Discurso durante a 173ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre decisão de juiz Federal que autorizou permanência de posseiros em áreas indígenas demarcadas e homologadas.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Comentários sobre decisão de juiz Federal que autorizou permanência de posseiros em áreas indígenas demarcadas e homologadas.
Publicação
Publicação no DSF de 02/12/2003 - Página 39561
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, DECISÃO JUDICIAL, HELDER GIRÃO BARRETO, JUIZ FEDERAL, AUTORIZAÇÃO, PERMANENCIA, POSSEIRO, AREA, DEMARCAÇÃO, HOMOLOGAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR).

O SR MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: noticiário do jornal Folha de Boa Vista registrou que “as comunidades indígenas já podem decidir sobre a permanência de posseiros em áreas demarcadas e homologadas”.

Trata-se de autorização contida em sentença do Juiz Federal Helder Girão Barreto, proferida em processo de interesse das comunidades de São Jorge e do Barro, em que se discutiu a permanência de fazendeiro em área adquirida, no ultimo mês de abril, na região do Surumu.

Vê-se, desse modo, reafirmado o conceito de emancipação, admitido pela Justiça Federal de nosso Estado, em junho último, no julgamento do pleito do índio wapixana Alfredo da Silva, em decisão inédita nos meios forenses brasileiros, que aqui comentamos naquela oportunidade.

Essa decisão não reconhece, ainda, a legitimidade e o interesse de a União, a Funai e o Ministério Público decidirem contrariamente ao acordo celebrado entre os próprios indígenas.

A legislação pátria, especialmente a contida na Constituição Federal, no Código Civil e no Estatuto do Índio, preconizam que o índio deve ter respeitadas a diversidade cultural e o direito à terra, que constituem a sustentação da identidade étnica do grupo.

Com personalidade jurídica desde o nascimento, ele possui plena capacidade de se tornar sujeito de direitos e obrigações, como os demais cidadãos do País.

A Carta Magna, em seu artigo 231, assegura aos indígenas “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Esses direitos prevalecem sobre a existência, ou não, da demarcação ou de qualquer outro reconhecimento formal de suas terras, por parte do Estado. São direitos originários, porquanto decorrentes da sua histórica conexão com os povos pré-colombianos.

As terras índias são as “por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as voltadas para a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.

O Professor Dalmo de Abreu Dallari, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), referindo-se aos direitos especiais inscritos na legislação indigenista, de modo particular “o direito às terras que habitam”, opina que eles “não beneficiam os índios integrados”.

“Comunidades indígenas, um vez declaradas emancipadas, e índios, da mesma forma liberados do regime tutelar, não mais desfrutam daqueles direitos.”

Aplicam-se ao índio os preceitos constitucionais relacionados à nacionalidade e à cidadania, observando-se “a situação especial em que se encontra, quanto ao exercício dos direitos civis e políticos”.

Com personalidade jurídica desde o seu nascimento, como pessoa natural ou física, “tem plena capacidade de tornar-se sujeito de direitos e obrigações”, como todos os cidadãos do País.

Quanto ao fato de estar isolado, em vias de integração ou integrado, “os dois primeiros ficam sujeitos a regime tutelar”, enquanto os últimos têm pleno exercício dos direito civis.

Daí, concluir-se que “os estados de integrado e não-integrado têm o efeito ou facultar os deixar de facultar autonomia para a ação na ordem civil”. O estado de integrado, compondo-se de atributos pessoais, é irrenunciável, inalienável, imprescritível, insuscetível de transação e indivisível.

Dessa forma, a decisão definitiva quanto à conveniência de se liberar da tutela e passar ao estado de integrado só pode partir da pessoa do índio, enquanto sujeito de futuros direitos e deveres.

Deve-se entender que o objetivo fundamental da tutela “é proteger os interesses do tutelado e não mediar entre eles e interesses mais poderosos, em benefício desses últimos”.

Portanto, a tutela “não deve ser pensada nem como sanção, nem como discriminação, mas como uma proteção adicional aos indígenas”, sujeitos, particularmente, a serem lesados.

O mencionado Juiz Federal recorreu à autonomia dos povos indígenas no uso de sua terra, por imposição da Constituição de 1988, para justificar a homologação do acordo.

No processo, a comunidade de São Jorge aceitava a presença do fazendeiro na área, enquanto as lideranças da comunidade do Barro exigiam sua pronta retirada do local.

Na audiência inicial, não houve acordo entre as partes interessadas. Na realizada no dia 28 do mês passado, as duas comunidades decidiram, consensualmente, que o posseiro deixará a área, tão logo ressarcido pelas benfeitorias realizadas no imóvel.

Manteve-se, portanto, a determinação judicial de não se fazer qualquer movimento na área, capaz de dar prejuízo ou intranqüilizar o posseiro.

Deduz-se, daí, uma ampliação do conceito de emancipação indígena, antes evidenciado no caso Alfredo da Silva. O atual acordo entre as chefias indígenas cria a perspectiva de que outros aconteçam, uma vez que as opiniões das comunidades são divergentes.

O importante, no entanto, é que aquelas lideranças criaram condições para a reafirmação dos seus direitos, constitucionalmente consagrados.

Era o que tínhamos a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/12/2003 - Página 39561