Discurso durante a 179ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre reportagem da revista Época, desta semana, intitulada "Número de negros na classe média dobrou em 10 anos".

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Comentários sobre reportagem da revista Época, desta semana, intitulada "Número de negros na classe média dobrou em 10 anos".
Publicação
Publicação no DSF de 08/12/2003 - Página 40289
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, EPOCA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ANALISE, SITUAÇÃO, NEGRO, PAIS, DEMONSTRAÇÃO, DADOS, COMPROVAÇÃO, MELHORIA, SALARIO, ASCENSÃO FUNCIONAL, GRUPO ETNICO, CLASSE MEDIA.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, a revista Época que está nas bancas traz uma reportagem de capa intitulada: “Especial - o número de negros na classe média dobrou em 10 anos”.

Esta realmente é uma informação fundamentada em pesquisas sérias que, pela primeira vez, mostram a ascensão - diríamos assim. Até mesmo o título da matéria é muito interessante - “Classe média na raça” -, que conta a história de negros que ascenderam na pirâmide social por esforço próprio. Não houve participação de cotas, não houve política de governo que fosse responsável por isso. Foi resultado de esforço próprio de cada situação.

Na matéria, há a história de um negro cujos avós foram escravos. Os pais, depois da libertação, foram lavradores pobres. No entanto, chegaram a se formar, o que demonstra realmente uma diferença brutal.

De antemão, peço a V. Exª a transcrição desse artigo na íntegra, por considerá-lo um marco histórico para reflexão, num momento em que essa questão das cotas está sendo implantada no País, principalmente no que tange às universidades, às escolas de nível fundamental e médio.

Devemos refletir sobre isso. Há dois momentos principais do negro no País: primeiro, após a Abolição da Escravatura, quando ficou a impressão - consagrada por Gilberto Freyre -, de que havia uma democracia racial no País, ou seja, de que negros e brancos conviviam sem problema nenhum, tendo chegado a ser exemplo, em muitos países da Europa, o fato de que o Brasil era alguma coisa de excepcional, onde realmente não havia nenhum racismo, nenhum tipo de preconceito racial. Sempre procurei ler sobre esses assuntos e, na condição de médico, sempre considerei que a questão não estava realmente ligada à raça, mas muito mais à questão social. Quer dizer, o âmago do preconceito está na questão social e essa reportagem mostra muito claramente que as coisas estão evidentes, que não há preconceito quanto ao estereótipo, digamos assim, mas muito mais quanto ao aspecto social.

            Há um caso citado na reportagem, do Sr. Luiz Cláudio Rosa, de 41 anos, vice-presidente no Brasil da Lucent Technologies em Campinas, que chegou a esse cargo por seus méritos pessoais e, uma vez, chegando a um local dirigindo um carro de luxo, que ele comprou com seus proventos, foi confundido com um segurança. Isso mostra que, na verdade, há uma cristalização dessa situação no País.

Chamo a atenção principalmente para os dados demonstrados pela reportagem. O primeiro mostra que, apesar das dificuldades históricas, dobrou o número de negros entre os brasileiros que ganham mais. Os negros são 15% dos brasileiros que ganham acima de R$1.384,00 mensais, portanto, considerada a camada mais rica da população. E o que é mais importante: pela primeira vez, temos dados que mostram que não são somente os negros artistas ou desportistas que estão, realmente, tendo ascensão no País. Quando se fala em negros de sucesso, logo pensamos nos desportistas como Pelé e, do outro lado, os artistas, os grandes nomes do samba, do pagode, enfim, os grandes nomes que se consagraram.

Outro dado importante dessa reportagem é que os negros de classe média somam um rendimento anual de R$46 bilhões e têm uma sobra mensal de caixa de R$500 milhões. Na reportagem, chama a atenção o fato de que o Brasil discute a Alca, o Mercosul, a expansão do comércio, e os negros, com esse poder aquisitivo atual, não tinham, até bem pouco tempo, sequer produtos cosméticos específicos para a sua raça, tais como, xampus específicos para cada tipo de cabelo e cosméticos para o tipo de pele das mulheres. Foi uma empresa comandada por uma empresária negra que, ao fazer uma pesquisa entre os negros, detectou esse anseio. Hoje, tem um rendimento muito importante, porque esse mercado, realmente, se expande a cada dia.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em 1992, apenas 1,38% dos chefes de família negros ganhavam mais do que cinco salários mínimos. Em 2001, esse índice passou para 2,68%. São números pequenos mas que mostram uma ascensão considerável. Resumo toda essa reportagem, dizendo que esse problema pode ser revertido na área social, tendo como base a educação. Na hora em que o Governo levar a sério, dar oportunidade aos negros de estudarem e de concluírem o curso superior ou o curso profissionalizante de nível médio, haverá, de maneira mais acelerada, a reversão dessa situação da raça negra no País.

Elogio a reportagem da revista Época, ao mesmo tempo em que já pedi a transcrição da matéria, por trazer ao debate, de maneira mais isenta, com dados estatísticos, com uma análise profunda dos problemas, o tema da ascensão dos negros, que considero uma questão de justiça. Não podemos fazer de conta que o problema não existe ou apenas ficarmos satisfeitos com esses números, que já são importantes, mas que ainda são muito tímidos diante do que devemos atingir para podermos dizer que somos uma democracia social.

Se não houver uma legislação que faça distinção de raça, como nos Estados Unidos e na África do Sul - do ponto de vista da sociedade e do Governo Federal -, isso demonstrará uma certa displicência com o problema, deixando, como se vê na reportagem, para que eles, pelo esforço próprio, invertam essa realidade.

Na matéria, há a declaração de um negro de que, segundo palavras do pai dele, o negro tem que provar tudo duas vezes. Tem que ser sempre bom e ser melhor do que os demais. Isso realmente mostra o quanto é sofrida a realidade do negro no País. Tem o caso de um cardiologista negro, importante Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que conta que, muitas vezes, o paciente, mesmo sendo pobre, ao chegar ao consultório e ver que o médico é negro, fica um pouco admirado. Depois que começa a conversar e a perceber o trabalho efetivamente profissional, muda de postura, porque vê que o que interessa ali é a competência desse médico, que tem até pós-doutorado nos Estados Unidos.

Portanto, é um registro que considero da mais alta importância para o País. Demonstra esse avanço, embora tímido, da raça negra. Todos costumamos dizer isto, aliás, recente estudo científico mostra que todo brasileiro tem, em seu componente genético, muito das raças negra e indígena e, obviamente, dos europeus, mas o importante é que possamos efetivamente acabar - não digo de uma vez, mas de maneira obstinada -, com essa realidade.

Assim, aplaudo essa reportagem. Nós, Parlamentares, precisamos avançar. Temos avançado, temos feito a nossa parte ao aprovar legislações que, realmente, deram condições aos negros de avançar na questão social da igualdade entre as raças.

Creio que, a partir dessa reportagem, poderemos aprofundar o debate e fazer com que as coisas andem de maneira mais segura até termos se não um paraíso pelo menos uma democracia, em que os direitos e os deveres sejam iguais para todos.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI, EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/12/2003 - Página 40289