Discurso durante a 179ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem pelo transcurso dos 27 anos da morte do ex-Presidente João Goulart.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem pelo transcurso dos 27 anos da morte do ex-Presidente João Goulart.
Aparteantes
Heráclito Fortes, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 08/12/2003 - Página 40307
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, JOÃO GOULART, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, OPORTUNIDADE, DEFESA, ELOGIO, DIGNIDADE, CONDUTA, VIDA PUBLICA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs.Senadores, completou 27 anos a morte de João Goulart, o único Presidente da República brasileira que morreu fora da sua pátria. Não lhe deram o direito de voltar ao País para sepultar a mãe nem para aqui morrer.

João Goulart, ainda não tem uma biografia que lhe faça justiça. Sabemos que a História escreve a fase dos vencedores; a história dos vencidos é muito difícil aparecer, leva tempo para aparecer. João Goulart foi um homem de bem. Quando Getúlio Vargas foi apeado do Governo e se auto-exilou em Itu, fazenda do Rio Grande do Sul, João Goulart, ainda muito jovem, colocou-se à disposição dele e, praticamente, o serviu como amigo fidalgal durante todo aquele período.

João Goulart foi Ministro do Trabalho de Getúlio Vargas e conseguiu a antipatia dos militares porque determinou o aumento do salário mínimo, atendendo a um apelo das lideranças sindicais. O aumento do salário mínimo saiu, mas os líderes, os coronéis, exigiram a demissão de João Goulart, e ele foi demitido do Ministério do Trabalho. Mais adiante, Juscelino chegou à Presidência da República, exatamente em decorrência de um acordo com João Goulart, que ocupou a vice-Presidência. Jango foi vice-Presidente de Juscelino e, cinco anos depois, foi reeleito vice-Presidente com Jânio Quadros, em oposição a Juscelino. Estava na China desempenhando uma missão oficial, quando Jânio renunciou. Então, os militares se constituíram numa Junta Militar, impedindo Jango de assumir a Presidência e, sequer, de voltar ao Brasil. O chamado Movimento da Legalidade, que teve um Governador do Rio Grande do Sul à frente, empolgou a Nação e foi um dos poucos movimentos de que se tem conhecimento na História deste País no qual os militares foram derrotados. Eles tiveram de se recolher e entregar a Presidência a João Goulart. É verdade que não fizeram isso tranqüilamente. Antes, o Congresso Nacional estabeleceu o parlamentarismo numa votação relâmpago. Tancredo Neves, Primeiro-Ministro, estava desenvolvendo uma atividade importante e fez um belo trabalho, mas Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda, que iriam disputar as eleições de 1965, fizeram movimento para derrubar o parlamentarismo. Para iniciar esse movimento, como havia eleição para Deputados e Senadores, votaram uma emenda na qual estabelecia que os Ministros para serem candidatos a Deputado tinham de deixar o Ministério, como acontece hoje. Naquela época, estava em vigor o parlamentarismo, em que o Primeiro-Ministro integrava o Parlamento, mas obrigaram Tancredo Neves, que desejava candidatar-se a Deputado, a deixar o cargo de Primeiro-Ministro, e todo aquele seu Gabinete excepcional, diga-se de passagem, caiu.

Aprovado o presidencialismo, Jango assumiu e apresentou a sua plataforma, a chamada Reformas de Base. Assumiu com homens como Carvalho Pinto, Ministro da Fazenda, que não inspirava nenhum cuidado, San Thiago Dantas, um dos homens mais dignos e competentes deste País. Assumiu apresentando pela primeira vez o programa da Sudene e o primeiro Plano Trianual, com uma proposta coerente, concreta para o Nordeste. Celso Furtado foi o Ministro do Desenvolvimento, criou a Sudene e apresentou o Plano Qüinqüenal para equacionar os problemas do Brasil.

Infelizmente os militares, de um lado, e a Igreja Católica, do outro, fizeram um movimento popular de tal ordem e de tal grandeza que o povo saiu às ruas e os militares também. E Jango foi obrigado a renunciar para evitar uma guerra civil. Estranho destino esse dos dois amigos filhos de São Borja: os dois poderiam ter chefiado uma guerra civil, mas um preferiu a renúncia; o outro, o suicídio, para que o Brasil não fosse lançado na guerra civil. Jango renunciou, foi para o exterior e lá ficou até a morte.

Houve uma gama de protestos, de escândalos e de mentiras apresentada pela chamada revolução. Diziam que João Goulart era o maior proprietário de terras do mundo e que, desde que ele tinha assumido a Presidência da República, comprava uma fazenda por dia. Essas eram as manchetes diárias dos jornais do Rio e de São Paulo. Não haviam desmentidos, uma vez que eram proibidos. A censura era total, e a defesa dele, impossível.

Morreu João Goulart. Os representantes da revolução, da ditadura não queriam deixar nem que seu corpo viesse ao Brasil. Nós, junto com o MDB do Rio Grande do Sul, fizemos um movimento e afirmamos que iríamos a Uruguaiana e ele viria. Aí o governo militar concordou, dizendo que podia vir, mas tinha de ser em carro a 140 km por hora e, chegando, deveria ser enterrado imediatamente no Cemitério de São Borja.

Ele veio realmente a 140 Km por hora, passou por Uruguaiana quase causando acidentes, quase atropelando o povo que estava na rua esperando, e chegou em São Borja. Embora os militares tivessem um contingente de não sei quantos mil homens, incluindo os militares dos quartéis de Alegrete, de Uruguaiana, de Santiago, enfim de toda aquela região, ocupando militarmente São Borja, o povo estava na rua. Milhares e milhares de homens, mulheres e crianças estavam na rua. O caminhão não pôde parar e foi correndo em direção ao cemitério.

Fizemos um acordo simpático com que o próprio padre concordou. A igreja estava fechada. Não tinha absolutamente nada. Quando o carro passou em frente à igreja, a população fechou-o, pegou o caixão e a igreja se abriu. Ela estava lotada. Lá estavam, inclusive, a esposa e a irmã do Dr. João Goulart - esta, esposa do Dr. Brizola -, autoridades as mais variadas, o Dr. Tancredo Neves. Lá estávamos nós para lhe prestar nossas homenagens.

Entraram com o corpo na igreja, o padre concordou e ele foi velado.

Um general procurou-me, eu era Presidente do Partido, para me dizer que a condução do corpo até o cemitério deveria ser rapidíssima, dentro do possível. O povo pegou o caixão do Dr. João Goulart e o carregou pelos quilômetros que separavam a igreja do cemitério. Chegando lá, além do povo, havia uma grande quantidade de militares. Estes não queriam permitir que se prestasse uma última homenagem ao Sr. João Goulart.

Falei eu. Tomei a palavra como Presidente do Partido e prestei homenagens a João Goulart. Quando terminei de falar, passei a palavra a Tancredo Neves, Vice-Presidente do PMDB nacional, que dizia que, como representante do Partido, como Primeiro-Ministro de João Goulart e como Ministro de Getúlio Vargas, ali estava para prestar-lhe as últimas homenagens.

Foi um movimento impressionante. De um lado, a maldade, a firmeza, a covardia dos que estavam no poder, impedindo que o povo pudesse se expressar; de outro lado, um povo, pacífica e ordenadamente, querendo se manifestar.

Na missa de 7º dia, na catedral de Porto Alegre, não nos queriam deixar realizar a celebração. Havia um “mar de gente” na frente da igreja. Vieram as tropas militares do Exército, cercaram a catedral e as pessoas correram para dentro da igreja. Ao que sei, essa foi a primeira e única vez que as tropas militares entraram na catedral e bateram nos estudantes. Mesmo assim, a missa foi realizada e o Arcebispo Dom Vicente Scherer rezou em homenagem a João Goulart.

Passados esses anos, a Câmara Federal publicou a conclusão sobre a Operação Condor. A Comissão Especial criada por aquela Casa chegou à conclusão de que existem vestígios imensos de que havia essa Operação Condor, para matar Jango, Juscelino e Carlos Lacerda - os três, casualmente, morrendo em situação estranha. Até hoje, não se explicou direito o acidente de Jango. Até hoje, não se explicaram direito as condições da morte de João Goulart, na sua fazenda na Argentina.

A grande verdade é que venho a esta tribuna como um homem que tem um profundo respeito pela memória de João Goulart. Reconheço que João Goulart não era um estadista como Juscelino ou como Getúlio Vargas. João Goulart jamais quis ser Presidente da República e isso é muito interessante de ser analisado. João Goulart era um homem político, era um chefe político, era o Presidente do PTB e tinha muito orgulho disso. Tinha orgulho de exercer, em nome de Getúlio, a coordenação política das forças populares. Aceitou ser candidato à Vice-Presidência porque, desempenhando esse cargo, avançaria com o PTB, que cresceu enormemente no período em que foi Vice-Presidente. Nunca passou pela cabeça de Jango ser Presidente da República.

Quando Juscelino terminou seu mandato, havia um movimento enorme, inclusive com apoio do próprio Juscelino, para que Jango fosse candidato a Presidente da República, juntamente com Oswaldo Aranha. Jango não aceitou e continuou na vice. Ele não foi vice, como pode parecer aqui, de Jânio Quadros. Não. Ele foi vice de Lott, que era o candidato do PTB e do PSD. O General Lott era o candidato à Presidência da República e Jango era o seu vice. Jânio Quadros tinha como vice Fernando Ferrari, de um lado, e Milton Campos de outro.

Lamentavelmente, àquela época, a eleição era feita individualmente. Votava-se em um Presidente e em um Vice, que poderiam ser de lados diferentes, pois a cédula era individual. Ganharam Jânio Quadros e Jango. E Jango exerceu a Vice-Presidência da República, nunca, repito, pensando em ser Presidente. Chegando lá, é claro que Jango não tinha plano para ser Presidente, não tinha proposta para isso. Não pensava em ser Presidente, mas chegou à Presidência e a cumpriu com a maior dignidade, com o maior respeito e com a maior seriedade.

Em 1954, houve uma onda de escândalos contra Getúlio Vargas e o que se falava a respeito de sua fortuna, das suas roubalheiras e bandalheiras era incomensurável. Getúlio Vargas morreu e até hoje não se tem uma vírgula contra a sua dignidade. Está provado que o Dr. Getúlio era um padrão de dignidade, seriedade, austeridade e honestidade. No seu testamento, ele deixou para os seus filhos menos do que recebeu do pai, que era um fazendeiro riquíssimo da fronteira. Quando Getúlio Vargas morreu, depois de ser Presidente da República por 20 anos, os seus filhos herdaram menos do que, sozinho, ele herdou do pai. Com Jango ocorreu a mesma coisa.

Quando espalharam que Jango tinha um “mar de fazendas”, o seu primo-irmão, o Deputado Marcelino Goulart Loureiro, e eu, Presidente do Partido, fomos a Montevidéu, onde estava Jango. Jango foi a um cartório de registro de documentos e registrou uma operação em causa própria ao Presidente da revista Time-Life, comprometendo-se a vender por US$1 qualquer fazenda ou qualquer extensão de terra que tivesse comprado quando no exercício da Presidência da República. Fez isso porque a revista publicou, e os jornais daqui reproduziram em manchetes de capa inteira, que ele era o maior proprietário de terras do mundo e que, quando Presidente da República, havia comprado uma fazenda por dia. A publicação foi feita e eu a li da tribuna da Assembléia Legislativa.

Aliás, pretendo publicar os meus pronunciamentos da tribuna da Assembléia Legislativa. Muitas pessoas me contam que aqueles fatos que aconteceram, inclusive na época em que o Congresso Nacional e as Assembléias Legislativas do Brasil inteiro foram fechados. Apenas a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul ficou aberta. Publicarei os pronunciamentos que fiz, como o discurso em que denunciei que havia ido até o Sr. Breno Caldas, à direção de O Globo e à direção de O Estado de S.Paulo levando a cópia do documento para que fosse publicado. Eles tinham obrigação de publicar, afinal tinham dito que o Presidente havia comprado uma fazenda por dia. Tinham obrigação de publicar até para que as pessoas que tivessem conhecimento procurassem averiguar e denunciar o fato.

Vou publicar os pronunciamentos da Assembléia porque daquilo não saía uma palavra, em lugar nenhum. Era proibido e não se podia citar.

Acho que João Goulart, repito, não queria ser Presidente, mas cumpriu seu mandato com dignidade. Buscou, em meio àquela gente do PSD e àquela enormidade de pessoas que estavam à procura de um caminho, naquela luta surda que havia entre Juscelino Kubitschek, querendo regressar, e Lacerda, que já tinha derrubado três e queria que chegasse a vez dele, desempenhou com grande dignidade o seu papel e com muito respeito a sua missão. Por isso eu lamento quando vejo a imprensa publicar notas geralmente negativas sobre o Sr. João Goulart. Em 61, se dependesse de Brizola... Jango não aceitava o parlamentarismo, e se Jango não aceitasse o Parlamentarismo, a legalidade continuaria e seria uma guerra civil entre as tropas que defendiam a legalidade, Jango, presidente no regime presidencialista, e as tropas que queriam o parlamentarismo. Quatro anos depois, quando ele foi apeado do governo, uma das páginas mais escandalosas da política brasileira, o Sr. Auro de Moura Andrada, da tribuna do Congresso Nacional, declarava vaga a presidência da República porque o Sr. João Goulart encontra-se em lugar incerto e não sabido. João Goulart estava em Porto Alegre. Estávamos reunidos ali o Ministro Ladário, que ele tinha nomeado Ministro da Fazenda, ele e grande parte do seu ministério, exatamente ali, o Dr. Brizola e várias outras pessoas que queriam que ele, tendo as tropas gaúchas à frente, voltasse para o Brasil e resolvesse enfrentar. 

Eu estava na casa do Comandante do III Exército, criança ainda, Deputado de 20 e poucos anos que tinha recém-assumido, assistindo o desenrolar daquele trabalho. Vi o Dr. Brizola com toda a sua garra exigir: vamos à luta, somos obrigados, não podemos aceitar; nomeie-me Ministro da Fazenda, e o General Ladário Ministro do Exército e nós vamos embora. Quando o Dr. João Goulart chamou o General Ladário, Comandante do III Exército, e lhe perguntou como estavam as tropas no Rio Grande do Sul, o General Ladário respondeu que ele estava firme com o Presidente, mas era obrigado a reconhecer que já não tinham a mesma fidelidade e em vários lugares havia infiltração de pessoas que não estavam com Jango. Ele decidiu viajar para Montevidéu depois que o Auro de Moura Andrade, Presidente do Congresso, declarou vaga a presidência da República porque o Presidente encontra-se em lugar incerto e não sabido. Com essa declaração, ele só tinha duas saídas: a luta armada em direção à Brasília, ou o que ele preferiu, o exílio. Não sei o que teria sido do Brasil sem estes dois fatos passados em 54 e, dez anos depois, em 64 quando dois brasileiros, gaúchos, filhos de São Borja, da mesma cidade, um preferiu a morte e o outro preferiu o exílio a uma guerra civil.

Analisando hoje à distância, com frieza, vendo a facilidade com que em 1964 eles tomaram conta de tudo, e o tempo enorme que levamos para voltar, vejo que eles agiram com amor a seu País. Não foi medo que fez com que um homem como Getúlio Vargas, que chefiou uma revolução com coragem, ao final da sua vida comandasse uma guerra civil; mas ele achou que o melhor não era uma guerra civil. Foi um suicídio heróico, uma das nossas páginas mais bonitas porque não se tem antecedente. Olhando para a história mundial é difícil ver alguém que não luta até o fim para ficar no poder. Conheço o suicídio de Getúlio Vargas e a morte cheia de honra e garra do Allende: quando pediram que ele saísse do Palácio que seria bombardeado, ele ficou, não se arredou do lugar em que estava e os escombros caíram sobre sua cabeça.

Sr. Presidente, nosso amigo Fernando Henrique assumiu o poder dizendo que estava morta a Era Vargas e se iniciava ali a Era Fernando Henrique. Mas não sei o que podemos dizer dessa Era Fernando Henrique, que ficou oito anos... Não sei o que foi feito na área social, o que foi feito na área trabalhista, o que foi feito na área de desenvolvimento. Não sei. Foi um presidente a mais que tivemos. Mas a Era Vargas continuou, e o seu pupilo João Goulart, defensor das mesmas idéias, merece o respeito e a admiração do Brasil.

Concedo o aparte, com o maior prazer, ao Senador Paulo Paim.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Pedro Simon, V. Exª passou do tempo em 16 minutos. E ouça bem o que vou dizer, Senador Simon, o Plenário está em silêncio, as galerias em silêncio, eu sem coragem de lhe fazer um aparte, o Presidente Eduardo Siqueira, em nenhum momento, fez soar a campainha; todos aqui estamos admirados pelo seu pronunciamento. Se V. Exª falasse mais 15, 20 minutos, o silêncio seria o mesmo. Faço este aparte muito mais para demonstrar o meu respeito à sua história, que se confunde com a própria história do povo brasileiro. V. Exª falou de homens de que jamais iria me esquecer, mas aqui, neste momento, num domingo, às 12h16min, digo também que a sua história é tão bonita quanto a desses homens que V. Exª trouxe aqui para alegria do nosso Plenário; histórias bonitas. Confesso que, ontem, à noite, eu estava em casa e assisti a um debate entre V. Exª e o Senador Efraim Moraes, ex-Presidente da Câmara dos Deputados, e percebi, num certo momento, que V. Exª faz um desafio ao Senador Efraim Morais, deixando ao País exposta a sua própria história. V. Exª dizia: “Se a PEC 77 não for aprovada, eu, que tenho décadas e décadas de história de construção neste País, vou à tribuna dizer que me fizeram de bobo”. O Senador Efraim Morais, com a mesma grandeza, disse: Se ela for aprovada - porque esse era o objetivo dos dois Senadores em debate ontem -, eu irei à tribuna elogiar o Governo”. Senador Pedro Simon, quero concluir dizendo: no momento mais difícil dessa votação, V. Exª, sem sombra de dúvida, foi um grande conselheiro de todos nós. Vamos buscar o caminho do possível, vamos buscar um caminho que seja efetivamente a garantia para os servidores. V. Exª apostou muito também nesse momento, por isso faço o meu pronunciamento muito mais numa homenagem a V. Exª. A história de João Goulart, de Getúlio Vargas, de Juscelino e de tantos que poderíamos citar se confunde com a sua própria história. Eu me sinto feliz por estar aqui, com 53 anos, tendo a oportunidade de fazer um aparte a um político do brilhantismo e da história, que aqui ninguém precisa repetir, de V. Exª. Estou orgulhoso de o Senador Pedro Simon ser Senador do Rio Grande do Sul e, sem sombra de dúvida, o Senador do País. Um abraço a V. Exª.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Sr. Presidente, há uma maneira de eu sair daqui sem descer a escada? Porque eu perdi a graça.

Agradeço do fundo do coração as suas manifestações. Não quero trocar figurinhas, mas, na verdade, V. Exª tem um conceito formado na história deste País; um homem simples, um homem de cor, que foi chegando devagarzinho. De certa forma, as pessoas não lhe davam muito crédito; consideravam-no um apaixonado que defendia as bandeiras dos trabalhadores, que eram bandeiras eleitorais. Com o tempo, V. Exª transformou-se em porta-voz, no Congresso Nacional, das causas sociais, exatamente pela luta, pela garra e pela coragem de defendê-las acima de tudo e de todos. E passou a ser a referência nº 1 do social no Congresso Nacional.

Senador Paulo Paim, quando V. Exª se candidatou ao Senado, algumas pessoas me disseram o seguinte: “Não vai ganhar. É uma bela pessoa, formidável, mas só fala sobre salário mínimo e trabalhador. Como conseguirá ganhar?” Na verdade, o norte do pronunciamento de V. Exª na campanha foi o salário mínimo e o trabalhador, mas as pessoas se enganaram. A maneira como abordou a questão, como o nosso problema, emocionou toda a sociedade. Nem o seu Partido imaginava que V. Exª iria ganhar. Na verdade, sua campanha solitária teve uma vitória de mérito extraordinário. V. Exª escreveu uma página para todos nós aqui no Congresso Nacional. O que estava acontecendo era o normal: quem é a favor é a favor; quem é contra é contra.

Quem é contra estava vivendo um grande momento. O PSDB e o PFL viveram um grande momento. Cá entre nós, a situação do PT, de passar oito anos batendo no PSDB, contra tudo o que está aí e, depois, assumir o Governo e apresentar a mesma coisa é uma situação... O PSDB e o PFL foram até elegantes, usaram muito pouco o que poderiam usar. O PT ficou naquela posição. Com todo o respeito que tenho ao PT, o Partido não tinha o direito de não dar às Lideranças e a pessoas como V. Exª uma saída para a questão.

É evidente que sabemos que um partido de governo é diferente de um partido de oposição. No Rio Grande do Sul, dizia-se que não há nada mais igual a um chimango do que um maragato no poder. Quer dizer, uma pessoa de um partido faz exatamente o mesmo que seu adversário político quando assume o poder. A rigor, foi o que aconteceu.

Nesse momento, quando houve a vitória espetacular, a avalanche do Governo, entra V. Exª. Desde o início, as manchetes estampavam que V. Exª estava a caminho da expulsão. Lembro-me que um Líder importante disse que V. Exª já deveria ter saído, que estava demorando para sair. V. Exª, com sua elegância, disse: “Em primeiro lugar, quero deixar claro que o PT não vai passar pelo desconforto de pedir minha expulsão, porque, se eu achar que essa é a vontade do PT, saio antes. Terei a tranqüilidade de sair antes, e o PT não terá esse desconforto”.

Mas V. Exª continuou, pois estava no caminho certo. E muitas pessoas, como eu, ficaram do seu lado. V. Exª passou a ser uma referência. Deve ficar aqui registrado que, de um lado, estava a Oposição; do outro, o Governo; e do outro, o Sr. Paim, que poderia ter derrotado aquela emenda. O Governo fez até um gesto de grandeza, mas não foi algo gratuito, pois poderia perder sua emenda. Em determinado momento, o Senador Paim tinha uma representação que poderia derrotar a emenda do Governo. Então, o Governo, tática e estrategicamente, com inteligência, recuou. E o que fez o Senador Paulo Paim? Dialogou.

            Hoje, estamos aqui, neste domingo - são 12h24min -, e os nossos amigos que estão nos assistindo pela TV Senado devem estar almoçando. Desejo-lhes uma boa refeição. Não posso dizer, como diz o Lula, que todos estão comendo. Alguns não estão comendo, porque o Fome Zero ainda não chegou lá, mas podemos dizer que o trabalho que estamos fazendo aqui, com muita alegria, vai levar a algo positivo.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - O que seria algo positivo? A perspectiva de, não podendo conseguir cem, conseguir trinta. Quer dizer, vai conseguir um trabalho importante, e esse é o mérito de V. Exª. Estamos aqui passando por cima. O Governo não aceitaria qualquer reparo à emenda principal - é isso que os Parlamentares não entendem -, porque não admite que o Senado tenha a coragem de emendá-la e fazê-la voltar para a Câmara. No entanto, tiveram de aceitar a emenda paralela, que, no futuro, poderá ser uma fórmula útil. E poderemos usá-la novamente, da mesma maneira como o fazemos agora. Quem sabe não estamos abrindo agora um precedente? Daqui a um ou dois meses, o Governo poderá apresentar nova matéria para ser votada imediatamente. E se nós não quisermos, será necessário firmar um compromisso no qual precisamos acreditar: vamos apresentar essa aqui, que também terá de ser aprovada.

Esse é o mérito de V. Exª. Tenho muita honra de tê-lo como Colega. Dificilmente o Rio Grande do Sul poderia ser tão bem representado como com V. Exª, meu querido amigo, e o Senador Sérgio Zambiasi, cada um ao seu estilo.

Concedo o aparte ao Senador Heráclito Fortes.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Senador Pedro Simon, a partir de agora, vou tentar compor aqui no Senado uma brigada em defesa das sessões aos sábados e domingos. Como V. Exª acabou de dizer, são 12h25min. V. Exª já ultrapassou 26 minutos do seu tempo, e ninguém reclama, porque estão todos encantados com a aula que V. Exª deu, de passado, de presente e com as perspectivas de futuro apontadas. O pronunciamento de V. Exª está sendo tão ouvido, não só pelos que estão aqui, mas pelo Brasil afora, que o motivo do meu aparte são exatamente dois telefonemas que recebi aqui. Trata-se de admiradores de V. Exª e pessoas curiosas em relação a um ponto do seu pronunciamento. Ao receber o primeiro telefonema, minha intenção era encaminhar-lhe a pergunta na nossa conversa tête-à-tête e transmitir para o curioso o fato histórico citado por V. Exª. No entanto, quando recebi o segundo telefonema, resolvi aparteá-lo, pedindo que esclareça essa dúvida à Nação. Quando V. Exª citou o fechamento do Congresso e das assembléias legislativas, disse que a única assembléia que ficou funcionando foi a do Rio Grande do Sul. E a curiosidade dos que me telefonaram é exatamente saber por quê? E pedem que V. Exª esclareça, para os que não foram contemporâneos dessa história, por que somente a Assembléia do Rio Grande do Sul permaneceu aberta, enquanto as outras foram fechadas. Muito obrigado, Senador.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Veja aqui, Senador, como funcionava na época: era Presidente da República o nosso gaúcho que fechou o Congresso Nacional, nosso segundo Presidente, Costa e Silva. Fechou o Congresso e decidiu fechar as assembléias. O Presidente da Assembléia do Rio Grande do Sul, Valdir Lopes, era primo de Costa e Silva. Quando saiu a notícia de que iria fechar as assembléias, o Sr. Valdir Lopes fez um dossiê e pediu uma audiência com Costa e Silva, que o recebeu, na ante-sala, onde iria reunir-se com o Conselho de Segurança para fazer as cassações. Ficou tão impressionado que chamou alguns militares e ministros seus. Naquela época, falava-se dos escândalos do Poder Legislativo, mais isso, mais aquilo e mais o que acontecia no Rio. O Deputado Valdir Lopes mostrou, então, como funcionava a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul.

Modéstia à parte, ainda hoje, mas principalmente naquela época, era de uma austeridade impressionante. A Mesa era composta só pelo presidente da Assembléia, e o salário era só aquele. Era uma austeridade, que ele ficou impressionado, ficou orgulhoso de ser gaúcho e ver aquilo, quando toda a imprensa só falava mal de político. A minha Assembléia não fechou. Todas as Assembléias, menos a do Rio Grande do Sul, acabaram fechadas. A Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul ficou sendo, durante um longo período, a única casa legislativa aberta no Brasil. Foi lá que surgiu o nosso IEPS; foi lá que fizemos as nossas reuniões do MDB, com Dr. Ulysses, Teotônio,Tancredo. Tudo - Constituinte, anistia - começou na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, porque era a única que estava aberta. Não sei se expliquei, mas foi esse o motivo.

Agradeço a tolerância de V. Exª, que é um jovem e deve entender exatamente o tempo que passamos, por ter vivido esses acontecimentos. Eu era um guri mais moço até que V. Exª quando fiz o pronunciamento em São Borja, ao lado do túmulo de Jango. E, quando terminei, um coronel que estava atrás de mim cochichou-me ao ouvido: o senhor vai se arrepender muito deste discurso. Até agora, não tive motivo, graças a Deus!

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/12/2003 - Página 40307