Discurso durante a 172ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre o Programa Nacional de Desestatização, com destaque para a venda da Vale do Rio Doce.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • Comentários sobre o Programa Nacional de Desestatização, com destaque para a venda da Vale do Rio Doce.
Publicação
Publicação no DSF de 29/11/2003 - Página 39381
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, PREÇO, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), COMPARAÇÃO, LUCRO, EMPRESA, CRITICA, INFERIORIDADE, AVALIAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, PREJUIZO, ESTADO.
  • COMENTARIO, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), DESESTATIZAÇÃO, SUSPENSÃO, RELATORIO, ORADOR, LOBBY, INVALIDAÇÃO, RESULTADO, IMPORTANCIA, DENUNCIA, INFERIORIDADE, AVALIAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, SIDERURGIA, PETROQUIMICA, FERTILIZANTE, CRITICA, FUNCIONAMENTO, LEILÃO, ESPECIFICAÇÃO, COMPANHIA SIDERURGICA NACIONAL.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na época da inflação, eu, que não sou economista por formação, me confundia com o emaranhado de índices publicados pela imprensa. Ainda mais quando tentava comparar valores presentes com pretéritos. Havia que se deflacionar, inflacionar, corrigir a preços de um determinado ano, usar tabelas e tablitas, converter em dólar ou, pior, em cruzado, cruzado novo, cruzeiro, cruzeiro novo ou qualquer outra moeda brasileira substituída em tempos de preços descontrolados.

A chamada estabilidade econômica tem, pelo menos, essa vantagem: nivela os mortais leigos nessa ciência que, como se diz, não é exata, mas que se afoga em números. Torna-se mais convincente, por exemplo, comparar valores numa mesma moeda, sem grandes variações no tempo. Antes, era difícil saber, também como exemplo, se R$ 1.000,00, em janeiro de 2003 valia mais, ou menos, que os Cr$ 2.429.543,00 de fevereiro de 1986, ou os NCz$ 277,00 em fevereiro de 1989. Pois bem, para os economistas, esses valores se equivalem, economicamente, porque foram corrigidos pelo chamado “IGP-DI”, independente da moeda de cada um dos três momentos.

É por isso que, nestes tempos de “economia estável”, não é difícil, mesmo para o leigo, comparar, monetariamente, os R$ 3,3 bilhões da venda do controle acionário da Companhia Vale do Rio Doce, em maio de 1997, um conglomerado de 26 empresas proprietárias de jazidas de minério de ferro suficientes para a demanda de três séculos, de minas de ouro, de estradas de ferro, de reflorestamentos, de minerais considerados os mais nobres do universo, com os R$ 3,7 bilhões de lucro dessa mesma empresa, apenas nos primeiros 9 meses de 2003. Ou com os R$ 2 bilhões de 2002, R$ 3 bilhões de 2001, e “assim por diante”. Ou, quem sabe, com os R$ 1,5 bilhão para readquirir, agora, 10,4% do seu capital votante, sem que isso possa significar modificações de poder nas grandes decisões do conglomerado. A moeda é a mesma e a inflação no período não significou zeros a mais à direita, como em outros tempos.

Como se sabe, para o cálculo dos preços mínimos estipulados para os leilões das empresas estatais, utilizou-se o método chamado “fluxo de caixa descontado” que, grosso modo, trata-se de antecipar, para o tempo presente, os fluxos de receita e de despesa futuros, a uma dada taxa de desconto, ou juros. Esse “economês”, traduzido, significa montar cenários para o futuro da empresa a ser avaliada, com possíveis simulações de entrada e saída de recursos financeiros, ano a ano, a partir de parâmetros e indicadores relativos às atividades por ela desenvolvidas.

É bem verdade que não se trata de tarefa das mais fáceis elaborar projeções, mesmo no contexto de uma economia estável. Diz-se, inclusive, que o economista é experto em projetar o passado, e raramente acerta previsões para o futuro. Mas, sem qualquer dúvida, o método utilizado na avaliação das empresas permite direcionamentos no sentido da superestimação ou da subestimação. Basta que se projete cenários otimistas ou pessimistas.

Nos idos de 1993, o Congresso Nacional instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito, desta vez para investigar o Programa Nacional de Desestatização. Na época, em torno de 20 empresas já haviam sido privatizadas, principalmente dos setores siderúrgico, petroquímico e de fertilizantes. Isso significa que, embora empresas do porte da Usiminas, da CSN, entre outras, já tivessem sido privatizadas, ainda permaneciam estatais os setores elétrico e de telecomunicações, além de unidades de vulto, como a própria Vale do Rio Doce.

A CPI das Desestatizações tornou-se, conforme gravado nas conclusões de seu relatório final, sintomaticamente rejeitado pelos parlamentares da chamada base do governo federal de então, uma história interrompida, não acabada, porque não conseguiu romper as pressões contrárias pelo seu aniquilamento, e foi sufocada pela falta de vontade política para investigar assunto de tamanha importância para o País.

Entretanto, se a CPI não colheu os frutos esperados, deixou sementes. Uma delas, e das mais importantes, é exatamente a indicação de que os preços mínimos calculados pelas empresas avaliadoras foram subestimados, em função, principalmente, do pessimismo na montagem de cenários futuros para a economia brasileira e para os segmentos em discussão, bem como na definição de indicadores de avaliação. Havia, quase sempre, um contraditório na discussão entre os técnicos responsáveis pelos cálculos oficiais e os especialistas nas áreas específicas. Passada uma década do término dos trabalhos da CPI, tudo indica, e os números da Vale assim parecem corroborar, que os últimos primaram pelo realismo, enquanto os primeiros se colocaram, demasiadamente, pessimistas.

Dizem alguns que tais preços mínimos serviriam, apenas, como referência para os leilões. E que o mercado, através da concorrência, é que determinaria os preços do leilão. Ora, tais preços mínimos serviram, é verdade, como referência, mas para respaldar lances imediatamente superiores. Mas, a concorrência não cuidaria de aproximá-los a valores mais realistas? Não, porque, a mesma CPI levantou evidências de que os leilões eram, adredemente, combinados. Um dos percalços enumerados pela Comissão dá conta da promiscuidade entre responsáveis pela venda, avaliadores e adquirentes, fazendo com que os leilões se tornassem mero espetáculo formal.

Como exemplo emblemático dessa promiscuidade, cita-se o caso da CSN. Fortes pressões sobre os empregados, através do serviço de som interno, na hora do almoço coletivo, no sentido do apoio à privatização; sobre as suas famílias, para que lhes “fizessem a cabeça”, sob pena do “desemprego” e sobre os sindicalizados, para que votassem em candidato a Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda mais simpático à venda da empresa. Desaparecimento de página estratégica do documento de avaliação, exatamente onde se colocava o contraditório sobre parâmetros e indicadores. Exoneração forçada do Presidente da CSN, que retornou, depois, para o mesmo cargo, depois do leilão. Transferência posterior do Diretor do BNDES, responsável pelas privatizações, para a Diretoria de Investimentos do Banco que, “coincidentemente”, organizou o leilão da empresa. Substituição posterior do Presidente da CSN pelo funcionário que organizou o Clube de Investimentos, para a aquisição de ações através dos empregados. Investimentos vultosos, anteriores ao leilão, não incluídos na avaliação. Em um contexto de tantas e tamanhas evidências de promiscuidade e direcionamento de leilões, não há tese sobre preços mínimos apenas referenciais que se sustente. A determinação dos preços mínimos, suspeitava-se então, fazia também parte da promiscuidade na montagem dos respectivos leilões.

Volto ao caso da Companhia Vale do Rio Doce, também caracteristicamente emblemático. É bastante conhecida a manipulação do processo de venda da estatal em período imediatamente anterior ao leilão, que redundou na transferência dos fundos de pensão do Consórcio Valecom, capitaneado pelo Sr. Antonio Ermírio de Moraes, para o Consórcio Brasil, comandado pela CSN, tendo à frente o Sr. Benjamin Steinbruch, enfim ganhador. A questão do preço mínimo da empresa também mereceu destaque nas discussões que antecederam ao leilão, sempre no sentido da sua subestimação. Enfatizava-se como incalculáveis os valores das reservas da Vale, em recursos minerais dos mais estratégicos do planeta. Segundo especialistas, tais recursos têm a imagem do futuro, consubstanciada nos meios de comunicação, nos equipamentos de informática e, até, nas viagens interplanetárias. Como se observa, não se trata de questões que permitam, ao menos, suscitar cenários pessimistas, para esse mesmo futuro. Mais uma vez, estabeleceu-se o contraditório entre especialistas nos segmentos produtivos da Vale e os responsáveis pelo leilão, como sempre os primeiros enaltecendo o potencial da empresa, enquanto os avaliadores oficiais preconizavam vaticínios como a “queda do preço internacional do aço”, ou o “obsoletismo futuro do minério de ferro, dadas as novas tecnologias”.

Passados seis anos da privatização, a imprensa divulga informações sobre a Vale sob títulos como “Força Imbatível”. Tais publicações dão conta de que “o tamanho do lucro da Vale não é exatamente uma surpresa”. Teria sido, então, surpreendente o lucro da empresa apenas para os técnicos dos consórcios responsáveis pela avaliação, além da Diretoria do BNDES de então? Dizem, também, os mesmos alguns, que as avaliações se dão a partir de informações de empresas estatais, “lentas e pesadas”, sob o efeito de injunções políticas, com todas as mazelas do compadrio e do nepotismo. Ora, o preço mínimo, calculado a partir de valores futuros, não leva em conta essa nova realidade ora “mais eficiente”? A mesma imprensa que hoje enaltece a pujança da nova diretoria da Vale é a mesma que, nos tempos da estatal, também exaltava as qualidades de seus dirigentes, em especial o Sr. Eliezer Baptista, considerado um dos “melhores estrategistas de mercado do País”. O fato divulgado de que “hoje, todos os indicadores da companhia são grandiosos” deve-se à troca de comando, agora nas mãos de um “jovem executivo?”.

Trago esse assunto à tona, não pelo que os números dizem, porque a estabilidade econômica me permite comparar números absolutos, sem o subjetivismo do “relativismo” da economia. O que me preocupa é o que os números não dizem. Portanto, não cabe, aqui, ainda, qualquer afirmação peremptória sobre as avaliações de todas as empresas estatais. Mas, o que os números dizem suscita a necessidade do Congresso Nacional tomar posição sobre ações sobre recursos públicos que trazem, embutido, como dizem os economistas, o custo de oportunidade da educação, da saúde, do saneamento básico, do alimento para todos, da cidadania, enfim.

No último parágrafo do meu relatório da citada CPI, não aprovado, mas gravado na história, afirmo que “não concluo o relatório, suspendo-o para que alguém, em momento mais propício e promissor, retome esse tenebroso capítulo da Administração Pública Brasileira, investigando, à exaustão, essa temática”. Nestes dez anos que nos separam daquele momento histórico, muitas outras empresas foram levadas a leilão, algumas delas de vulto em termos de patrimônio e de importância estratégica. Tudo indica que as minhas palavras, neste período, ficaram ao vento. Mas, os ventos mudaram, para que a história possa, também, mudar. A CPI já foi chamada, ironicamente, de “Batalha de Itararé”, a mais sangrenta, mas que não houve. Pois bem, ela pode, até, não ter ocorrido, mas nem por isso Itararé deixou de ser saqueada.

Era o que eu tinha a dizer,


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/11/2003 - Página 39381