA, JUSTIÇA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, AGILIZAÇÃO, PROCESSO, REU, AUTORIDADE.
  • NECESSIDADE, COMBATE, CORRUPÇÃO, AMBITO, PODERES CONSTITUCIONAIS, ELOGIO, ATUAÇÃO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), POLICIA FEDERAL, PRISÃO, FUNCIONARIO PUBLICO, AUTORIDADE, FRAUDE, LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), GRAVIDADE, VINCULAÇÃO, CRIME ORGANIZADO, ESTADO.
  • DEFESA, CONTROLE EXTERNO, JUDICIARIO.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, inicialmente, quero agradecer todos os comentários feitos por vários Senadores quanto à minha estréia na Presidência. Até brinquei quando pedi que avisassem ao Presidente que estou tomando gosto pela cadeira. O Presidente está chegando, e quero inclusive agradecer a oportunidade de poder realizar a importante tarefa de presidir esta sessão.

Depois do pronunciamento do Líder do PSDB, ficamos muito tentados a entrar na controvérsia, mas vou me reservar. Deixarei os inúmeros comentários e divergências quanto às afirmações do Líder do PSDB para a próxima semana, porque quero tratar de um outro assunto.

Nos últimos períodos, Senador Edison Lobão - e, quando digo nós, refiro-me à população brasileira como um todo -, temos vivido um tal clima de tensão, de medo, com relação ao crescimento da violência e do crime organizado em nosso País que é impossível não trazer a questão para o plenário desta Casa. E muitos Parlamentares, muitos Senadores têm trazido esse assunto.

O crescimento da violência, do crime, tem apavorado a população. Nesse clima, acabamos buscando propostas, soluções, que, na realidade, não solucionarão o problema. Muitas vezes, elas darão até um certo descanso de consciência, mas o crescimento da criminalidade e da violência no nosso País tem várias causas. E não será com pena de morte e diminuição da maioridade penal que enfrentaremos efetivamente o crescimento da violência e do crime organizado.

Faz-se necessário enfrentar três questões absolutamente fundamentais antes de pensarmos em qualquer outra medida.

A primeira delas é com relação à impunidade. Há impunidade no nosso País. Aquela tradicional análise de que o sistema penitenciário é regido pelos três “pês”, os pobres, os pretos e as prostitutas, é visível. Basta ir a qualquer penitenciária deste País para percebemos que a grande maioria dos que estão presos, cumprindo penas, têm esse perfil. É muito raro, no Brasil, infelizmente, termos penalidades aplicadas às pessoas de certo nível econômico, bem-situadas, bem-ajeitadas na vida.

Todos ficamos indignados e tomamos a iniciativa de apresentar uma proposta de emenda à Constituição quando, recentemente, depois de ficar comprovado o envolvimento de um desembargador e de uma juíza, a pena máxima a ser aplicada a essas duas pessoas foi a aposentadoria compulsória. Eles vão para casa descansar, recebendo, juntos, como são casados, R$ 27.000,00 por mês.

Essa emenda está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, e o Senador Demóstenes Torres é o Relator. Espero possamos agilizar sua votação, porque a pena máxima ser a aposentadoria é um deboche com a população brasileira. Pelo menos, que haja a perda do cargo, e que os cofres públicos não fiquem pagando salário para quem é corrupto, se envolveu com a corrupção ou acobertou tráfico de entorpecentes, como no caso do desembargador e da juíza.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, vamos precisar nos debruçar muito sobre essa questão da impunidade a fim de superar essa situação infelizmente consagrada no País, em que só pobres, pretos e prostitutas são punidos.

O Sr. Demóstenes Torres (PFL - GO) - V. Exª me permite um aparte?

A SRª. IDELI SALVATTI (Bloco/PT-SC) - Antes de mudar o assunto, concedo, com prazer, o aparte ao Senador Demóstenes Torres.

O Sr. Demóstenes Torres (PFL - GO) - V. Exª está tratando de um tema que é muito caro ao Brasil e com o qual concordo integralmente, pois temos um sistema que favorece a impunidade. No Brasil, temos de tratar de várias medidas ao mesmo tempo: medidas que levem à prevenção da criminalidade, à estruturação das polícias e ao combate à corrupção. Segundo estimativas do Banco Mundial, perdemos 40% do PIB brasileiro ou em corrupção ou em má gestão. Escolhemos mal os nossos representantes, e os nossos representantes, além disso, são absolutamente corruptos, segundo estudos feitos pelo Banco Mundial. Imagine V. Exª: 40% do PIB significam, mais ou menos, R$500 bilhões anualmente. Com esse valor, teríamos resolvido o problema da criança e do adolescente desde Mem de Sá. Não é de agora.

A SRª. IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Com certeza.

O Sr. Demóstenes Torres (PFL - GO) - Apresentei também um pacote com quatro projetos de lei anticorrupção, sobre lavagem de dinheiro, colarinho branco, toda espécie de crime, a corrupção propriamente dita do Código Penal. Em primeiro lugar, proponho que aqueles que cometeram o crime de corrupção só responderão em liberdade se devolverem o equivalente ao que roubaram. Então, a fiança será esse valor. Se foram desviados R$2 milhões, esse será o valor da fiança para responderem em liberdade. Após a condenação, o tratamento será igual ao do crime hediondo: dois terços para ter direito ao livramento condicional. Se forem condenados a 30 anos, saem com 20. Temos de encontrar uma forma, Senadora, para efetivamente resolvermos esse grave problema no Brasil. E o projeto que V. Exª apresentou é excelente, referindo-se a outro grande problema que temos. Hoje, descoberta a corrupção, principalmente se for alguém do Poder Judiciário, do Ministério Público ou um funcionário de alto escalão, este é aposentado, recebendo um prêmio por tudo o que fez: a aposentadoria até o restante dos seus dias. Votarei favoravelmente ao projeto de V. Exª. Vou relatá-lo com o máximo prazer, e tenho certeza de que ele vai ajudar a melhorar as condições de segurança pública neste Brasil. Se resolvermos o problema da corrupção ou se, ao menos, minimizarmos esse problema, teremos recursos para a escola em tempo integral e para dar tratamento adequado às políticas sociais. Tenho certeza de que este Governo vai conseguir fazer o que os outros não conseguiram nessa área, melhorando a legislação de combate à corrupção, praga que tomou conta do Brasil. Segundo o próprio Banco Mundial, a corrupção eleva os juros dos nossos empréstimos em mais ou menos 7,3%, pela taxa de risco de emprestar a um país corrupto. Muito obrigado, Senadora.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço, Senador Demóstenes Torres. Fico muito feliz porque vários outros Srs. Senadores têm a mesma preocupação e estão apresentando também projetos nesse sentido. Creio que devemos fazer um verdadeiro mutirão, porque essa questão da impunidade, de acobertar o crime organizado, essa infiltração no aparelho de Estado é algo que não podemos mais aceitar. Se não tomarmos a iniciativa, acabamos sendo coniventes com isso tudo a que estamos assistindo.

Algumas iniciativas, à primeira vista, nos parecem interessantes, mas quando vamos ver são “meia boca”, não são para valer. Está nos jornais de hoje que a Assembléia do Rio de Janeiro aprovou projeto para faxina na polícia. Logo ficamos animados, acreditando que haverá alguma coisa para agilizar. “A proposta agiliza a punição de crimes e dá a secretário o direito de demitir policiais, com exceção de delegados”. Por quê? Se o delegado está envolvido com a corrupção e com o crime, por que demitir os “bagrinhos”, os policiais, e deixar o delegado? Então, não podemos concordar com esse tipo de iniciativa, apesar de considerar fundamental a iniciativa de agilizar o processo, de poder limpar, de fazer a faxina. Entretanto, o projeto não pode conter discriminação, naquela mesma linha dos três “pés”; ou seja, pune-se o que, hierarquicamente, está em situação subalterna, deixando livre de pena o mandante, aquele que está em posto mais elevado.

Bom, impunidade é o primeiro ponto que precisamos enfrentar; a segunda é a morosidade na Justiça. É inadmissível que processos continuem se arrastando durante décadas, sem solução e sem punição.

Quem tem condição de pagar aos bons escritórios de advocacia deste País têm, obviamente, muito mais possibilidade de, utilizando-se de prerrogativas e procrastinações, prolongar esses processos todos.

Há um tipo de processo em que é imprescindível que tenhamos agilidade. Refiro-me aos processos contra autoridades constituídas. Existem pessoas que têm processos na Justiça por atos cometidos num mandato e que já exerceram quatro, cinco mandatos posteriores, sem que a decisão seja prolatada.

Estamos vivenciando, inclusive no Distrito Federal, uma situação desse tipo. O Ministério Público apresentou um volume significativo de provas pela utilização de dinheiro público durante a campanha de reeleição do atual Governador Joaquim Roriz. O Tribunal Superior Eleitoral está para decidir isso há muito tempo. É uma situação insustentável: se o Governador é culpado, ele acabou ganhando praticamente um ano de governo imerecido; se é inocente, teve um ano de bombardeio injusto. Então, não é correto que isso perdure, que não haja uma decisão rápida e ágil quando está-se julgando o comportamento de personalidades no trato com a coisa pública no exercício de um poder.

O Poder Judiciário, nesses casos, precisaria agilizar o processo, porque se está julgando exatamente o fato de o sujeito continuar ocupando o cargo. Ele está sendo julgado pela utilização do cargo no cargo. É algo que não tem cabimento em qualquer procedimento. Está sofrendo obviamente as conseqüências, porque, como já disse, se é inocente, está sendo bombardeado injustamente, e se é culpado, usufruindo de algo que não merece, que não conquistou.

Concedo o aparte ao Senador Demóstenes Torres.

O Sr. Demóstenes Torres (PFL - GO) - Permita-me novamente fazer um aparte, porque V. Exª tratou de outro ponto de igual relevância: a agilização do Poder Judiciário. Temos que mudar a concepção de inquérito policial no Brasil. Acho que temos que trazer o promotor e o advogado para trabalharem no inquérito policial, para que este tenha credibilidade. O inquérito hoje é totalmente repetido em juízo porque não se confia na autoridade policial.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Faz-se várias vezes a mesma coisa.

O Sr. Demóstenes Torres (PFL - GO) - Justamente. Penso inclusive que o corregedor das Polícias deve ser o Ministério Público, porque a fiscalização deve ser externa. Deve haver também uma fiscalização externa, o chamado controle externo do Poder Judiciário e do Ministério Público. E mais: o juiz de primeiro grau tem que ter força na sua decisão. O juiz dá uma decisão, o desembargador revoga ou cassa a decisão desse juiz, depois um ministro do Superior Tribunal de Justiça dá uma outra decisão completamente diferente e, no mesmo caso, ainda vem o ministro do Supremo Tribunal Federal e faz o que tem ou o que não tem que fazer. Assim, temos quatro instâncias. O Supremo Tribunal Federal hoje decide qualquer causa. Acho que temos que restringir o número de recursos e de manifestações. O procedimento processual penal deve ser concentrado num ato só. Se houve acusação, defesa, testemunhas, o juiz julga. A concentração dos atos processuais é muito importante para a agilização do Poder Judiciário e os recursos devem ser absolutamente limitados. Muita gente pensa que chegar ao Supremo é o ápice da democracia. Não é. Isso é fazer com que o Supremo Tribunal Federal não julgue as causas importantes. Uma pessoa de fora do Brasil me perguntou qual causa o Supremo Tribunal Federal brasileiro está julgando neste ano de relevância. Sinceramente, Senadora, eu não me lembrei.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Ninguém sabe.

O Sr. Demóstenes Torres (PFL - GO) - Além da agilização da punição, tem que haver o afastamento compulsório para esses casos sobejamente demonstrados, como tem mostrado V. Exª agora, em relação a Roraima, por exemplo.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Um escândalo!

O Sr. Demóstenes Torres (PFL - GO) - Terrível! Nem sei de que partido é o atual governador, mas já há depoimento dando conta de que ele, como vice-governador, também utilizava esse expediente. É desmoralizante para o Brasil o fato de que alguém que esteja nessas duas situações - uma, que V. Exª aponta, outra que eu aponto - possa governar um Estado mesmo sob acusações tão graves das quais a Justiça não dá cabo nunca. Agradeço a V. Exª pela oportunidade da manifestação.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço, Senador Demóstenes Torres.

O terceiro ponto que quero tratar, além da impunidade e da morosidade, é o que considero o mais grave: a contaminação, essa verdadeira corrupção que está instalada dentro do aparelho do Estado. Hoje o Executivo, o Legislativo e o Judiciário estão absolutamente contaminados pelo crime organizado.

Essas operações recentes de que estamos agora tomando conhecimento, que estão vindo à tona, produzindo prisões, encabeçadas pela Polícia Federal de forma muito eficaz, estão desnudando essa corrupção do aparelho de Estado brasileiro.

Foi publicada ontem uma reportagem no jornal O Estado de S. Paulo, bem concentrada, mas que dá a medida exata do resultado da operações que põem a nu toda esta situação da corrupção instalada dentro do aparelho do Estado:

“Anaconda”, “Gafanhoto”, “Praga do Egito”, “Operação Águia”, “Sucuri I”, “Sucuri II” e “Carga Pesada” podem parecer títulos de concorridas e milionárias produções de Hollywood, mas são nomes usados pela Polícia Federal para missões especiais realizadas em 2003. Nomes diferentes e criativos, para um resultado quase sempre igual: autoridades e agentes públicos atrás das grades.

Entre janeiro e novembro, 107 funcionários públicos - incluindo policiais militares, civis e federais - foram capturados. Nunca a Polícia Federal produziu tanto agora,(...) com o sinal verde do Ministro da Justiça, Dr. Márcio Thomaz Bastos, que prometeu, ao assumir o posto em janeiro, transformar a Polícia Federal em um FBI, a polícia federal americana.

A operação “Praga do Egito”, desencadeada há três meses, foi a que mais prendeu pessoas envolvidas em fraudes públicas no País, nos últimos dois anos. A maior ação da Polícia Federal, anterior à de Roraima, foi a “Operação Águia”, realizada em Manaus, onde foram presas 27 pessoas, entre as quais 16 Policiais Militares e um delegado.

Em Foz de Iguaçu, a “Sucuri II” levou para a cadeia 22 agentes federais e três fiscais da receita acusados de facilitação ao contrabando. Sua antecessora, a Sucuri I, que desembarcou no Rio, prendeu onze policiais federais da ativa e aposentados que faziam falsificação de passaporte.

Em Goiânia, a “Operação Carga Pesada” prendeu treze policiais e agentes do Detran.

A Anaconda é a operação federal de maior envergadura - dela, não escapou nem o Juiz Federal João Carlos da Rocha Matos, nem sua ex-mulher, a auditora do Tesouro, Norma Regina Emílio Cunha. Advogados e policiais também estão encarcerados. Além de Rocha Matos, a Anaconda aponta para outros dois juízes, Casem Mazloum e Ali Mazloum, denunciados pela Procuradoria da República como integrantes de suposta “organização criminosa”.

No caso da operação “Praga do Egito”, quarenta pessoas foram presas até o fim da tarde de ontem, conforme a reportagem que saiu no jornal O Estado de S. Paulo de ontem, acusadas de formação de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro e estelionato. Já foi comprovado o desvio de trezentos e vinte milhões de reais dos cofres públicos de um Estado pequeno e carente como é o Estado de Roraima.

Entre os presos, estão o ex-governador de Roraima Neudo Campos, do Partido Progressista, e os ex-deputados estaduais Sebastião Silva ( PDT), Ângelo Paiva (PDT), Francisco da Silveira (PFL), Suzete Mota (PDT), Aurelino Medeiros (PSL), Homero Neto (PFL), Barac Bento (PFL), Bernardino Siqueira (PFL).

Conforme disse o Senador Demóstenes Torres, as reportagens trazem suspeita de envolvimento, enquanto era vice-governador, do atual Governador, Flamarion Portela, que recentemente se filiou ao PT.

Sr. Presidente, essa operação é fundamental para que possamos pôr a nu, efetivamente, a situação que encontramos hoje na máquina do Estado brasileiro.

O Sr. Eurípedes Camargo (Bloco/PT - DF) - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª IDELI SALVATI (Bloco/PT - SC) - Concedo aparte ao Senador Eurípedes Camargo.

O Sr. Eurípedes Camargo (Bloco/PT - DF) - Senadora Ideli Salvati, V. Exª faz um discurso que coloca a nu todo o sistema de podridão que existe nos Poderes. Moro numa cidade de população de baixa renda, de fato originária de uma remoção nos anos setenta. Com certeza as drogas, a maconha, as armas pesadas não são fabricadas lá - nem a maconha é produto dessa cidade do Distrito Federal. São produzidas fora e colocadas lá por agentes externos à própria cidade. Portanto, vêm de pessoas que têm condições, primeiro, de lidar com esse tipo de mercadoria, de comprar, de transportar, de corromper o sistema e chegar até a Ceilândia. E quem é que morre por esse tipo de delito? É a população de baixa renda, crianças de quatorze, dezoito, doze anos são as vítimas desse sistema. Se conseguirmos desmontá-lo, com certeza a maconha e as armas não chegarão à Ceilândia. Esse é um exemplo localizado de onde moro. Transportando isso para o Brasil, essa é uma realidade das periferias.

Acredito que essa é a forma de combater, acabar e dar garantia às famílias de baixa renda de que seus filhos não serão usados nesse esquema perverso. Na verdade, a máfia se instala para dar proteção a esse tipo de crime. Se não fosse a interferência do poder nesse processo - e V. Exª coloca isso muito bem - esse tipo de crime não chegaria à Ceilândia. Tenho em mãos o jornal Galo de Briga, que fala sobre um cheque do Instituto Candango de Solidariedade de Brasília, como V. Exª está citando, de uma agência de Goiânia. Veja até onde chegam os cheques desse esquema fraudulento, desse esquema vergonhoso.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - É por isso que a Justiça precisa, de uma vez por todas, se pronunciar sobre a gravíssima situação do Distrito Federal.

O Sr. Eurípedes Camargo (Bloco/PT - DF) - Concluindo meu aparte, quero dizer que Brasília precisa deixar de sair nas páginas policiais. Para tanto, faz-se necessário uma providência enérgica, uma decisão que possa romper com o círculo vicioso que Brasília vive há alguns anos.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço a V. Exª pelo aparte.

Quero completar meu pronunciamento dizendo que a população está estupefata, abismada com essa verdadeira contaminação do aparelho do Estado. Refiro-me a reportagens publicadas nesta semana sobre uma quadrilha de tráfico de drogas instalada dentro de uma delegacia de entorpecentes, composta por policiais.

Penso que essa reportagem é a demonstração mais inequívoca de como está totalmente contaminado o aparelho de Estado. Se não tivermos ações enérgicas de punição, de combate, de limpeza, de faxina, efetivamente não vamos acabar com o crime organizado no Brasil. Talvez muito mais importante do que ficarmos discutindo a diminuição da maioridade penal, seja melhor discutirmos como vamos acabar com a impunidade, com a morosidade e com contaminação do aparelho de Estado pelo crime.

Todos sabemos que essa contaminação não é de hoje, é antiga, cresce, é uma verdadeira ciranda, porque roda e vira, vira e roda descobrimos as mesmas pessoas.

Lendo as reportagens, pinço daqui e dali uma informação, e poderia ficar aqui três dias citando-as, mas vou citar apenas algumas. Na Operação Anaconda, apreenderam documentos do ex-Senador Luiz Estevão, aquele do Juiz Lalau do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. O que os documentos do Luiz Estevão, documentos da conta dele estavam fazendo lá, onde foram feitas as apreensões do envolvimento com venda de sentença judicial do caso Anaconda? Foi só uma coincidência? Aí começam a aparecer de novo as figuras: Lalau, Luiz Estevão, e outros. Na Operação Anaconda apareceram rastros, ligações, insinuações, indícios de envolvimento com o caso dos precatórios, com o caso de superfaturamento da administração do Paulo Maluf. Na Operação Anaconda, aparece o Toninho Barcelona, que é um doleiro que está lá na CPI do Banestado, juntamente com o famoso “pizzaiolo” Lanzuolo Filho, que remeteu mais de US$30 milhões pelas contas CC5 e pelo laranjal do Banestado.

Ou seja, o crime organizado tem crescido, tem se colocado no aparelho do Estado, está acobertado, mas há um rol de personalidades que acabam se repetindo. Como não foram punidas em uma vez, aparecem na segunda, na terceira vez. Toda a máfia do crime organizado está em uma verdadeira ciranda de roda e vira, vira e roda, aproveitando-se dessa situação toda.

Aliás, a contaminação do aparelho público é tão absurda que as reportagens do Correio Braziliense sobre a questão da Operação Anaconda têm, como prova do envolvimento de todas essas personalidades nessa ciranda, as fotografias de um casamento. Exatamente na lista da recepção do casamento do Toninho Barcelona - o tal doleiro, das famosas contas CC5, que aparecem na Operação Anaconda -, estavam os Juízes federais Ali Mazloum, Casem Mazloum, João Carlos da Rocha Mattos, o “pizzaiolo” Lanzuolo Filho e o pai, os delegados federais Antonio Manuel da Costa, Marcus Vinícius Deneno, Mauro Sérgio Salles Abdo, Mário Ikeda.

E é tão afrontoso que eles vão às festas. Trata-se de uma confraternização geral da máfia. Assim, o crime organizado vai-se instalando e ainda debocha da própria opinião pública.

Se quiséssemos ficar aqui, eu poderia passar algumas horas pinçando todos esses aspectos de envolvimento nessas operações que estão vindo a público, agora, com personalidades já conhecidas de outros carnavais no envolvimento com a corrupção e com a fraude do dinheiro público.

O tecido estatal está apodrecido e contaminado. E não há alternativa: ou vamos cortar, abrir as feridas, expor as pústulas e drenar a podridão, ou não há perspectiva de se barrar o crime organizado no nosso País, que só cresce e se organiza porque está respaldado, acobertado e protegido pelos inúmeros tentáculos dentro do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.

Antes de encerrar minha fala, porém, quero parabenizar a Polícia Federal, o Ministério da Justiça e, de forma muito especial, o Ministro Márcio Tomaz Bastos, por essa série de operações bem-sucedidas, visto que os fatos têm sido colocados às claras e as personalidades colocadas na cadeia. Nós, aqui no Congresso, temos muito a fazer, e isso já foi dito pelo nobre Senador Demóstenes Torres. Temos que agilizar os processos de combate à impunidade. E como primeiro passo, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Maurício Corrêa, pede que se abram as portas do Judiciário para a imprensa.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa) - Nobre Senadora Ideli Salvatti, peço permissão a V. Exª.

A SRª. IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Pois não, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa) - A Presidência dá as boas-vindas à dupla, trazida pelo nobre Senador Demóstenes Torres: Darlan Cunha, conhecido como Laranjinha, e Douglas Silva, conhecido como Acerola.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Mas esse Laranjinha e esse Acerola não fazem parte dos nossos “laranjais” de corrupção, não é? As nossas saudações e os nossos parabéns a eles.

O SR. PRESIDENTE (Mão Sana) - Nobre Senadora Ideli Salvatti, V. Exª continua com a palavra.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Continuando para concluir, Sr. Presidente - o Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Maurício Corrêa, fez um apelo para que, no próximo dia 8 de dezembro, as portas do Judiciário se abram para a imprensa e, assim, possa aquele Poder ter uma transparência.

Quero, pois, reiterar a necessidade de uma abertura efetivamente maior do nosso Judiciário, para podermos fazer a reforma daquele Poder e, principalmente, termos o controle externo tão vital para que se faça justiça em nosso País.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/11/2003 - Página 39358