Discurso durante a 178ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa dos direitos humanos acima dos direitos tributários.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. POLITICA FISCAL.:
  • Defesa dos direitos humanos acima dos direitos tributários.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 07/12/2003 - Página 40247
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. POLITICA FISCAL.
Indexação
  • ANALISE, SUPERIORIDADE, DIREITOS HUMANOS, COMPARAÇÃO, IMPORTANCIA, ESTADO, DEFESA, PRIORIDADE, ATENÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, CUMPRIMENTO, DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS, PRINCIPIO CONSTITUCIONAL, IGUALDADE, LIBERDADE, NECESSIDADE, PROTEÇÃO, CIDADÃO, ABUSO, NATUREZA FISCAL.
  • COMENTARIO, DIFICULDADE, COMBATE, DESIGUALDADE REGIONAL, DESIGUALDADE SOCIAL, BRASIL, MOTIVO, OCORRENCIA, FAVORECIMENTO, INTERESSE PARTICULAR, PRIVILEGIO, MINORIA, EXCESSO, COBRANÇA, TRIBUTOS, AUSENCIA, ATENÇÃO, SITUAÇÃO, CAPACIDADE TRIBUTARIA, POPULAÇÃO CARENTE, INCOMPETENCIA, PODER PUBLICO, OFERTA, ATIVIDADE ESSENCIAL, DESENVOLVIMENTO, VIDA HUMANA.
  • DEFESA, CENTRALIZAÇÃO, ATENÇÃO, PODER PUBLICO, BENEFICIO, CIDADÃO, PROTEÇÃO, DIREITOS HUMANOS, COMBATE, EXCLUSÃO, REFERENCIA, ORGANIZAÇÃO, SISTEMA TRIBUTARIO NACIONAL, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, CRITERIOS, TRIBUTAÇÃO, ADAPTAÇÃO, CAPACIDADE TRIBUTARIA, CONTRIBUINTE, REGISTRO, IMPORTANCIA, JUDICIARIO, CONTENÇÃO, VIOLAÇÃO, DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, Srªs e Srs. Senadores, o melhor ensinamento diz que os direitos humanos preexistem à ordem positiva, portanto, anteriores à própria Constituição, sendo, ainda, imprescritíveis, inalienáveis, absolutos, auto-aplicáveis e com eficácia para todos.

Os direitos humanos são anteriores e superiores à própria noção de Estado.

O ordenamento jurídico pátrio, através das garantias constitucionais e dos direitos fundamentais, protege as liberdades, limitando o poder de tributar, que deve agir apenas no espaço aberto pelos direitos humanos.

Desse modo, o poder fiscal deve ser constituído no espaço aberto pelas imunidades e privilégios, cabendo observar que a Constituição brasileira, em seção denominada “das limitações do poder de tributar”, contém o núcleo essencial da cidadania fiscal.

Ressalte-se que, geralmente, os direitos humanos se expressam por meio de princípios, sendo vários deles expressos na Constituição Federal, como é o caso dos princípios da igualdade, da anterioridade, da legalidade, da livre iniciativa e da livre concorrência, entre outros.

Sr. Presidente, a questão crucial dos direitos humanos é valorizar o poder do cidadão, limitando o poder dos governantes, impedindo o caráter autoritário de certos regimes políticos.

O cidadão brasileiro, apesar de jamais ter tido tantos instrumentos para a manifestação de seus anseios, como são os previstos na Constituição Federal, continua sem conseguir efetivar alguns direitos fundamentais previstos na Carta Magna. Desse modo, grande vem sendo a dificuldade de fazer valer direitos, estes reconhecidos como direitos humanos, principalmente quando no outro pólo da relação jurídica situa-se o Estado, o Poder Público.

A restrição de algumas capacidades, muitas vezes impostas pela vontade individual ou de algum grupo econômico ou político, que se sobrepõem ao da coletividade, do povo, restringe ideais como o de liberdade e igualdade.

Sr. Presidente, o que verificamos no Brasil é que, apesar das garantias constitucionais e dos direitos fundamentais previstos no Texto Fundamental de 1988, em um primeiro momento, percebe-se que estes são muito mais uma concessão dos poderosos, quem detêm o poder, do que da grande parte dos cidadãos do Brasil.

Entender o direito do cidadão apenas por uma expectativa econômica, como é o caso do direito do consumidor, é deixar de considerar que a cidadania, em sua expressão moderna, tem, entre outros desdobramentos, o de ser cidadania fiscal.

Para que não sejam violados direitos fundamentais do contribuinte, torna-se necessária a valoração de princípios como o da igualdade, o da liberdade, o da capacidade tributária, o da dignidade da pessoa humana, o da anterioridade e o da legalidade estrita, entre outros.

Em um país como o Brasil, que, na busca de recursos financeiros através de um sistema tributário confuso e injusto, atinge uma carga tributária que se situa acima dos trinta pontos percentuais do PIB, não há como admitir-se que seus cidadãos não possam usufruir pelo menos de um eficiente sistema de saúde, saneamento, educação e previdenciário. Contudo, o que a realidade mostra é que, neste País, serviços mínimos, necessários para o desenvolvimento do ser humano, não funcionam como deveriam ou simplesmente não existem.

Levando-se em consideração que o Estado não dá contraprestação decente em áreas essenciais para o desenvolvimento humano, tem-se que se contestar a legitimidade da Administração quando impõe uma carga tributária tão elevada e tão injusta.

Para países como o Brasil, que não disponibilizam de forma decente os meios necessários para o desenvolvimento humano, assim como não possuem uma distribuição de renda justa, faz-se necessário que sejam, no mínimo, aplicados, quanto à tributação, princípios como o da capacidade contributiva e o da dignidade humana.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com relação ao tema, não pode ser deixado de fora o problema do mínimo existencial - e V. Exª é um dos que lutam muito por ele -, que, apesar de difícil definição, confundindo-se com a própria definição de pobreza, parte da idéia do mínimo necessário para salvaguardar uma existência humana mais digna, um salário mais digno para as pessoas.

O mínimo é direito subjetivo protegido negativamente contra a intervenção do Estado e, ao mesmo tempo, garantido positivamente pelas prestações estatais. Diz-se, pois, que é direito de status negativus e de status positivus, sendo certo que não raro se convertem uma na outra ou se complicam mutuamente a proteção constitucional positiva e a negativa.

O mínimo existencial ainda postula “prestações positivas de natureza assistencial”. Contudo, tais prestações têm caráter subsidiário, uma vez que o Estado somente estará obrigado a cumpri-las quando o sistema de seguridade público ou privado falhar, deixando o cidadão sem meios indispensáveis para a sua sobrevivência.

Cabe lembrar que, apesar de declarações, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento e a Constituição nacional, estabelecerem que constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, entre outros, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e ainda prever casos de imunização contra a incidência de tributos, muito pouco se está fazendo para efetivar essas normas e quase nada tem sido realizado com relação ao desenvolvimento do povo brasileiro.

Dessa forma, torna-se de difícil compreensão o porquê de um país como o Brasil, apesar de gozar de uma imensa riqueza mineral, de um grande potencial energético e hidrográfico, de uma grande diversidade biológica, invejada por inúmeros países desenvolvidos, de uma vastidão de terras à espera para produzir e de uma boa legislação voltada aos direitos humanos, tanto na área constitucional como na infra-constitucional, continuar a conviver com milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Senador Augusto Botelho, V. Exª pode me conceder um aparte?

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Pois não, Senador Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Quero cumprimentá-lo pelo pronunciamento que faz, porque realmente, quando se discute a questão de tributos neste País, é preciso começar a pensar mais no contribuinte. Tem-se pensado muito, e até com certa justiça, nos Municípios, nos Estados e muito mais na União. Ao longo do tempo, a União vem concentrando recursos em suas mãos, o que, no meu entender, é um fator negativo para o equilíbrio federativo e para a própria existência da Federação. Mais grave do que isto é, realmente, a despreocupação com o contribuinte. Por exemplo, o assalariado, além de já ter descontado o imposto de renda na fonte, paga tributo em tudo, na alimentação, no remédio, no transporte, fora os tributos normais estipulados por lei. Então, na verdade, é preciso proteger mais o contribuinte, é preciso que o contribuinte tenha um tratamento igual ao dispensado, por exemplo, ao Estado arrecadador, porque hoje o Estado tem a primazia e há o pressuposto de que o cidadão é desonesto e o Estado é que é honesto. Então, eu acredito que o posicionamento de V. Exª , a sua preocupação em humanizar a questão dos tributos do País é muito importante e oportuna quando estamos discutindo justamente a reforma tributária aqui.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - É, acho que este é um assunto que incomoda mesmo, porque até se esvazia o plenário quando se defende o cidadão diretamente. O cidadão é a pessoa mais importante. E eu estou aqui para exercer o meu mandato em defesa da pessoa, não de uma instituição financeira ou de um grupo econômico ou um grupo político. Fui eleito pelas pessoas mais humildes do meu Estado, pelos pobres, que agora estou chamando de “filhos da pobreza”, porque são pobres e filhos da pobreza também. Aprendi isso com a Senadora Heloísa Helena.

Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, Senador Mozarildo Cavalcanti, Senadora Heloísa Helena, a Constituição Federal brasileira busca assegurar uma série de direitos à pessoa, vários deles expressos em um conjunto de direitos fundamentais, assim como em outros de seus artigos, demonstrando um forte anseio social e voltada, principalmente em seu art. 1º, para a dignidade humana.

Contudo, cabe lembrar que, mesmo na ausência de tais previsões, esses direitos não poderiam deixar de ser considerados, pois nascem com o homem, preexistindo a própria Constituição. Deste modo, é imperioso reconhecer a existência e validade de um sistema de direitos fundamentais, voltado à pessoa, o qual serve de fonte de solução jurídica, como pressuposto de validade e como elemento de interpretação e integração das normas, assim como de fonte autônoma de solução jurídica.

O princípio da dignidade humana deve servir de diretriz tanto para o legislador como para a Administração na produção de sua política econômica e social, devendo ser observado também, quanto ao aspecto tributário, pelo Poder Judiciário, que deve atuar de forma a inibir qualquer violação ao citado princípio.

Se o ser humano coloca-se no topo da pirâmide evolutiva, por acreditar-se um ser racional, deve aprender a valorizar esse atributo que apenas ele possui, garantindo, para tanto, que seja assegurado a cada pessoa um mínimo necessário inviolável para resguardar sua dignidade, pondo fim às profundas e tristes desigualdades que cercam a sociedade, impedindo assim qualquer tratamento desumano, degradante ou limitador de seu desenvolvimento.

Levando-se em consideração o problema do mínimo existencial e do desenvolvimento das capacidades - pelo que tanto luta o nosso Presidente Paulo Paim -, torna-se imperativo considerar que o princípio da capacidade contributiva, previsto no art. 145 da Constituição Federal, deve ser entendido como uma diretriz obrigatória a guiar todo o ordenamento tributário, e não apenas os impostos (espécie tributária).

O princípio da capacidade contributiva busca alcançar a justiça tributária de forma que incorra em maior tributação o contribuinte de renda maior e em menor tributação o de renda menor, através de uma atuação progressiva. Contudo, como facilmente pode ser atestado, no Brasil muitas vezes isso não ocorre, o que faz com que não diminua o vergonhoso abismo existente entre as classes sociais.

O Professor Carraza, tecendo análise sobre o tema, lembra que o princípio da igualdade guarda íntima relação com o princípio da progressividade, e em decorrência disso eles devem atender o princípio da capacidade contributiva.

Por isso mesmo, a tributação por alíquotas fixas tende a contribuir com a desigualdade econômica, obrigando pessoas sem condições de contribuir a suportar um sacrifício injustificável; conseqüentemente, sem a progressividade, não há como atingir a igualdade tributária.

Em razão da imposição constitucional, assim como dos direitos humanos, não há como aceitar a tributação de contribuinte que depende de um mínimo vital para a sua sobrevivência ou para o desenvolvimento de suas capacidades.

Deste modo, a legislação não pode deixar de considerar que o contribuinte possui certos direitos decorrentes da própria natureza humana, sendo defeso a exoneração de recursos vitais para a manutenção do ser humano.

Não podemos tirar de quem tem menos, mas apenas dos que têm mais.

Partindo-se ainda da premissa de que o legislador pátrio deixou de definir qual seria o mínimo vital necessário para garantir a condição humana, deve o aplicador do Direito, quando diante do caso concreto, buscar tal definição através do apoio em estudos científicos relacionados com as ciências jurídicas, econômicas e sociais, para que não deixe de efetivar a aplicação de direitos a que fazem jus os contribuintes, principalmente os mais fracos.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/12/2003 - Página 40247