Discurso durante a 179ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise sobre o pronunciamento do Senador Mozarildo Cavalcanti com relação a ascensão dos negros na classe média brasileira.

Autor
Eurípedes Camargo (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Eurípedes Pedro Camargo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL. SENADO.:
  • Análise sobre o pronunciamento do Senador Mozarildo Cavalcanti com relação a ascensão dos negros na classe média brasileira.
Aparteantes
Augusto Botelho, Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 08/12/2003 - Página 40301
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL. SENADO.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, NEGRO, PAIS, REFERENCIA, PRONUNCIAMENTO, MOZARILDO CAVALCANTI, SENADOR.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, SENADOR, VOTAÇÃO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, REFORMA TRIBUTARIA, AMPLIAÇÃO, CONFIANÇA, OPINIÃO PUBLICA.

O SR. EURÍPEDES CAMARGO (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srª Senadora Heloísa Helena, Srs. Senadores, o Senador Mozarildo Cavalcanti abordou um tema com o qual tenho tentado contribuir e, com muita propriedade, falou a respeito da questão racial, enfocando a ascensão do negro na classe média. S. Exª fez a sua explanação baseando-se em dados concretos e também abordou a questão social. Eu diria que há um componente racial ainda forte, no qual eu colocaria um peso maior do que o que S. Exª colocou na questão social, mas, de qualquer forma, temos concordância quanto a essa ascensão.

A sociedade brasileira vai clareando essa situação de raça. Não quero negar os avanços, pois também acredito neles - eles são perceptíveis, concordo com V. Exª -, mas eu diria que houve um processo acumulativo ao longo desses 500 anos.

A escravidão foi uma marca muito forte - e o Brasil foi o último País a aboli-la - e um dado econômico. Sua extinção não ocorreu por uma questão humanitária, mas, a meu ver, econômica. Na verdade, a Inglaterra já tinha produção suficiente para ser vendida em outros mercados, mas, como escravos não compravam, foi preciso libertá-los para que houvesse mais consumidores com potencial de compra. Então, esse é um dado da questão racial.

Num aparte que fez ao discurso de V. Exª, outro Senador abordou a propaganda positiva e a venda de cosméticos para o consumidor negro. Esse dado econômico está modificando e acelerando o processo.

Durante longo tempo, o mundo cristão procurou justificar a escravatura com a alegação de que o negro não tinha alma. Então, somos fruto, em parte, desse processo e recebemos essa formação cultural.

O Senador Reginaldo Duarte comentou comigo, enquanto ouvíamos o discurso de V. Exª, muito bem elaborado, que, na verdade, o cinema contribuiu para a diminuição do impacto acumulado durante todos esses anos.

V. Exª também lembra que o estabelecimento de cotas acelerou o processo. Pessoalmente, não gostaria de que as cotas existissem, mas as defendo porque entendo que, para diminuir essa diferença, ainda são necessárias. E elas por si também revelam que a discriminação é um fato concreto. Portanto, as cotas acabam sendo um instrumento de conscientização para essa discussão.

Concedo o aparte, com muito prazer, ao Senador Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Senador Eurípedes, comentei com a Senadora Heloísa Helena que me apressei em fazer esse registro, após ler o artigo da Época, porque, embora tendo a pele branca, tenho sangue mestiço - a minha bisavó paterna era negra - e porque, como médico e como uma pessoa que leva muito em conta o aspecto humano, entendo que devemos discutir o problema de maneira transparente. Na verdade, quando só o negro defende o problema, às vezes, os de pele clara não se envolvem e não se sensibilizam com a sua existência real. Concordo com V. Exª quando diz não é somente o aspecto social efetivamente que marca a questão, embora seja basicamente ele. Não sei de quem é a frase que diz que só vai preso neste País quem é preto, pobre e prostituta. Por quê? Porque esses três estão na camada social mais pobre e indigente. Muitas vezes, eles são obrigados a delinqüir por necessidade. E, em delinqüindo, é mal defendido desde o momento em que é preso, desde o momento em que responde a processo. Temos realmente que inverter esse aspecto social de maneira ampla. Embora eu entenda que o carro-chefe seja a educação, e defenda, como V. Exª, a questão das quotas como necessárias durante um momento, para provocar o equilíbrio necessário, temos que colocar esse assunto na pauta de maneira permanente, para que possamos ter o envolvimento de todos os brasileiros e, como referi no meu pronunciamento, atingir dentro em breve aquilo que Gilberto Freyre falava: uma verdadeira democracia racial.

O SR. EURÍPEDES CAMARGO (Bloco/PT - DF) - Agradeço a V. Exª pelo aparte, incorporando-o ao meu discurso. Estamos contribuindo com este processo e não há divergência em nossos pontos de vista. Ao contrário, estamos comungando essas idéias nessa questão.

Eu gostaria de aproveitar o momento para abordar as reformas previdenciária e tributária.

O Distrito Federal, notoriamente, é composto fortemente de servidores públicos nas suas estruturas e na sua economia. Desta Unidade da Federação, quem não é servidor público tem um parente servidor público. Eu mesmo, a minha mãe que foi servidora pública.

Durante a discussão dessas matérias, temos visto por parte da população uma compreensão e uma credibilidade em relação ao Senado, pela forma transparente com que os assuntos foram tratados, permitindo a participação da sociedade. Percebo esse sentimento ao andar nas ruas, não somente no trajeto de casa para o Senado, mas no dia-a-dia, na minha convivência como morador desta cidade. Há uma compreensão da posição dos Senadores, dos políticos, ao trabalhar essa matéria com seriedade, essa imagem que está sendo passada para a opinião pública. Reforço esse dado que é concreto. Acredito que na medida em que se forem consolidando o que decidirmos, que for votado e transformado em lei, com certeza esse reconhecimento irá se ampliando. Não tenho dúvida disso. Portanto, parabenizo a população.

Concedo um aparte ao Senador Augusto Botelho.

O Sr. Augusto Botelho (PDT - RR) - Nobre Senador Eurípedes, o tema que V. Exª aborda, todos nós participamos e apoiamos. Sabemos que essa vergonhosa desigualdade social que existe em nosso País, essa distância entre os mais pobres e os mais ricos só vai diminuir quando medidas desse tipo - como essa de combate à corrupção que o seu Partido está adotando - forem adotadas. Agora, a outra medida é investir em educação. Temos que encontrar um meio de aumentar as verbas para a educação. A única forma que existe de a pessoa ascender na escala social é por meio da educação. Não podemos, por exemplo, incluir na classe média, por causa da inflação, os mais pobres. Não é este o caminho. Temos que fazer aumentar a classe média do País investindo na educação e combatendo a corrupção. Nós todos no País somos favoráveis a uma política positiva em relação aos negros, mas é preciso chegar-se a uma forma, porque eu também vou querer a cota dos meus índios. No meu Estado são os índios. Já temos na nossa universidade em Roraima uma cota para os indígenas, mas no resto do País não. Se sair daqui uma lei neste sentido - uma lei de cota para negros -, a ela vou atrelar também os meus indígenas. Mas, o que acredito que vai resolver mais logicamente, sem dizer se é índio ou se é negro - também sou descendente de negro, de índio, sou um brasileiro, já estou numa geração mais adiantada de brasileiros que a de vocês - é investir na educação. Precisamos começar a falar mais e mais em educação e conseguir dinheiro para nela investir. Aquela idéia do Ministro de fazer escola em tempo integral para as crianças é uma forma de criarmos novos cidadãos. Se o aluno passar o dia na escola, em vez de ficar na rua, vai estudar mais, vai receber mais orientação. Não que a família não seja responsável pela educação moral do seu filho, mas os pais e as mães têm que trabalhar hoje em dia. Congratulo-me com V. Exª e reafirmo minha posição favorável à sua tese, e lhe convoco para lutarmos - sei que V. Exª é um dos Senadores mais voltados para a educação nessa região - no sentido de conseguirmos mais dinheiro para a educação, diminuindo essa injustiça.

O SR. EURÍPEDES CAMARGO (Bloco/PT - DF) - Agradeço o aparte de V. Exª. É muito importante a educação no processo de formação e avanço social do País. Não tenho dúvida também sobre isso. Do ponto de vista pedagógico e metodológico, precisamos também pensar nessa educação. O Brasil, que é este continente que tem várias situações do ponto de vista geográfico, econômico e tecnológico, precisa de uma educação também identificada com a vocação das suas regiões. Não se pode dar o mesmo tratamento pedagógico ou igual conteúdo a um centro de desenvolvimento industrial que se dá a uma zona de produção agrícola ou extrativista. Para cada situação, o método e a pedagogia têm que estar apropriados, senão desassocia e não atinge o objetivo. A educação tem que ter também um endereço certo para que possa ter o resultado positivo que se espera.

Encerro as minhas palavras, agradecendo a oportunidade. Com certeza, Brasília, como de resto o Brasil, com essa posição que estamos tomando de trabalhar de forma independente do calendário que está colocado - e com este Plenário, eu não diria cheio, mas com um número além do necessário para que possamos cumprir a nossa missão - se engrandece. A população brasileira vê com bons olhos essa disposição e essa posição que o Senado da República toma neste momento.

Muito obrigado a todos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/12/2003 - Página 40301