Discurso durante a 181ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da valorização da advocacia e defensoria pública. Reflexão sobre a reforma política.

Autor
Antonio Carlos Magalhães (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Antonio Carlos Peixoto de Magalhães
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. REFORMA POLITICA.:
  • Defesa da valorização da advocacia e defensoria pública. Reflexão sobre a reforma política.
Aparteantes
Eduardo Siqueira Campos, Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 10/12/2003 - Página 40434
Assunto
Outros > HOMENAGEM. REFORMA POLITICA.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, COMUNIDADE, IGREJA EVANGELICA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DA BAHIA (BA).
  • DEFESA, VALORIZAÇÃO, ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO (AGU), DEFENSORIA PUBLICA, RELEVANCIA, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, PAIS.
  • ANALISE, PROPOSTA, REFORMA POLITICA, NECESSIDADE, EMPENHO, ATENDIMENTO, RESPEITO, VONTADE, POPULAÇÃO.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero, em primeiro lugar, saudar a comunidade evangélica de todo o País aqui presente e, em particular, os baianos - Átila Brandão e outros que aqui se encontram, para a minha satisfação -, dado o entendimento que tenho com toda a comunidade evangélica do Brasil e, em particular, com a da Bahia.

Também quero, antes mesmo de iniciar o meu discurso, dizer da necessária valorização da Advocacia da União e da Defensoria Pública. Posso dar o testemunho, em meu Estado, do trabalho eficiente da Defensoria Pública, que nem sempre tem a remuneração condigna, como a da União, pelo trabalho que realiza. Daí por que aceitei o broche que aqui está, que representa o apoio do Senado a essas instituições que prestam relevantes serviços à área jurídica do País.

Com essas palavras, quero também agradecer a oportunidade que me ofereceu o meu colega Augusto Botelho, que chegou ao Senado e, sem dúvida alguma, conquistou todos os seus colegas pela sua lhaneza e, sobretudo, pela sua capacidade de aglutinar adversários políticos ou não, sempre de forma educada, compreensiva. E, por isso mesmo, é um dos mais queridos Senadores da República.

Sr. Presidente, sempre que se propõe uma reforma, quem a propõe pretende mudar, para melhor, uma situação vigente, ainda que se esperem resultados a longo prazo. Mas não se pode aceitar uma reforma qualquer. Neste ano, temos votado aqui reformas praticamente de afogadilho, tendo em vista o tempo pequeno que a Câmara dos Deputados propicia ao Senado.

O Congresso discute, juntamente com outras muitas “reformas”, a reforma política. Como as demais, esta também é necessária e até indispensável. Alguns temas, pela controvérsia que despertam, exigem profunda reflexão da classe política. É o caso da própria reforma política, em que dois pontos estão a chamar a atenção das lideranças deste País, porque serão prejudiciais, sobretudo no que se refere à vontade popular. É o caso da adoção das listas fechadas. Além da provável inconstitucionalidade das chamadas listas fechadas, essa proposta tende a engessar a vida partidária, o que não é democrático. Com elas, novas lideranças terão o acesso praticamente vedado às urnas, que, por sua vez, poderão se tornar exclusivas de uma casta.

Falo isso com a tranqüilidade de quem defende uma tese pelo que ela traz de benefício à sociedade e não a si próprio. A mim próprio, se quisesse, traria benefício, porque, em meu Estado, provavelmente eu seria um dos que fariam a lista do Partido. Pela liderança que exerço no meu Estado, qualquer que fosse o critério, a adoção de listas fechadas de candidatos não me seria prejudicial, ao contrário.

No atual sistema, por lista aberta, as cadeiras na Câmara dos Deputados são divididas proporcionalmente pelos votos que um partido ou coligação conseguiram. A importância e a relevância dos partidos no cenário político são, portanto, claras. Entretanto - e aí reside, talvez, a restrição de alguns -, é a quantidade de votos que cada candidato obtém que determina a distribuição das cadeiras.

A votação na legenda já é uma opção que é dada ao cidadão. Quem quiser votará na legenda e já estará votando, portanto, no partido, embora todos saibamos que o eleitor prefira manifestar no voto a sua preferência pelos candidatos. O eleitor quer votar no nome em que ele confia e que lhe agrada em qualquer dos partidos.

As regras atuais e a tradição do povo brasileiro de votar nos candidatos mais do que nos partidos trazem algumas distorções ao processo eleitoral. Mas, Srªs e Srs. Senadores, essas distorções não se podem tornar o pretexto para uma reforma que pode distanciar ainda mais, e distancia, o parlamentar do povo.

A lista fechada, da forma como se configura, pode ser até mesmo uma ameaça à legitimidade da representação popular. Senão vejamos: pela lista fechada, o eleitor votará no partido, e o partido é que escolherá quais os candidatos que terão prioridade para ocupar a cadeira no Parlamento. Isso não é correto. Perguntem a qualquer eleitor se ele quer abdicar do direito de voto para escolher seus representantes. Jamais ele abdicará disso!

É compreensível a prioridade que se pode vir a dar ao tema. É sabido que o Partido dos Trabalhadores, por exemplo, sempre teve boa votação de legenda. Vamos dar um exemplo. Digamos que o Senador Demóstenes Torres não fosse candidato ao Senado e quisesse ser candidato à Câmara dos Deputados e que S. Exª não fosse o afeiçoado do Partido. S. Exª, não sendo o afeiçoado do Partido, jamais estaria no Parlamento, e S. Exª é hoje uma das melhores figuras do Senado. Casos como esse vão existir em grande quantidade. O Deputado Estadual não poderá ter acesso à Câmara Federal, porque existirá uma lista feita previamente. Os Vereadores que se salientarem e quiserem dar um salto na política nacional não poderão fazê-lo.

Ora, Sr. Presidente, em 2002, dos 513 Deputados, 112 tiveram menos votos que o voto de legenda em seus Estados. Destes, 56 Deputados, exatos 50%, são do PT.

Sr. Presidente, compreendo que se fortaleçam os partidos, e sou favorável a essa idéia. Ninguém deseja partidos fracos, porque isso enfraquece a própria democracia, mas não queremos também a ditadura partidária, que é tão nociva quanto a outra, que enfraquece os partidos.

É desejável, se não imprescindível, que os candidatos eleitos representem, de fato, o povo. Afinal, o Deputado deve traduzir, em sua ação política, o ideário da agremiação que o elegeu.

Entretanto, o fortalecimento dos partidos não pode ter como contraponto o enfraquecimento dos valores individuais de seus membros, nem a quase anulação da vontade do eleitor.

Outro grande problema a ser discutido com cuidado e isenção refere-se ao financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES (PFL - BA) - Ouço o aparte de V. Exª, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Antonio Carlos Magalhães, com respeito a um dos pontos importantes da reforma política que se está considerando, temos observado diversos pontos de vista. Refiro-me ao que V. Exª acaba de falar, ou seja, à lista partidária. Tenho dúvidas, também, sobre se deveríamos passar a ter uma sistemática em que os candidatos fossem escolhidos por lista partidária, e não pela própria população. Não há, ainda, decisão a respeito desse assunto, por exemplo, no âmbito do Partido dos Trabalhadores. É uma questão que está em processo aberto de discussão. Já que suscitou o assunto, quero manifestar a V. Exª e aos meus companheiros de Partido que ter apenas a lista partidária e não permitir que a população escolha, entre os candidatos do Partido, aqueles que mais merecem o voto não seria o melhor. As pessoas dentro do Partido têm uma vivência maior, têm - digamos - certo controle sobre a máquina administrativa e podem definir os candidatos de maior confiança para compor a lista. Entretanto, é perfeitamente possível que essa listagem seja bem diferente daquela que a população, com maior liberdade, venha a escolher. Avalio que nós, do Partido do Trabalhadores, que tanto nos empenhamos para que houvesse eleição direta para Prefeitos, Governadores e Presidente da República, porque sempre confiamos em que a população, como um todo, deve escolher seus representantes para o Executivo; nós, que muito batalhamos para que nunca mais houvesse os Senadores biônicos no Senado, porque preferimos que o povo os escolha diretamente, antes de tomarmos a decisão pela lista apenas, devemos considerar a história da eleição de representantes do povo para o Congresso Nacional, que se caracteriza por valores significativos. Os Senadores são eleitos majoritariamente, mas temos um conjunto de Deputados Federais - são cerca de noventa - que são pessoas de extraordinária expressão e valor, escolhidas pelo próprio povo por eleição direta, depois de terem seus nomes aprovados em convenções do Partido. Nesse aspecto, meu pensamento é semelhante ao de V. Exª. Destaco esse ponto do pronunciamento de V. Exª, porque penso que o sistema de escolha de representantes pelo próprio povo está adequado.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES (PFL - BA) - Agradeço muito o aparte de V. Exª. Eu freqüento São Paulo e posso dizer que o aparte de V. Exª é de um homem que tem voto e, conseqüentemente, jamais poderia ser abandonado pela lista partidária ou pela vontade do povo. Vejo o prestígio de V. Exª em seu Estado e fico admirado por ser tão grande, embora saiba que V. Exª tenha méritos para isso. V. Exª realmente encarna a vontade do povo paulista e o defende aqui da forma mais veemente possível. Isso eu sinto no seu Estado. V. Exª cita, com propriedade, a extinção dos Senadores biônicos. Podemos ir mais longe: às listas feitas antes da Revolução de 30, a bico-de-pena. É o que se quer fazer voltar, com outra roupagem; é isso que se deseja com a lista fechada. Os que têm voto não têm medo de que a lista seja aberta, os que não o têm querem listas fechadas, porque muitas vezes dominam a máquina partidária, mas não dominam a vontade do povo.

Portanto, o apoio de V. Exª para mim é muito importante.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Obrigado.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES (PFL - BA) - Outro ponto é que os que defendem o financiamento público e o voto em lista argumentam que as campanhas se tornariam mais baratas e o risco de abuso do poder econômico diminuiria. Não sejamos ingênuos. A medida não se mostraria tão moralizadora assim, muito menos democrática, sobretudo se os atuais Deputados tivessem algum tipo de preferência na elaboração das listas.

O financiamento público não garante condições iguais, nem afasta o interesse de setores da sociedade que querem ser representados. Sua adoção poderá, na verdade, empurrar para a clandestinidade a origem e a destinação de outros recursos provenientes de interesses setoriais, privados ou de entidades de classe, que não deverão cessar.

Digo isso porque estou convencido de que o financiamento privado não deixará de existir, apenas deixará de ser conhecido - como hoje o é.

Por isso, é ingenuidade - repito - achar que o financiamento exclusivamente público possibilitará que os candidatos se comprometam apenas com plataformas dissociadas de interesses corporativos ou setoriais - o que, aliás, nada traz de ilegítimo, desde que feito às claras, para que a sociedade possa julgá-las. Não se trata do caixa dois, que existe e infelicita o País.

O financiamento público, nesse cenário de manutenção do financiamento privado, tornará os pleitos eleitorais ainda mais desiguais - porque haverá o financiamento público e o financiamento privado. Pelas novas regras, se houver abuso do poder econômico, mais difícil será fiscalizar e identificar.

Como bem lembrou o Senador José Jorge, “voltaríamos à situação anterior a 1994, quando as pessoas jurídicas oficialmente não podiam ser doadoras e usavam o caixa dois para bancar as eleições”.

Srªs e Srs. Senadores, a grande razão para a reforma política são as próximas eleições. Muitas das alterações propostas devem entrar em vigor nos próximos pleitos eleitorais e, certamente, serão benéficas.

Para ser efetiva, a legislação decorrente deve ser cumprida. Parece óbvio, mas não é isso que tem acontecido.

A propósito, O Estado de S. Paulo de ontem faz um alerta: as boas intenções são sistematicamente desprezadas.

O jornal se refere, especialmente - e é grave o que vou falar agora -, à fiscalização dos fundos partidários, que, pela legislação, deveria ser feita por uma comissão interpartidária. Na prática, isso não acontece. Ninguém fiscaliza os fundos partidários dos partidos.

O Sr. Eduardo Siqueira Campos (PSDB - TO) - V. Exª me concede um aparte, Senador Antonio Carlos? Serei rápido, antes que se encerre o tempo de V. Exª.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES (PFL - BA) - Sr. Presidente, concederei o aparte, mas, antes de V. Exª chegar à Presidência, houve uma tolerância exagerada com outros Senadores. Solicito que V. Exª me conceda apenas metade do que foi dado aos outros.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - V. Exª, velho Parlamentar, há de compreender que V. Exª continua falando e a Mesa interrompendo.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES (PFL - BA) - Obrigado.

O Sr. Eduardo Siqueira Campos (PSDB - TO) - Serei rápido, Senador Antonio Carlos Magalhães. Apenas para dizer a V. Exª: Parabéns! Em primeiro lugar, por V. Exª defender a lista do povo e não a lista do comando partidário. Há uma diferença. Partidos fortes, sim, mas em lista fechada alguns Parlamentares - não preciso nem citar, Senadora Heloísa Helena - jamais teriam chance de voltar sequer a serem candidatos. Ficamos com a lista do povo. Com relação ao financiamento público, Senador Antonio Carlos Magalhães, V. Exª tem razão mais uma vez. Iria o dinheiro do povo para a campanha política e continuaria existindo dinheiro da empresa privada, dessa vez anônimo, nas campanhas de sempre. Portanto, V. Exª tem coragem de colocar publicamente uma questão com a qual eu concordo integralmente, não sei se discordando do meu Partido, mas V. Exª, sim, discordando de pessoas do seu Partido que a defendem. Estou com V. Exª e tenho certeza de que as vozes das ruas também estarão, nessas duas teses.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES (PFL - BA) - Agradeço muito a V. Exª, que é um desses que tem o voto popular no seu Estado, seja na capital ou no interior, e por isso não teme a votação aberta. Qualquer que seja ela, V. Exª virá para a nossa companhia realizar o trabalho notável que realiza hoje no Senado e que realizou ontem na Câmara.

A esse respeito, O Globo trouxe, há poucos dias, uma extensa matéria com detalhes de como pode estar sendo distorcida a destinação dos fundos partidários e como é superficial a fiscalização exercida sobre eles.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma reforma, para ser duradoura, deve abdicar do casuísmo. Uma reforma, para ser legítima, deve ter como foco a vontade popular. Como está sendo feita essa reforma, infelizmente, a vontade popular não está sendo respeitada e o casuísmo está escancarado.

Dentro de pouco tempo, vão dizer, a propósito do financiamento público: quantas escolas poderiam ser feitas com o dinheiro que está sendo destinado para os fundos partidários? Quanto dinheiro está sendo dado quando poderiam ser construídas casas, habitações para aqueles que não têm teto! O Fome Zero, que está parado, poderia receber esse dinheiro do fundo partidário, porque ninguém sabe para onde ele vai, embora, com certeza, nem sempre vá para os melhores lugares.

Acredito que aí, sim, o povo vai reclamar. E com razão. Vai reclamar, como tem reclamado até aqui, do uso indevido da atividade pública. As máquinas partidárias são piores do que as máquinas governamentais. As máquinas governamentais estão à vista do povo, para que ele reclame, já a máquina partidária é invisível. Só aqueles que dominam o partido têm esse poder.

Portanto, vamos, neste Senado, cerrar fileiras para impedir que o povo, mais uma vez, seja enganado. Com a lista fechada e com o financiamento público, vamos realmente enganar o povo brasileiro mais uma vez. Só interessa lista fechada e financiamento público àqueles que querem, realmente, utilizar o financiamento público, que deveria ser usado nos Estados, nos Municípios pobres, com a pobreza. Só interessa lista fechada àqueles que não têm voto e que, sem ela, dificilmente viriam para o Senado ou para a Câmara dos Deputados.

Vamos fazer da democracia, nesta Casa, mais um esteio. O Senado, presidido por V. Exª, Sr. Presidente, que tem uma história de vida, não pode, de jeito nenhum, errar em coisas tão claras para o povo brasileiro.

Agradeço novamente a V. Exª, que foi um grande democrata e, mais uma vez, o está sendo na Presidência do Senado.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/12/2003 - Página 40434