Discurso durante a 179ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a pirataria da biodiversidade brasileira.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Considerações sobre a pirataria da biodiversidade brasileira.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti, Pedro Simon, Valdir Raupp.
Publicação
Publicação no DSF de 08/12/2003 - Página 40295
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • APREENSÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, FALTA, FISCALIZAÇÃO, IRREGULARIDADE, UTILIZAÇÃO, CONTRABANDO, RECURSOS NATURAIS, BRASIL, PREJUIZO, BIODIVERSIDADE.
  • DEFESA, NECESSIDADE, REGISTRO, CATALOGAÇÃO, ANIMAL, VEGETAIS, REGIÃO AMAZONICA, REGULAMENTAÇÃO, ACESSO, RECURSOS NATURAIS, DEFINIÇÃO, ATO ILICITO, ESTABELECIMENTO, PUNIÇÃO, RESPONSAVEL, APROPRIAÇÃO INDEBITA, ELEMENTO, BIODIVERSIDADE, PRESERVAÇÃO, SOBERANIA NACIONAL.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente, José Sarney, Srªs e Srs. Senadores, cupuaçu, andiroba, copaíba e açaí guardam entre si infeliz e preocupante semelhança: esses nomes de frutas e os nomes de muitas outras espécies vegetais já foram registrados no exterior como se marcas fossem.

Pretendo compartilhar com V. Exªs minha inquietação com um tema que tem ganhado crescente repercussão na mídia, sem a correspondente união de esforços do Governo, da sociedade civil e do Congresso para tratar de um assunto de tão grandes implicações econômicas, que diz respeito a nossa própria noção de soberania.

Há alguns séculos, os piratas se valiam de armas de fogo e da imensidão dos mares para roubar, principalmente, metais preciosos e especiarias. Nos dias atuais, o palco em que se verifica a pirataria não é mais o oceano, mas as florestas e as reservas naturais de países, como o Brasil, detentores de grandes biodiversidades e patrimônio genético.

Os métodos também ficaram mais sutis: os biopiratas se valem do mundo do contrabando e, muitas vezes, da estrutura de quadrilhas envolvidas com o narcotráfico para retirarem ilegalmente espécimes animais e vegetais de nosso País e exportá-los para atravessadores, grandes laboratórios farmacêuticos e cientistas pouco éticos e inescrupulosos.

Estamos falando de um mercado bilionário em que o Brasil é um dos alvos principais, em função de nosso território apresentar a maior biodiversidade do planeta. Apenas a título de exemplificação, vale lembrar que o mercado mundial de medicamentos derivados de plantas, estimado entre US$30 e US$40 bilhões, não pára de crescer.

Inúmeras espécies vegetais têm também grande valor comercial em outros ramos, ao alimentarem, por exemplo, a não menos bilionária indústria de cosméticos. Basta mencionar que a principal substância fixadora do perfume francês Chanel nº 5, um dos mais caros do mundo, é um álcool chamado linalol, substância extraída do pau-rosa, madeira tipicamente brasileira e, aliás, ameaçada de extinção.

Isso sem falar nos casos mais grotescos, em que empresas tais como a japonesa Asahi Foods registram nomes de frutos tipicamente brasileiros como se esses nomes fossem passíveis de apropriação privada. Infelizmente, essa aberração nos leva a duas conclusões inevitáveis. A primeira é a de que a ganância de poderosas multinacionais desconhece o bom senso mais elementar quando se trata de aumentar os lucros por meio do registro dos nomes de frutas como o cupuaçu, a andiroba, o açaí e até do patenteamento - pasmem V. Exªs! - de processos tipicamente nacionais, como é o caso da brasileiríssima caipirinha.

A segunda conclusão é a de que falta, em nível internacional, um regime unificado que trate das questões de biossegurança que envolvem o registro de marcas e patentes.

Concedo o aparte ao Senador Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Senador Augusto Botelho, cumprimento V. Ex.ª por abordar um tema muito importante para todos os brasileiros. É necessário que os brasileiros de todos os recantos do País se preocupem efetivamente com a biopirataria no País. V. Exª citou o exemplo do pau-rosa. Muitas pessoas usam o perfume Chanel, mas não têm noção de que o seu fixador é extraído de uma madeira da Amazônia. Agora há um caso mais gritante: o patenteamento do nome “cupuaçu” por uma empresa japonesa. Para não roubar muito o tempo de V. Exª, só gostaria de dizer que devemos bater nessa tecla várias vezes para que todos percebam que esse não é um problema só da Amazônia. A biopirataria, repito, não é um problema só da Amazônia, mas de todo o Brasil. É preciso encarar isso com muita firmeza. Tenho esperanças de que a nova política de relações internacionais do Brasil, seja no campo diplomático, seja na área comercial, coloque realmente fim a essa forma, como V. Exª disse, moderna de os piratas agirem em nosso País, roubando as nossas riquezas de maneira descarada e aberta.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª.

Concedo o aparte ao Senador Raupp, defensor do gasoduto de Rondônia.

O Sr. Valdir Raupp (PMDB - RO) - Nobre Senador Augusto Botelho, V. Exª traz um tema de grande relevância e altamente preocupante para o nosso País e principalmente para a Amazônia. Já tive oportunidade de debater esse assunto da tribuna do Senado, no início deste ano, quando a Asahi Foods, empresa japonesa a que V. Exª se refere, patenteou quatro produtos da Amazônia: cupuaçu, andiroba, açaí e se não me falha a memória, a copaíba. Agora o Brasil tem que lutar na Organização Mundial do Comércio, (OMC) para quebrar as patentes dessa empresa japonesa. Não podemos vender produtos com esses nomes no exterior, porque essa empresa patenteou no Japão, nos Estados Unidos e em toda a Europa esses quatro frutos. Hoje não temos condições de vender produtos com esses nomes lá no exterior. V. Exª está de parabéns, por trazer esse tema à tona no Congresso Nacional. É preciso que as autoridades, principalmente, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, se preocupem mais com essas questões em âmbito internacional. Parabéns.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª, segundo Senador que vive na Amazônia.

Agora, com muito prazer, vou passar a palavra a um dos defensores da Amazônia, que vive lá no outro extremo do Brasil, no Rio Grande do Sul, Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Esse assunto que V. Exª aborda é da maior importância. Não consigo entender por que as autoridades brasileiras ainda não tomaram, pelo menos publicamente, alguma iniciativa no sentido de resolver esse problema. Na verdade, são dois aspectos: o primeiro, o roubo na Amazônia desses produtos e de outros utilizados para fazer medicamentos e perfumes. Uma infinidade de riquezas que existem ali estão indo para fora. O segundo, o absurdo de uma empresa japonesa registrar lá fora produtos nossos, típicos do Brasil e nós não podermos vendê-los no exterior. Esse é um assunto que o Governo brasileiro deveria analisar e intervir nessa negociação. Se, pelo menos, assumissem a internacionalização da Amazônia, todo mundo poderia usar esses produtos, não só alguns poucos países. O assunto que V. Exª está levantando é da maior seriedade. A imprensa já publicou várias matérias sobre ele, mas eu não vi nenhuma resposta, não ouvi nenhuma autoridade brasileira dizer que vai fazer isso ou aquilo. De que devemos tomar providências neste sentido não tenho dúvida nenhuma: evitar o contrabando, a ida desse produtos para lá da maneira que está indo, registrá-los em nosso nome e obter a devida cobertura dos órgãos competentes. Meus cumprimentos pelo importante e significativo pronunciamento.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Muito obrigado.

Estou fazendo esse pronunciamento porque amo o Brasil, amo a Amazônia e sinto que temos perdido muitas riquezas. Tenho dito que enquanto não registrarmos cientificamente todos os produtos existentes na Amazônia, todos os animais, todos os vegetais e, quiçá, algumas bactérias que só existem lá, não seremos donos da Amazônia. Temos em nosso território a maior biodiversidade, mas ela está fugindo de nossas mãos, está saindo pelos nossos dedos em nossa frente. Por isso eu e outros Senadores da Amazônia vamos insistir nesse tema até que haja uma normatização e consigamos mais recursos para nossas universidades, porque são as universidades que vão registrar os produtos. Não existe outra forma de catalogar a biodiversidade senão por meio das universidades, que já estão lá e têm pessoas capacitadas para isso. 

Grosso modo, podemos dizer que há dois paradigmas mundiais que tratam desses temas e que têm sido utilizados de maneira distinta e, muitas vezes, contraditória.

O primeiro deles é representado pela Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro em 1992, sob os auspícios da ONU, que promoveu, naquele ano, a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como ECO-92. Esse documento contempla e prestigia de maneira inequívoca o conceito de desenvolvimento sustentável, noção que passou a fazer parte de todas as considerações políticas e econômicas entre países.

De maneira sintética, esse documento - de abrangência universal - antepõe o interesse público e o bem comum da humanidade à propriedade e aos interesses privados. Trata-se de atribuir uma espécie de “função social” ao direito de marcas e patentes.

Por esse motivo, há uma nítida preocupação em integrar as comunidades locais e tradicionais na repartição de benefícios advindos da comercialização de conhecimentos adquiridos e conservados durante séculos no seio das sociedades.

Lembro um pronunciamento da Senadora Fátima Cleide, que, ao visitar as instalações da Petrobras na Amazônia, se mostrou triste com as condições sociais dos habitantes tradicionais locais, que não tinham nenhum benefício com aquelas instalações, não tendo disponível nem o gás natural.

Esse texto, em vigor no Brasil desde 29 de maio de 1994, reforça a necessidade de cooperação internacional para a conservação da diversidade biológica e a utilização sustentável de seus componentes.

Porém, no âmbito da Organização Mundial do Comércio, a questão encontra-se regulamentada pelo Tratado sobre Direito de Propriedade Intelectual Relacionada ao Comércio Internacional, Trips, de 1995, que assegura o tratamento privatizante dos recursos biológicos, passíveis, pois, de serem protegidos por direitos privados de propriedade intelectual. Nessa esfera, não há nenhuma preocupação em repartir os benefícios do detentor das patentes com os países ou com as comunidades titulares do material biológico ou do conhecimento tradicional associado à exploração de um determinado produto.

Por essa razão, tem sido uma das bandeiras empunhadas pelos países megadiversos, tais como o Brasil, Índia, Colômbia e Peru, a criação de um sistema de proteção na própria OMC que contemple não só a origem do material genético e o consentimento prévio das comunidades, como também a repartição dos benefícios eventualmente obtidos com a comercialização do produto.

Ao expormos a regulamentação da matéria no âmbito internacional, necessitamos ressaltar - com a devida ênfase - um aspecto dessa realidade: a ausência de uma unicidade de visões no plano internacional não legitima nem justifica o tratamento incompleto, ineficaz e incompatível com a importância do tema por parte das autoridades brasileiras.

Falta-nos, até os dias de hoje, uma regulamentação unificada que verse sobre o acesso aos recursos genéticos, defina as práticas passíveis de serem qualificadas como biopirataria e estabeleçam sanções penais que punam com rigor os agentes que se apropriarem de forma indevida de elementos da biodiversidade brasileira.

No esforço para regulamentar o artigo 15 da Convenção sobre Diversidade Biológica, em vigor no Brasil desde 1994, inúmeros Parlamentares já tomaram a iniciativa de apresentar projetos, a começar pela Senadora e hoje Ministra Marina Silva, que apresentou projeto de lei nos idos de 1995, projeto esse que ainda tramita no Congresso Nacional, nos termos do substitutivo do Senador Osmar Dias, do PDT.

A Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, até hoje não foi convertida em lei ordinária. Por seu caráter intrinsecamente provisório, tal norma é refratária ao estabelecimento de sanções de caráter penal, o que, sem dúvida, enfraquece o poder punitivo do Estado para com práticas renitentes de biopirataria.

Sentimos falta - não há dúvida - de uma coordenação de esforços por parte do Governo, que permita tratar o tema da forma e com a urgência que a regulamentação definida da matéria possui para o País. Em outras palavras, salvaguardarmos nossa biodiversidade e os interesses de nossas comunidades tradicionais é medida estratégica para uma melhor inserção brasileira no concerto das nações.

Se, nos dizeres do ex-Chanceler Celso Lafer, o desenvolvimento é a expressão moderna do conceito de progresso, aquele passa necessariamente por investimentos maciços no conhecimento e na proteção de nossos recursos genéticos. Como já ressaltou com muita propriedade José Graça Aranha, ex-Presidente do INPI, Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, as discussões sobre proteção à propriedade intelectual e proteção à biodiversidade e aos conhecimentos não se excluem.

Ao contrário, é do interesse de todos que esses sistemas se reforcem mutuamente para atender de forma satisfatória tanto os detentores de biotecnologia quanto os países ricos em biodiversidade, tendo sempre como norte a noção de desenvolvimento sustentável. A espoliação e a apropriação indevida de espécimes e de conhecimentos tradicionais são iniciativas espúrias e devem ser rechaçadas por toda a comunidade internacional.

Para isso, só uma legislação eficiente não basta. É necessário prestigiarmos os quadros técnicos do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, insuficientes para dar conta da enorme demanda de pedidos de patentes que são feitos a cada ano. É preciso prestigiarmos também o Ibama, responsável pela defesa incondicionada de nossa flora e fauna.

Sobre esse aspecto, vale lembrar que Dener Giovanini, coordenador da Rede Nacional contra o Tráfico de Animais Silvestres, Renctas, recebeu, no último dia 19 de novembro, na sede da ONU, em Nova York, o prêmio Sasakawa de Meio Ambiente, prestigiado como um dos mais importantes do mundo. O único brasileiro a receber esse prêmio antes dele foi o líder seringueiro Chico Mendes.

O exemplo de abnegados como Dener Giovanini e Chico Mendes deve servir de incentivo às políticas públicas que invistam no material humano brasileiro para a defesa de nossa biodiversidade. Afinal, de que modo protegeremos aquilo que desconhecemos?

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Sr. Presidente José Sarney, já estou terminando. Em nosso continente, países com menos recursos já foram capazes de mapear, em bancos de dados unificados, a incrível quantidade de espécies que habitam a América do Sul. Por que não fazemos o mesmo?

Quando transformaremos o potencial econômico da biotecnologia em benefícios para as comunidades tradicionais em defesa de nossos ecossistemas? Quando é que diminuiremos os pagamentos de royalties a empresas e a laboratórios estrangeiros? No Brasil, todos os medicamentos pagam royalties. Gastamos bilhões de dólares porque não investimos em pesquisa na área farmacêutica de medicamentos humanos.

Quaisquer que sejam os partidos políticos, independentemente de ideologias e de injunções circunstanciais, a resposta a essas perguntas passa necessariamente pelo investimento maciço na produção científica brasileira. A solução requer o conhecimento científico atrelado ao aporte de recursos públicos e oriundos da iniciativa privada. Precisamos de uma produção científica que gere tecnologia a serviço do bem comum e do desenvolvimento sustentável.

Sr. Presidente, Senador Sarney, Senador Simon, nossos cientistas já foram capazes de explorar petróleo em águas profundas, de desenvolver uma indústria agrícola altamente competitiva, de obter conhecimento em biologia suficiente para o seqüenciamento de genomas. Somos um dos países que têm o alfabeto da vida, o genoma, de mais espécies catalogado.

Estou certo de que temos recursos de sobra não só para protegermos nosso patrimônio genético, mas também - e sobretudo - para utilizá-lo na busca de um desenvolvimento inclusivo e sustentável. É isso o que chamamos de progresso.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/12/2003 - Página 40295