Discurso durante a 179ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre a redução da maioridade penal.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • Reflexão sobre a redução da maioridade penal.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 08/12/2003 - Página 40303
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • ESCLARECIMENTOS, COMPLEXIDADE, PROPOSTA, REDUÇÃO, LIMITE DE IDADE, IMPUTABILIDADE PENAL, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, ENTIDADE, RECUPERAÇÃO, AGRAVAÇÃO, VIOLENCIA, CONDUTA, MENOR.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sei que o tema é extremamente importante, nem caberia um registro rápido, mas é evidente que me sinto na obrigação de fazê-lo. Vou voltar a este tema na Casa. Antes, eu gostaria apenas que ficasse bem registrado nos Anais do Senado que estou aqui cumprindo minha obrigação, até em solidariedade também aos servidores da Casa. Não estou aqui para “ajudar” na tramitação da PEC 77, até porque nela efetivamente não acredito e respeito profundamente...

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Mas também não está para atrapalhar. Não está para ajudar mas não está para atrapalhar.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Eu tenho que cumprir minha obrigação, os servidores estão na Casa. Então, sinto-me na obrigação de estar aqui. Mas o tema que me traz à tribuna é o da redução da maioridade penal. O Senador Eduardo Siqueira Campos, a Senadora Patrícia Saboya, o Senador Magno Malta e vários Senadores também já tiveram oportunidade de abordar essa questão.

Sei que existem muitos corações de mães e pais, espalhados pelo Brasil, que ficam profundamente sensibilizados com este debate, especialmente aqueles que, infelizmente, vivenciaram uma tragédia particular, uma tragédia familiar, em que viram seus entes queridos serem assassinados. Eu já tive uma perda familiar muito grande, pois meu irmão mais velho foi assassinado covardemente. Sei que para essas pessoas que estejam sentindo diretamente essa dor, com certeza, fica muito difícil, de alguma forma, refletir sobre uma situação distinta.

Além de trotskista por convicção ideológica, sou cristã e sempre tive, inclusive na minha experiência de casa, Senador Eduardo Siqueira Campos, o hábito de, antes de analisar ou julgar o outro, me colocar no lugar do outro. Fazer esse exercício de se colocar no lugar do outro para, de alguma forma tentar sentir a dor que o outro sente é algo que nem sempre conseguimos, mas é um exercício que todos temos obrigação de fazer. No dia em que o pai de uma jovem assassinada esteve aqui na Casa, acompanhando o Senador Magno Malta - refiro-me àquele dramático e terrível caso que teve muita repercussão pública, embora saibamos que muitos outros casos acontecem diariamente, sem necessariamente ocuparem um espaço grande nos meios de comunicação -, tive a oportunidade de conversar com ele e dizer-lhe a minha opinião sobre esse fato, até porque é um debate que está realmente nos meios de comunicação.

Há pessoas que, por convicção, por concepção entendem que deve haver redução, mas também há outras que, até para se identificarem com o momentâneo senso comum, às vezes até por demagogia, tentam de alguma forma garantir a paternidade desses assuntos que estão nos meios de comunicação. É sempre mais difícil defender uma determinada concepção, que acaba por se chocar com o senso comum, com a vontade da maioria da população, mas acho que temos obrigação de fazê-lo. Quando temos uma concepção programática diferente daquela que é alardeada pelos meios de comunicação, por setores importantes da sociedade, como a panacéia a resolver todos os males, acho que é fundamental que expressemos nossa opinião também. Primeiro, é importante que deixemos claro que essas crianças que não estão na chamada maioridade penal, de fato, quando cometem crimes hediondos, quando cometem crimes contra a vida, ficam privadas de liberdade. Se cometem com 14 anos, 15 anos, ficam privadas de liberdade até atingirem 21 anos. Infelizmente, esses chamados centros de recuperação, de recuperação nada têm.

Veja a gravidade do problema, Senador Paim. O fato de uma sociedade não conseguir recuperar o seu jovem. em 6 ou 7 anos de reclusão, porque os chamados centros de recuperação, muitas vezes, igualmente, ensinam a ser introduzidos na marginalidade, como os presídios de forma em geral, não pode ser considerado como uma coisa qualquer. O que se passa à opinião pública é que esse jovem, muitas vezes, foi tragado pela marginalidade como último refúgio; muitas vezes não conseguiu respeitar as normas estabelecidas na vida em sociedade; muitas vezes não teve a estrutura familiar; a pobreza, a miséria, a humilhação, o desemprego, o sofrimento, o jogou na marginalidade como último refúgio Não dizemos isso como desculpa, porque nem todas as crianças e jovens pobres do País estão indo para a marginalidade como último refúgio. Muito pelo contrário, muitos estão efetivamente resistindo a um mundo individualista, a um mundo consumista, onde você vale pelo que ostenta. Muitas crianças acabam indo para a marginalidade para poderem ser aceitas nessas normas estabelecidas na vida em sociedade, para usar o vestuário que o faz ser aceito, possuir o bem que o faz ser aceito pela sociedade.

Este é realmente um debate de alta complexidade. Essas crianças de 13, 14 15 ou 16 anos, mesmo aquelas que estão “protegidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente”, se submetem à privação de liberdade nos centros de recuperação. Então, se hoje uma criança pratica um crime contra a vida, fica sem a liberdade dentro desses centros de recuperação, que são experiências terríveis. Então, prisioneiros nos cárceres, ou nas penitenciárias, ou nesses centros de recuperação, temos que refletir sobre quais os mecanismos para recuperação dessas crianças e desses adolescentes.

Hoje, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, se o jovem praticar crime contra a vida , fica privado da liberdade até completar 21 anos. Então, se cometer um delito com 14 anos, até 21 anos fica privado de liberdade nos chamados Centros de Recuperação que, infelizmente, não recuperam nada essas crianças. Então, é completamente diferente.

Algumas pessoas argumentam que se deve diminuir a maioridade penal para que esse jovem saiba o que lhe pode acontecer. Ora, imagine alguém num país como o nosso, um filho da pobreza, não saber o que lhe pode acontecer se praticar um crime. É possível muitos filhos das classes privilegiadas acharem que podem matar e roubar sem correr nenhum risco. Muitos desses filhos das classes sociais importantes matam sem risco, sem temor, sem perigo, porque acham que suas famílias terão bons advogados e que os livrarão rapidamente. O filho da pobreza, não. Quando ele vai para uma situação como essa, ele já viu os seus amigos serem assassinados, os seus amigos sumirem, ele já teve o relato dos centros de recuperação e das cadeias, do espancamento, do abuso sexual, da utilização absolutamente inimaginável dessas crianças e desses adolescentes pobres.

Então, diminuir a maioridade penal, considerando que levará a um maior temor por parte dessas crianças, efetivamente não resolve, porque o filho da riqueza mata e rouba sem temor, sem risco e sem perigo, porque sabe que terá um bom advogado para protegê-lo. Já o filho da pobreza, não, porque o Estatuto não o protege. Se ele mata ou comete um crime com menos de 18 anos - com 13, 14, 15, 16 ou 17 anos -, fica privado da liberdade nos tais centros de recuperação.

Esse é um debate de alta complexidade e é evidente que mexe com o imaginário da criança - se a criança ou o adolescente é, ainda, criança ou adolescente; se consegue ou não planejar, controlar os seus impulsos.

Imagino a dor e o sofrimento de um pai ou de uma mãe que perde a sua criança ou o seu filho querido, assinado por um adolescente. Deve ser uma dor gigantesca. Imagino se eu tivesse uma filha - não tenho nenhuma menininha - e visse a minha menina ser estuprada e assassinada! É realmente de cortar o coração de uma mãe ou de um pai.

Mas, mesmo entendendo que determinadas medidas e discussões que fazemos vão contra aqueles que apresentam a redução da maioridade como uma panacéia para resolver todos os males, sinto-me realmente na obrigação de fazer esses esclarecimentos e de entrar no debate.

Obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/12/2003 - Página 40303