Discurso durante a 176ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários ao artigo "Mais uma batalha vencida", de autoria do Deputado Federal Alberto Goldman, publicado no jornal Folha de S.Paulo, edição de 18 de novembro último.

Autor
Leonel Pavan (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SC)
Nome completo: Leonel Arcangelo Pavan
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Comentários ao artigo "Mais uma batalha vencida", de autoria do Deputado Federal Alberto Goldman, publicado no jornal Folha de S.Paulo, edição de 18 de novembro último.
Publicação
Publicação no DSF de 05/12/2003 - Página 40079
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REGISTRO, VITORIA, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), GARANTIA, PAIS, TERCEIRO MUNDO, IMPORTAÇÃO, MEDICAMENTOS, PRODUTO GENERICO, ESPECIFICAÇÃO, COMBATE, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), ELOGIO, LIDERANÇA, BRASIL, ATUAÇÃO, JOSE SERRA, EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. LEONEL PAVAN (PSDB - SC. Sem apanhamento taquigráfico.) -

            MAIS UMA BATALHA VENCIDA

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho neste momento a esta tribuna para comentar o artigo intitulado “Mais uma batalha vencida”, de autoria do Deputado Federal pelo PSDB de São Paulo, Alberto Goldman, publicada no jornal Folha de S.Paulo de 18 de novembro do corrente ano.

            O texto destaca a conquista obtida pelos países mais pobres do Globo: o referendo ao acordo que lhes garante o direito de importar medicamentos genéricos em caso de impossibilidade de produzi-los localmente. Essa vitória, que teve o Brasil à frente, foi comandada com firmeza pelo então ministro da Saúde, José Serra, e serviu para marcar o empenho do governo FHC no sentido de consolidar o conceito de que a saúde pública prevalece sobre os interesses financeiros advindos da propriedade intelectual. Destaca, ainda, o posicionamento de Frei Betto, assessor especial de Lula, contrário aos gastos do governo no programa contra a Aids, sob a alegação de que muitos brasileiros não têm dinheiro para comer.

Para que conste dos anais do Senado, requeiro, Sr. Presidente, que o artigo citado seja considerado como parte deste pronunciamento.

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR LEONEL PAVAN EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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            MAIS UMA BATALHA VENCIDA

Folha de S.Paulo 18/11/2003

Opinião: Tendências/Debates

O conflito que resultou da reunião dos 146 ministros das nações que compõem a Organização Mundial do Comércio, em Cancún, no México, obscureceu uma importante conquista obtida pelos países mais pobres do globo: o referendo ao acordo que lhes garante o direito de importar medicamentos genéricos em caso de impossibilidade de produzi-los localmente, utilizando o instrumento do licenciamento compulsório. É o desfecho da histórica guerra das patentes que as nações em desenvolvimento travaram em Doha, em novembro de 2001, tendo o Brasil à frente, comandado com firmeza pelo então ministro da Saúde, José Serra.

Trata-se de um marco no jogo de forças entre as nações mais desenvolvidas e aquelas que ainda estão galgando os degraus do desenvolvimento. Foi a primeira vez que a OMC incluiu entre seus regulamentos uma questão relacionada à saúde pública, que afeta, profundamente e de maneira favorável, os países menos desenvolvidos.

Em Doha já havia sido resguardada aos Estados-membros a possibilidade de quebra de patente diante da necessidade de defender a saúde pública de suas populações, de forma a promover o acesso amplo a medicamentos. Como isso só se aplica a quem tem condições de fabricar tais produtos, era preciso dar tratamento adequado às nações sem capacidade de produção própria.

As linhas gerais da regulamentação desse aspecto em particular já estavam definidas desde dezembro do ano passado, mas os Estados Unidos usaram seu poderio para bloquear as negociações, na expectativa de restringir a aplicação do mecanismo a apenas algumas doenças. Porém, tanto antes como agora, os termos acertados não contemplam tal pretensão americana.

Ainda que burocraticamente complicadas, as condições logísticas e jurídicas recém-arquitetadas em Genebra para implementar a concessão cruzada e simultânea de licenças compulsórias - já que tanto o país importador quanto o produtor do medicamento terão de fazê-lo - não são inviáveis. Ou seja, os países mais pobres passam a contar efetivamente com uma alternativa para defender suas populações de enfermidades como Aids, malária e tuberculose.

Ainda que o Brasil seja marginalmente afetado pelas decisões recentes, as conquistas de Doha foram preservadas e o fato é que, com o empenho do governo anterior, por meio do seu ministro da Saúde, restou consolidado o conceito de que a saúde pública prevalece sobre os interesses financeiros advindos da propriedade intelectual.

Há outros aspectos importantes sobre o alcance que o acordo recém-concluído terá. Os laboratórios instalados no Brasil compram boa parte de suas matérias-primas na Índia, cuja indústria farmacêutica dedica-se, preponderantemente, aos genéricos. Entretanto essa é uma situação que tende a se alterar num futuro próximo, já que até 2005 a Índia terá de se adequar às condições do Acordo Trips, que dispõe sobre aspectos do comércio relacionados a direitos de propriedade intelectual. Dessa forma, os insumos indianos devem se tornar mais caros, pois terão de respeitar as patentes dos grandes laboratórios.

Com a possibilidade de importação agora assegurada, o Brasil também abre as suas portas para buscar outros fornecedores e continuar fabricando seus próprios genéricos. É neste ponto que reside o cerne de toda a disputa que travamos em torno das patentes na OMC: a possibilidade de ampliar o acesso das populações a medicamentos por meio da redução sistemática de preços.

O caso mais emblemático é o do programa brasileiro de prevenção e combate à Aids, que, com o amparo das conquistas cristalizadas em Doha, conseguiu levar o país a fechar o século 20 tendo menos da metade de casos da doença previstos pelas ONU no início da década de 90. A possibilidade de licenciamento compulsório fez os preços de anti-retrovirais importados caírem até 70%, permitindo ao governo brasileiro economizar cerca de R$ 1 bilhão ao ano.

Diante de resultados dessa relevância, é com pesar que se constata que Frei Betto, assessor especial de Lula, insurge-se contra os gastos do governo no programa contra a Aids, sob a alegação de que muitos brasileiros não têm dinheiro para comer. Trata-se de visão canhestra, que desconsidera o fato de que aos ricos nunca faltou dinheiro para combater a doença, mas para os pobres, sem o coquetel de medicamentos, ela é mortal.

Cancún foi o lance final de uma briga que o país comprou em Doha e da qual deve se orgulhar de ter travado e vencido. Basta lembrar que no campo oposto estão os poderosos interesses dos laboratórios farmacêuticos multinacionais, cujo faturamento alcança o da indústria bélica mundial: US$ 400 bilhões no ano passado, dos quais cerca de US$ 5 bilhões no Brasil. Isso mostra que a disputa em favor de melhores condições de saúde no mundo ainda está longe de terminar.

Infelizmente, muitas das nações que agora ganharam meios de acesso a medicamentos mais baratos continuarão sem poder fazê-lo, pelo simples fato de que não dispõem de recursos suficientes para bancar tais importações. Ainda no governo Fernando Henrique, o Brasil propôs a criação de dois mecanismos destinados a facilitar a obtenção de medicamentos: a adoção de políticas de preços diferenciados, de acordo com a capacidade de pagamento de cada país, e um fundo multilateral para financiar a compra por parte das nações mais pobres, que, no entanto, ainda não conta com recursos suficientes. Essas devem ser as novas bandeiras de uma guerra que tem milhões de soldados em todo o mundo: a batalha por uma vida melhor e mais saudável para todos.

Alberto Goldman, 66, deputado federal pelo PSDB-SP, é vice-presidente da Executiva Nacional do partido. Foi ministro dos Transportes (governo Itamar Franco).


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/12/2003 - Página 40079