Discurso durante a 155ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem de pesar pelo falecimento da professora, jornalista, romancista, cronista, teatrologa e acadêmica, Rachel de Queiroz.

Autor
Antonio Carlos Magalhães (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Antonio Carlos Peixoto de Magalhães
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem de pesar pelo falecimento da professora, jornalista, romancista, cronista, teatrologa e acadêmica, Rachel de Queiroz.
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/2003 - Página 35186
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, RACHEL DE QUEIROZ, ESCRITOR, ESTADO DO CEARA (CE), PERSONAGEM ILUSTRE, LITERATURA BRASILEIRA, PIONEIRO, REPRESENTAÇÃO, MULHER, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL), IMPORTANCIA, OBRA LITERARIA.

            O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP. Para encaminhar a votação. Com revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, foi com grande comoção que, nesta manhã, recebemos na Academia, e ainda ali permanece, a nossa escritora Rachel de Queiroz. Acredito que a comoção não é somente da Academia, mas do País inteiro, porque perdemos um símbolo, um ícone, a escritora mais importante do século XX e deste século que se inicia.

            Rachel de Queiroz, sem dúvida, ocupa um lugar definitivo na literatura brasileira. Enquanto existir a palavra escrita e o Brasil tiver a sua história literária, certamente um espaço extraordinário será dado a essa mulher, que, em sua vida inteira, se doou totalmente ao exercício e ao ofício de escritora.

            Rachel foi uma inovadora. Quando, em 1930 - ano em que nasci -, publicava o seu romance O Quinze, que se referia à seca de 1915, ela iniciava um novo ciclo da ficção brasileira, o do romance nordestino, do romance regional, buscando, nas fontes populares, a sua base de trabalho, o barro de sua inspiração.

            Com o fenômeno das secas, a escritora não só abordava um tema específico, como o aproveitava para entrar no sofrimento dos homens, em uma visão do mundo. E através dele, sem dúvida alguma, ela iniciou um processo de renovação, que, a partir daí, se desdobrou em grandes e extraordinários nomes da literatura brasileira.

            Depois, no conjunto desse universo extraordinário que foi e que é o romance do Nordeste, o romance regional, que tanto marcou a nossa literatura, veio José Américo de Almeida, com A bagaceira, vieram José Lins do Rego e Graciliano Ramos, veio Jorge Amado, com esse universo extraordinário de criação pelo qual foi possuído.

            Rachel continuou sua obra de grande escritora. João Miguel foi livro de inspiração política -- porque no princípio da sua vida Rachel foi uma mulher também de vanguarda, que viveu o sonho socialista, que em sua juventude partilhou a utopia. Em seguida publicou outros dois romances Caminho de Pedras, começando a colaboração com seu grande amigo, o editor José Olympio, e As Três Marias

            Rachel de Queiroz entra, então, pelo teatro, escreve peças extraordinárias, que ficaram indeléveis na história da literatura e do teatro brasileiro, reconstruindo a história do Lampião e Maria Bonita: Lampião e Beata Maria do Egito. Nessa última peça ela cria um grande personagem feminino, que é a própria Maria Bonita, reconstruída a partir de sua face, uma imagem iconográfica por todos nós, para ser um personagem com autonomia, que ela teve a oportunidade de criar entre os grandes personagens femininos de sua obra, como Conceição, de O Quinze, que também permaneceu indelével na literatura brasileira.

            Desde cedo Rachel encontrara o jornal. Filha de jornalista e ligada ao ambiente de intelectuais, no jornal ela se realiza como a grande cronista. Diariamente e até o fim da vida, há poucos dias, Rachel ainda exercitava a sua tarefa de cronista. Desde as Cem Crônicas Escolhidas, O Brasileiro Perplexo, até Um Alpendre, uma Rede, um Açude e Cenas Brasileira, são centenas de páginas de uma convivência quotidiana e fiel com o leitor.

            Duas vezes mais Rachel voltou ao romance: primeiro com Dora, Doralina, obra da maturidade; e, já no fim da vida, quando todos os escritores perdem aquela força interior do início de suas carreiras, Rachel chega e nos surpreende com um livro extraordinário, um livro definitivo, que é o Memorial de Maria Moura. Nesse livro, ela consagra a obra de romancista que se estende desde O Quinze, obra inovadora, até o Memorial de Maria Moura, escrito aos 80 anos, uma obra-prima na literatura brasileira.

            Tive a felicidade de, desde os anos 50, tornar-me também amigo de Rachel, na generosidade com que ela recebia os mais jovens para incorporá-los em seu universo sentimental. Universo de mulher inteligente, que tinha o gosto da vida e que tinha amor às letras e amor às palavras, sabendo que, através das palavras, se pode eternizar sentimentos, emoções, enfim, reconstruir o mundo, o mundo da sua arte de escritora.

            Foi com profunda comoção - devo dizer assim - que, há pouco, despedi-me de Rachel, sabendo que ela está na eternidade, não pela sua pessoa, mas pelas suas obras. Como disse, enquanto existir a literatura brasileira, a obra de Rachel de Queiroz estará presente como um dos momentos mais importantes e mais extraordinários da inteligência brasileira.

            Rachel também abriu espaço para as mulheres, e, com essa mesma vocação com que foi inovadora, nos anos 30, com O Quinze, com que nos surpreendeu, nos anos 80, com o Memorial de Maria Moura, ela também abre as portas da Academia. Rompendo a tradição do Século XIX de que as mulheres não podiam entrar nas academias, Rachel entra pela porta aberta por sua grande obra. E, na Academia, ela fica no altar-mor, onde morre um dos ícones maiores da inteligência brasileira.

            Eram essas as palavras que tinha a pronunciar no Senado, ao encaminhar esse voto de pesar, sabendo que esse sentimento não é só meu, mas de toda a Casa e do Brasil inteiro.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/2003 - Página 35186