Discurso durante a 180ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre as decisões da reunião ministerial dos 34 países que discutem a questão da Alca.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMERCIO EXTERIOR.:
  • Considerações sobre as decisões da reunião ministerial dos 34 países que discutem a questão da Alca.
Aparteantes
João Capiberibe.
Publicação
Publicação no DSF de 09/12/2003 - Página 40376
Assunto
Outros > COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • COMENTARIO, REUNIÃO, MINISTRO, AMERICA, DEBATE, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), ENTENDIMENTO, REMESSA, POLEMICA, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), PREVISÃO, CONTINUAÇÃO, BRASIL, LOBBY, MELHORIA, CONTRATO BILATERAL, EXPORTAÇÃO, PRODUTO AGRICOLA.
  • DENUNCIA, UNILATERALIDADE, POSIÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), PROTECIONISMO, MANUTENÇÃO, SUBSIDIOS, CONTRADIÇÃO, PROPOSTA, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), COMENTARIO, DECLARAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), PREJUIZO, BRASIL.
  • DEFESA, DIVERSIFICAÇÃO, COMERCIO EXTERIOR, BRASIL, ABERTURA, ALTERNATIVA, MERCADO EXTERNO.
  • COMENTARIO, PESQUISA, AVALIAÇÃO, RESULTADO, ACORDO DE LIVRE COMERCIO DA AMERICA DO NORTE (NAFTA), AUSENCIA, DESENVOLVIMENTO, PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO, APOIO, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ITAMARATI (MRE), GARANTIA, INTERESSE NACIONAL, INDEPENDENCIA, ECONOMIA NACIONAL.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no mês passado, foi realizada em Miami a reunião ministerial dos 34 países que discutem a Alca. Ao final chegou-se a um entendimento através do qual os temas polêmicos foram remetidos para a OMC, ou seja, nada aconteceu que pudesse ferir qualquer acordo no futuro; isto é, transferiu-se praticamente para julho ou outubro, do próximo ano, qualquer decisão sobre a implantação da Alca e a participação ou não do nosso País neste organismo.

Na verdade, o encontro de Miami definiu, segundo os seus participantes, um relançamento da Alca, de uma Alca menos abrangente ou, como diz parte da imprensa, mais light, onde os Estados Unidos vão fazer acordos por fora com vários países da América Latina, nos moldes do Nafta. E, como afirma o próprio Ministro da Agricultura, o Brasil vai ter de continuar pressionando por “cotas mais generosas” para nossa exportação de açúcar, álcool combustível, carne, cítricos e por redução de tarifas do suco de laranja, além de redução das barreiras à exportação do frango e outros itens. Em suma: o Brasil vai continuar buscando normas mais justas para o agronegócio.

Para o Presidente da CNA, Gilman Rodrigues, os norte-americanos vão jogar pesado nos acordos bilaterais, nos acordos por fora do âmbito do acordo da Alca, acordo que foi possível nesse momento em Miami.

É nesse contexto que chamamos atenção para uma reflexão em torno da questão da Alca, na verdade em torno da linha política através da qual a Administração norte-americana vem conduzindo as negociações sobre esse Acordo das Américas e que, na prática, tem criado enormes dificuldades para o Presidente Lula nessas negociações que o Itamaraty tem tratado de conduzir da melhor forma.

Senão vejamos: todo discurso em torno da proposta dessa Área de Livre Comércio, que vem desde o Governo Clinton e desde que o Brasil e a Argentina começaram a se movimentar pela construção do Mercosul, baseia-se no princípio do livre comércio e das vantagens mútuas, como é lógico. Este vem sendo o argumento da economia mais competitiva e de maior PIB da região, os Estados Unidos, e é em nome dessa posição que criticam o Brasil por ser “protecionista” com o aço ou outros produtos em que somos competitivos.

A Alca nos é apresentada como uma promessa ou como o caminho para esse livre comércio, e é claro que o Brasil tem todo interesse em que o grande mercado norte-americano se abra aos produtos em que somos competitivos, da mesma forma que nossa economia já se encontra visivelmente aberta aos produtos em que os Estados Unidos são competitivos.

Entretanto, no mesmo momento, no mesmo processo em que os Estados Unidos propões essa área de livre comércio, eles têm tomado sucessivas e profundas medidas de fechamento e de proteção do seu mercado e da sua economia. E têm feito exigências inarredáveis de regras, que, se as aceitássemos, nossa economia marcharia para mais recessão e mais dependência externa. Os argumentos a esse respeito nos vêm do próprio Chanceler Celso Amorim. As regras de propriedade intelectual que os Estados Unidos querem impor, diz o Chanceler, “podem matar, por exemplo, a produção brasileira de genéricos”. Da mesma forma, ainda segundo Amorim, pelas regras que os norte-americanos pretendem para a Alca, a Petrobras não poderia mais dar preferência à indústria nacional nas licitações para a construção de plataformas de petróleo, como o Presidente Lula determinou.

Se a intenção da economia hegemônica, e a que mais pressiona pela Alca, fosse, efetivamente, de liberalização do comércio entre os 34 países da área da Alca, por que adota medidas como o Farm Bill e o Bioterrorism Act ao mesmo tempo em que ocorrem as negociações e as falas de livre comércio? No caso do Farm Bill, lei agrícola recentemente adotada pelos Estados Unidos, foram estabelecidos subsídios de US$190 bilhões entre 2002 e 2008 para os produtores agrícolas norte-americanos. No caso do Bioterrorism Act, em vigor desde junho de 2002, inúmeras restrições são impostas à importação de alimentos pelos Estados Unidos. É conhecido de todos o prejuízo que o aço brasileiro vem sofrendo por conta de medidas protecionistas dos Estados Unidos.

O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - Senador Antonio Carlos Valadares, concede-me V. Exª um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Ao mesmo tempo, o noticiário internacional divulgou que os americanos estariam tirando subsídios do aço. Não sei se isso vai vigorar nem sei se isso será possível, mesmo porque nos próximos anos haverá eleições presidenciais entre os norte-americanos. Mas o que se sabe é que os empreendedores ligados ao aço têm muito dinheiro para gastar na campanha presidencial. Não sabemos se o Presidente Bush terá coragem suficiente para manter essa posição anunciada pela imprensa.

Concedo o aparte ao nobre colega e companheiro de Partido Senador João Capiberibe, um estudioso da matéria que tem se debruçado sobre essa questão aqui no Senado Federal.

Como Líder, venho juntar-me a V. Exª, Senador João Capiberibe, para a análise de matéria tão importante não só para o futuro do Brasil como de toda a América Latina.

O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - Obrigado, Senador Antonio Carlos Valadares.

Quero acrescentar que a OMC deu ganho de causa ao Brasil, que, de acordo com a determinação da OMC, está em condições de retaliar os Estados Unidos. A minha pergunta é a seguinte: temos condições de retaliar os Estados Unidos? É evidente que a resposta é não.

A relação de troca com os países do centro sempre foi e continua sendo desvantajosa para nós. Na época em que importávamos manufaturas, em que trocávamos tratores por café, em dez anos foi duplicada a quantidade de café necessária para se trocar pelo mesmo trator. E isso não muda.

Na verdade, o que norteava, o princípio da Alca era o do livre comércio. Depois, a discussão passou para compras governamentais, propriedade intelectual, investimento, ou seja, o escopo foi se tornando mais abrangente, o que faz com que desconfiemos de que não mais se trata de relações de livre comércio, mas, sim, de uma pura e simples anexação desse conjunto de países que compõem a América do Sul e a América Central aos Estados Unidos. Fica muito claro o desejo dos Estados Unidos de incluir esses países não mais na sua órbita, digamos assim, de influência política, mas de completo domínio econômico.

O Brasil tem mais é que se preocupar em diversificar, em abrir as suas exportações. E nesse aspecto, quero destacar a ação do Presidente Lula, que está no Oriente Médio. Enfim, no rastro do Presidente Lula se abre uma grande perspectiva de ampliação das nossas exportações, de comércio com países com que nem imaginávamos poder ampliar. Para sairmos da dependência dos Estados Unidos, com algumas mudanças de um ano para o outro, exportamos mais do que importamos. Mas a diferença é sempre muito pequena.

Então, o mesmo interesse que segmentos da economia americana têm no Brasil, os segmentos da economia brasileira têm nos Estados Unidos. O que está em jogo é o interesse mútuo. Não podemos ceder à pressão em função do poderio dos Estados Unidos nessas negociações, através da Alca ou de qualquer outro organismo de cooperação global.

Muito obrigado.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - V. Exª tem toda a razão: o Brasil deve caminhar nessa direção da diversificação da sua pauta de exportação, até para que não estejamos tão presos, subordinados, do ponto de vista comercial, aos interesses norte-americanos.

No caso, por exemplo, do Bioterrorism Act, em vigor desde junho de 2002, inúmeras restrições são impostas à importação de alimentos para os Estados Unidos, como eu falei.

É conhecido de todos o prejuízo que o aço brasileiro vem sofrendo. Ao mesmo tempo, sabe-se que 61 Senadores norte-americanos assinaram documento oficial em que se opõem a qualquer modificação da legislação dos Estados Unidos em função das negociações da Alca.

Outro exemplo é o do açúcar: os Estados Unidos importam 1,5 bilhão de toneladas de açúcar todo ano, mas desde os anos 70 impõem ao exportador brasileiro uma cota bem reduzida, de 150 mil toneladas/ano. Os exemplos se multiplicam. Daí a inevitável dúvida: como é que o país que propõe uma área de livre comércio e, ainda por cima, nos critica pela “rigidez” nas negociações vai tomando medidas na contramão do livre comércio? Onde está a boa vontade na remoção das barreiras tarifárias e não-tarifárias (os chamados subsídios) por parte dos Estados Unidos? Não vamos nem comentar aqui as declarações de feitio imperial do representante comercial dos Estados Unidos na Alca, Robert Zoellick, de que, se o Brasil não aderisse à Alça, poderia terminar tendo que negociar com os pingüins.

A Alca proposta pelos norte-americanos tem tudo a ver com o modelo implantado no Nafta,o acordo de livre comércio entre Estados Unidos, Canadá e México. E aqui é que está um outro problema: há estudos mostrando que o Nafta não chegou a ser um progresso para o México. Pelo menos esta é a conclusão de uma abrangente pesquisa realizada recentemente por um centro de estudos de Washington que jamais poderia ser suspeito de antiamericanismo ou protecionista: o Carnegie Endowment for International Peace.

O resultado do estudo é essencialmente crítico ao Nafta. Suas conclusões são de que o Nafta não esteve à “altura da crescente demanda de postos de trabalho”, de que os salários reais da “maioria dos mexicanos são hoje mais baixos do que quando o Nafta entrou em vigor”, de que durante a vigência do Nafta “registrou-se um aumento espetacular no número de imigrantes que chegou aos Estados Unidos” mesmo tendo aumentado de forma inédita a repressão nas fronteiras; e de que para as famílias rurais o Nafta foi “sombrio”. Estas conclusões daquele relatório sugerem que o Nafta pode ter sido bom para a economia norte-americana, mas resultou péssimo para a economia mexicana. E a Alca? Considerando, como argumentou o Ministro da Agricultura, que os Estados Unidos, depois de Miami, tendem a intensificar os acordos bilaterais e que não recuam em nada em suas medidas protecionistas, é natural que fiquem dúvidas no ar, principalmente se formos avaliar o comportamento dos Estados Unidos nos próprios termos de livre comércio e de integração regional baseada em vantagens mútuas, que são a essência de todo o discurso norte-americano, mas não da sua prática em toda a temporada de discussão da Alca.

Saudamos o Presidente Lula pelo empenho na adequada condução dessas negociações, sempre na confiança de que o Governo Lula e o Itamaraty estão se empenhando para que haja “negociação sem subserviência, sem confronto e tendo sempre em vista o interesse nacional”, como afirmou acertadamente o Itamaraty.

Não pode haver “pensamento único” quando o que está em jogo é a independência nacional e nosso acesso a um mercado externo que é essencial para o deslanche da economia brasileira.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/12/2003 - Página 40376