Discurso durante a 172ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Dificuldades dos afrodescendentes.

Autor
Eurípedes Camargo (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Eurípedes Pedro Camargo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Dificuldades dos afrodescendentes.
Publicação
Publicação no DSF de 29/11/2003 - Página 39373
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • GRAVIDADE, EFEITO, ESCRAVATURA, HISTORIA, DESIGUALDADE SOCIAL, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, NEGRO, NECESSIDADE, POLITICA, PROMOÇÃO, COMPENSAÇÃO, IMPORTANCIA, MOBILIZAÇÃO, ORGANIZAÇÃO SOCIAL.
  • REGISTRO, ANAIS DO SENADO, ENCONTRO, CONGRESSISTA, BRASIL, PARLAMENTAR ESTRANGEIRO, NEGRO, AMERICA, DEFESA, IGUALDADE, RAÇA, LEITURA, TRECHO, DOCUMENTO.

O SR. EURÍPEDES CAMARGO (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como temos debatido são muitas as dificuldades que os afro-descendentes enfrentam não apenas em nosso País. No mundo inteiro, encontramos os traços de dor e desigualdade com que a escravidão marcou nossos destinos, gerando uma enorme dívida histórica.

Sabemos que é fundamental a construção de políticas de promoção de desigualdade racial para que uma nova realidade possa surgir, onde diferentes possam viver partilhando das mesmas oportunidades, uma sociedade justa e mais fraterna, onde a solidariedade seja fruto de uma convivência tolerante e respeitosa.

A organização social continua sendo o grande pilar para as ações transformadoras, conscientizando cidadãos e mobilizando forças para a mudança.

Nesse sentido, se reuniram nos dias 21 a 23 últimos, no Auditório Nereu Ramos, Parlamentares e representantes de organizações e movimento social dos negros e negras, no Primeiro Encontro de Parlamentares Negros e Negras das Américas e Caribe, promovido pela Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial, numa iniciativa conjunta da Câmara e do Senado.

Nós, participantes do encontro, aprovamos um documento, Carta de Brasília, reafirmando nossa identidade como afro-descentendes, reconhecendo o caminho de nossos ancestrais e os compromissos assumidos por nossos governos com nossos povos e comunidades contidos nas declarações e planos de ação de Santiago e Durban.

Gostaria de reproduzir aqui alguns trechos do documento, para conhecimento de V. Exªs, de modo que possamos todos aproveitar esse período de comemoração e homenagem à Zumbi dos Palmares, herói ancestral que liderou lutas de libertação do povo negro, para reforçarmos nossa determinação de combate a qualquer forma de discriminação.

Na Carta de Brasília consideramos:

Que os povos e comunidades afro-descendentes têm contribuído enormemente para a construção de todas as sociedades americanas e caribenhas;

Que os afro-descendentes são um grupo de cerca e 150 milhões nas Américas e no Caribe, a maioria dos quais vive na pobreza, e que esta condição é agravada para as mulheres afro-descendentes;

Que nossos governos são signatários das declarações de Durban e Santiago, embora a maioria deles não tem se empenhado nos compromissos assumidos;

Que os afro-descendentes estão escassamente representados nos Poderes do Estado e particularmente nos congressos e parlamentos, em função do que devemos intensificar nossos esforços e nosso trabalho. E esta exclusão se agudiza para as mulheres negras;

Que nossos esforços de inclusão de nossos povos e comunidades devem considerar tanto uma visão universalista, que promova políticas públicas universais para erradicar a pobreza de nossos países com uma perspectiva de gênero e racial, assim como uma visão focalizada que promova políticas públicas e legislação específica para os afro-descendentes;

Que nossos países se encontram imersos em processos de integração, particularmente com a Alca, em cujo bojo não estão presentes a situação de exclusão de nossos povos e comunidades e que como parlamentares negros e negras devemos participar intensamente deste debate, e que das negociações sobre a Alca têm estado ausentes até mesmo os parlamentares da região;

Que na América e no Caribe não haverá verdadeira democracia sem a inclusão dos homens e mulheres afro-descententes;

Que o Brasil está na iminência de aprovar o Estatuto da Igualdade Racial, o qual representa um salto qualitativo e histórico na abordagem da situação dos afro-descendentes.

Que a Colômbia, tal qual outros países, tem promovido mudanças legislativas constitucionais que promovem a inclusão racial, que, no entanto, não contamos com mecanismos para intercâmbio dessas experiências;

Que não existem programas de cooperação de relações internacionais entre os países latino-americanos e os países da África, e que o Brasil deu um passo importante nesse sentido;

Que a religiosidade e tradições culturais peculiares são parte integral da presença dos afro-descendentes nos países das Américas e do Caribe;

Que a preservação das religiões de matrizes africanas é premissa fundamental na afirmação da identidade e da cultura específica dos afro-descendentes.

Comprometemo-nos a:

Impulsionar uma nova forma de fazer política, baseada no respeito à inclusão dos homens e mulheres afro-descendentes;

Criar um grupo de trabalho de legisladores negros e negras das Américas para promover e trabalhar na construção do Parlamento Negro das Américas e da Rede de Legisladores da Américas;

Instar aos parlamentares da região que tenham uma participação ativa no controle político das negociações sobre a Alca;

Participar nos esforços parlamentares no processo de discussão sobre a Alca para introduzir a visão, realidade e perspectivas dos povos e comunidades afro-descendentes;

Faço aqui um parêntese para registrar que o Presidente José Sarney convidou-me para participar, em Trinidad e Tobago, da realização desse encontro, em que pude perceber a importância da contribuição do Brasil para a discussão, fazendo-se representar por Parlamentares.

Portanto, quero aqui registrar a presença do Senado Federal brasileiro naquele encontro. Infelizmente outros países não fizeram o mesmo esforço no sentido de encaminhar seus representantes.

Participar ativamente nas discussões dos processos de reformas fiscais, sociais e políticas e propostas de legislação encaminhadas para a erradicação da pobreza para incorporar a perspectiva racial;

Promover legislação e políticas de ação afirmativa que tomem como base o Estatuto da Igualdade Racial brasileiro e a Lei 70 colombiana, entre outros corpos de legislação;

Promover nos nossos congressos e parlamentos a necessidade de aprofundar as relações de cooperação horizontal entre países da América Latina e da África, que permitam contribuir com o desenvolvimento social, econômico e cultural dos países de ambos os continentes;

Instar os governos a colocarem recursos financeiros e humanos para a implementação dos acordos de Santiago e Durban, especialmente aos relacionados com os povos e comunidades afro-descendentes.

O compromisso firmado em Brasília gira em torno da defesa e preservação de tudo o que se relaciona à inserção social, à cultura e à tradição dos povos afro-descendentes nas Américas e no Caribe. Nesta perspectiva, trabalharemos para que as demandas reprimidas por séculos de exploração e desestruturação material, simbólica e espiritual de nosso povo façam parte da agenda política dos nossos países, assegurando o bem-estar com a inclusão de nossas comunidades.

Com esse registro, saúdo essa importante articulação política internacional, que pretende dar à questão racial no continente a visibilidade necessária para romper a lógica de dominação que ainda exclui mais de 150 milhões de pessoas.

Era o que eu tinha a registrar neste momento sobre a Carta de Brasília, importante documento aprovado pela Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial no encontro realizado no Congresso Nacional, Auditório Nereu Ramos, para que conste dos Anais da nossa Casa.

Muito obrigado pela oportunidade, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/11/2003 - Página 39373